Governo orientou bancadas aliadas a recuarem da proposta que pretende amordaçar o Ministério Público após onda de protestos nas ruas.
Sem conseguir um acordo entre policiais e representantes do Ministério Público, o Congresso Nacional decidiu adiar a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) número 37, que proíbe o Ministério Público de conduzir investigações criminais, atribuição que passaria a ser exclusiva das polícias. O governo também orientou as bancadas aliadas a não forçarem a votação da emenda após ela ter sido incluída no cardápio de reivindicações dos protestos espalhados pelo país nas últimas semanas.
A votação da emenda está agendada para o próximo dia 26 na Câmara dos Deputados, mas o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que está em viagem oficial à Rússia, já afirmou que pretende adiar a votação, segundo o jornal Folha de S.Paulo. O presidente em exercício da Câmara, André Vargas (PT-PR), defende o adiamento para o segundo semestre.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, seguiu a mesma linha ontem. "Vou solicitar alguns dias para que termine esse processo de consulta em separado. Será um apelo a Henrique Alves para que se possível adie a votação", disse.
Para Alexandre Camanho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a postergação permitirá mais tempo para as negociações. “O MP nunca esteve tão unido, este é o momento certo para conversarmos. Estamos abertos para negociar, mas nunca para ouvir que nós não podemos investigar, disse. “Conversei com o Henrique Alves e ele sinalizou que vai adiar. Antes mesmo dos protestos essa hipótese já vinha sendo ponderada, e parece que esses últimos eventos aumentaram a pressão para que a PEC não seja analisada agora”, afirmou.
Protestos - Na breve reunião realizada na noite da última terça-feira, os membros do grupo de trabalho também mostraram preocupação que as manifestações ganhem força com a aprovação da PEC 37. Durante protesto na noite de segunda-feira, em Brasília, cartazes contra a “PEC da Impunidade” foram erguidos em frente ao Congresso Nacional. Para o próximo dia 26, está previsto um protesto exclusivo contra a PEC, novamente na capital federal. Mais de 7.000 pessoas confirmaram presença na página do evento, criada no Facebook.
Após um mês e meio de discussões, o grupo de trabalho criado para reavaliar o texto da PEC 37 chegou ao fim de suas reuniões nesta quarta-feira com cenário igual ao do início dos debates: sem acordo. Representantes do Ministério Público e da polícia, acompanhados por parlamentares e servidores do Ministério da Justiça não chegaram um consenso sobre como devem ser conduzidas as investigações criminais. Para tentar negociar um acordo, Cardozo anunciou que vai tomar a frente dos debates.
Na próxima semana, o ministro se reunirá, separadamente, com representantes do Ministério Público e das polícias. Estabelecer um ponto comum entre os dois órgãos, porém, não será uma tarefa fácil, já que ambos não abrem mão de investigar processos criminais. “A nossa reunião com o MP e com os delegados será para avaliar se nós podemos encontrar alternativas que possam ser objeto de consideração”, afirmou.
Nas reuniões do grupo de trabalho, iniciadas no mês passado, representantes da polícia sugeriram que fosse incorporada à Constituição a possibilidade de o Ministério Público apurar as infrações – mas somente em processos “extraordinários”. Por entender que a solução dava espaço para manter procuradores e promotores distantes das apurações, o MP recusou a proposta. “Esse texto limita muito mais a nossa atuação. Nós continuamos reafirmando que temos o poder de investigar. Somente precisamos de regramentos”, afirmou Norma Cavalcanti, presidente em exercício do Conselho Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).
Como uma alternativa à PEC 37, representantes do Ministério Público protocolaram nesta terça, na Câmara dos Deputados, um projeto de lei com regulamentações para as investigações criminais. O texto sugere ação integrada da Polícia Judiciária com o MP e também a interação de outros órgãos que colaboram para o andamento das apurações, como a Receita Federal, o Banco Central e a Controladoria-Geral da União (CGU). A ideia é que em casos de apuração conjunta, a investigação seja conduzida pelo delegado de polícia e coordenada por um membro do Ministério Público.
Algumas investigações do Ministério Público
A máfia do asfalto
A ‘máfia do asfalto’, desarticulada em abril de 2013 após uma ação anticorrupção do Ministério Público em doze estados brasileiros, era especializada em desvios nos contratos de pavimentação e recapeamento de asfalto em 78 municípios do noroeste de São Paulo. Dezenove pessoas foram denunciadas pelo órgão por formação de quadrilha, falsidade ideológica e fraudes em licitações. A Justiça aceitou a denúncia e decretou a prisão de treze envolvidos.
As obras públicas recebiam recursos dos Ministérios do Turismo e Cidades, e o esquema de fraudes era centralizado pela empreiteira Demop, que possui mais de trinta empresas parceiras, muitas delas de fachada e todas pertencentes à família Scamatti. Relatórios da operação mostraram que os acusados tinham tentáculos no meio político, sendo citados em escutas telefônicas deputados federais e estaduais de partidos como o PT e o PSDB.
Fraude em Campinas
O Ministério Público de São Paulo apontou a ex-primeira-dama de Campinas Rosely Nassim Jorge dos Santos como mentora de um esquema de fraudes em licitações da empresa de água e saneamento básico do município, a Sanasa, e pagamentos de propinas a fornecedores da prefeitura. Rosely corrompia e chantageava empresários depois de favorecê-los na obtenção de contratos com a administração pública. O MP pediu que Rosely se apresentasse duas vezes para prestar depoimento, mas ela não apareceu.
Outra investigação do MP-SP denunciou o ex-prefeito de Campinas e marido de Rosely, Hélio de Oliveira Santos, por corrupção, fraude em licitação e formação de quadrilha. O MP descobriu desvio de 7 milhões de reais que deveriam ter sido empregados em programas de combate à Aids, mas acabaram usados na compra de aparelho de televisão, abastecimento de veículo, recarga de cartão de celular, compra de portas de jequitibá rosa, bombons, entre outros. A Justiça quebrou o sigilo bancário do ex-prefeito e ele foi cassado em agosto de 2011. Em abril de 2013, o processo de Rosely foi suspenso por uma liminar da Justiça.
Caso Roger Abdelmassih
O Ministério Público de São Paulo começou a investigar o médico especialista em reprodução assistida Roger Abdelmassih em maio de 2008 e apresentou denúncia de estupro de pacientes em 2009. Ao todo, foram 52 estupros e quatro tentativas contra 39 mulheres pacientes de sua clínica. De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), os crimes foram cometidos entre 1995 e 2008, nas dependências da clínica, localizada em um bairro nobre da capital paulista.
Em janeiro de 2011, o órgão também pediu a prisão preventiva do médico por suspeita de fuga, já que Abdelmassih pediu renovação do passaporte. Cinco dias depois, o pedido foi aceito pela juíza Cristina Escher, da 16ª Vara Criminal de São Paulo, mas o médico não foi encontrado e segue foragido.
Máfia dos sanguessugas
Em maio de 2006, a Polícia Federal desmontou um esquema de corrupção que ficou conhecido como Máfia dos Sanguessugas e envolveu 87 deputados e três senadores de dez partidos. A fraude ocorreu na compra de mais de 1.000 ambulâncias para prefeituras de seis estados e, ao longo de cinco anos, causou prejuízos de 110 milhões de reais, segundo as investigações do Ministério Público Federal. O órgão montou um relatório com gravações telefônicas e recibos bancários e denunciou a máfia.
O escândalo se desdobrou em CPI, que se arrastou ao longo de um ano com mais de 500 réus – incluindo parlamentares, prefeitos, servidores e empresários. Até agora, 66 processos foram julgados, com 39 condenações, incluindo a de cinco ex-deputados, todas em primeira instância.
Caso Celso Daniel
Em 18 de janeiro de 2002, o então prefeito de Santo André (SP) e coordenador da campanha de Lula, Celso Daniel, foi sequestrado e encontrado morto dois dias depois, com onze tiros e sinais de tortura. O MP discordou da posição da polícia de que o crime foi de natureza comum e abriu uma investigação sobre o caso. Para o órgão, o assassinato foi de motivação política, e o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, o mandante da morte. Segundo os irmãos da vítima, o prefeito foi assassinado porque tinha um dossiê sobre a corrupção em Santo André para financiar as campanhas do PT, que era de conhecimento da cúpula petista. A tese das investigações do MP é que desentendimentos sobre a partilha dos recursos teriam motivado o assassinato.
Além de Sombra, o MP denunciou seis pessoas que foram condenadas pelo crime entre agosto de 2010 e novembro de 2012 com penas que variam de dezoito a 24 anos de prisão. O julgamento do suposto mandante, previsto para março de 2013, foi adiado e ficará parado até a decisão de dois habeas corpus pendentes no STJ e STF.
Máfia dos fiscais
Em 1998, o Ministério Público em São Paulo (MP-SP) denunciou um esquema que teria arrecadado 436 milhões de reais em propinas de camelôs ilegais entre 1997 e 2000, durante a gestão Celso Pitta na Prefeitura de São Paulo. A investigação do órgão resultou em mais de 400 pessoas indiciadas e setenta denúncias encaminhadas à Justiça. O MP provou ainda o envolvimento do ex-vereador Vicente Viscome nas cobranças de propina ilegal na região da Penha, Zona Leste de São Paulo, que foi condenado a 16 anos de prisão. Ele tinha um patrimônio de 16 milhões de reais e ficou na cadeia por seis anos, quando conseguiu liberdade condicional.
Desvios de verba do TRT-SP
Em 1999, foi descoberto um esquema de superfaturamento do prédio do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Cerca de 160 milhões foram desviados por uma quadrilha chefiada pelo juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, em parceria com o então senador Luiz Estevão. O Ministério Público do DF investigou o caso, analisou as contas bancárias de Estevão e ainda tentou construir um Termo de Ajuste de Conduta com o governo do Distrito Federal para impedir que Estevão e seus aliados continuassem criando empresas de fachada. Após nove tentativas, a ideia fracassou porque não houve acordo. Ele foi condenado a 36 anos e meio de prisão.
Lalau ficou foragido e se entregou a polícia em 2000. Foi condenado a 26 anos e seis meses de prisão e, desde julho de 2003, cumpria prisão preventiva em sua casa. O MPF pediu a cassação da decisão que mantinha Lalau em prisão domiciliar. A Justiça acatou, e ele foi levado para a carceragem da PF em São Paulo e, posteriormente, para o presídio de Tremembé.
Denúncias contra Paulo Maluf
Em 2000, o Ministério Público de São Paulo mostrou laudos de superfaturamento de 100 milhões de reais no túnel Ayrton Senna, uma das maiores obras da gestão do ex-prefeito da capital paulista Paulo Maluf. Depois disso, o órgão descobriu contas bancárias em nome de Maluf e seus familiares nas Ilhas Jersey, um paraíso fiscal no Canal da Mancha, que somavam mais de 200 milhões de dólares.
Em 2001, o MP entra com pedido de improbidade administrativa contra Maluf, pede ao Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) a quebra de sigilo bancário do ex-prefeito e envia à polícia de Jersey uma carta com pedido de informações sobre as movimentações financeiras realizadas pela família Maluf na ilha. O Ministério Público Federal também denunciou criminalmente oito executivos ligados às empreiteiras Mendes Junior e OAS, sob a acusação de desvio de dinheiro da obra da Avenida Água Espraiada, hoje rebatizada de Jornalista Roberto Marinho, na Zona Sul de São Paulo. O crime teria acontecido durante a gestão de Maluf e parte dos recursos foi enviado para contas em paraísos fiscais.
Escândalo do Mensalão
Em 2005, o Ministério Público denunciou o maior escândalo de corrupção do país. Ao todo, o órgão apresentou denúncias contra 38 pessoas envolvidas no esquema do PT de compra de votos na Câmara dos Deputados para aprovar projetos do governo no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. Deles, um morreu, um fez acordo com a Justiça e outros 25 foram condenados em julgamento que durou mais de quatro meses no Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão da Corte confirmou o que o Ministério Público havia afirmado na denúncia: o ex-presidente do partido e ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu comandava o esquema criminoso.
O MP acompanhou os 138 dias de julgamento e pediu ainda a expedição dos mandados de prisão cabíveis imediatamente após a conclusão do processo, o que foi negado pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, sob argumento de que não existe risco de os réus deixarem o país. Durante o julgamento, um dos réus, o publicitário Marcos Valério, procurou o MPF para dar mais detalhes sobre o esquema. Com base nas declarações, o órgão abriu seis procedimentos para apurar as denúncias de Valério, que apontou Lula como um dos beneficiados do esquema.
Atropelador da Paulista
O Ministério Público em São Paulo apresentou denúncia contra o estudante de psicologia Alex Siwec, acusado de atropelar o ciclista David Santos de Souza, de 21 anos, na Avenida Paulista, em março de 2013. A vítima teve o braço amputado e o membro foi jogado em um córrego por Siwec, que fugiu sem prestar socorro. Pela acusação do MP, Siwec deveria responder por tentativa de homicídio com dolo eventual – quando se assume o risco de causar dano a alguém, já que o condutor teria bebido antes de dirigir. Mas o juiz Alberto Anderson Filho deu uma decisão afirmando que o dolo eventual não se aplicaria a uma tentativa de homicídio. Para o juiz, essa qualificação só existe quando há morte da vítima, o que não aconteceu.
O órgão contestou a decisão, e denunciou o motorista por quatro crimes: tentativa de homicídio simples, embriaguez ao volante, fuga do local do crime e por ter jogado o braço da vítima num córrego. Siwec chegou a ficar preso por onze dias, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo permitiu que respondesse ao processo em liberdade.
Reportagem de Marcela Mattos
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