A "repressão
brutal" de jornalistas nos recentes protestos em São Paulo contra o
aumento das tarifas do transporte público representa, na avaliação da ONG
Repórteres Sem Fronteiras, "um desvio repressivo perigoso" e também
uma ameaça à liberdade de informação.
A Polícia Militar reagiu às manifestação desta
quinta-feira no centro da capital paulista com bombas de efeito moral e balas
de borracha. Vários jornalistas, cinegrafistas e fotógrafos foram atingidos
pelos disparos ou levaram golpes de cassetete; alguns deles chegaram a ser
presos.
"Vamos pedir à Secretaria dos Direitos
Humanos e às autoridades brasileiras para realizarem uma investigação sobre as
violências cometidas", disse à BBC Brasil Benoît Hervieu, responsável
pelas Américas da Repórteres Sem Fronteiras, com sede em Paris, acrescentando
que as autoridades precisarão explicar como a polícia chegou ao ponto de
"realizar uma repressão tão brutal".
"A prefeitura e o governo de São Paulo e
também o comando da Polícia Militar deverão prestar contas em relação às ordens
transmitidas aos policiais", diz o porta-voz.
"A Constituição brasileira está sendo
desrespeitada. Além da brutalidade dos policiais, as acusações contra os
jornalistas não têm fundamento", afirma Hervieu.
Prisões 'escandalosas'
Em um comunicado que será divulgado nesta tarde,
a ONG, que defende a liberdade de imprensa e luta contra a repressão a
jornalistas, também pede a libertação do jornalista Pedro Ribeiro Nogueira, do
Portal Aprendiz, detido sob a acusação de "formação de quadrilha".
"Essa acusação de formação de quadrilha é
uma loucura", diz Hervieu, ressaltando que na França não ocorrem prisões
de jornalistas que estão trabalhando na cobertura de manifestações nas ruas.
Repórteres como Marina Novaes, do portal Terra,
Leandro Machado, do jornal Folha de S. Paulo, e Piero Locatelli, da revista
Carta Capital, foram presos enquanto faziam a cobertura das manifestações e
liberados depois.
Para Hervieu, essas prisões de jornalistas em
São Paulo são "particularmente escandalosas".
"Na França, houve um trabalho de formação
dos policiais, nos anos 80, sobre como lidar com o trabalho da imprensa durante
protestos nas ruas. Os policiais recebem a orientação de respeitar o trabalho
dos jornalistas", afirma Hervieu.
"No Brasil, a violência da Polícia Militar
é algo mais sistemático e é uma violação à liberdade de informação. Isso lembra
a época do AI-5 (Ato Institucional número 5 da ditadura militar, que instituiu
a censura)", embora não sejam os mesmos métodos, diz o representante da
ONG RSF.
"No Brasil, falta formação para os
policiais. Falta sensibilização em relação ao princípio democrático de se
manifestar", afirma Hervieu.
Outro lado
Em declaração publicada pela Folha de S. Paulo,
o Secretário de Segurança Pública do Estado, Fernando Grella, lamentou os
episódios de violência policial na noite desta quinta-feira e afirmou que eles
serão apurados.
Grella qualificou de "inadmissível" a
violência contra jornalistas. "Se ficar caracterizado que o ataque foi
deliberado, vai haver responsabilização."
O pedido de investigação foi enviado à
Corregedoria da Polícia Militar.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad,
destacou que, nos protestos desta quinta-feira, "a imagem que ficou foi a
da violência policial" e disse ser correta a decisão de Grella de abrir
"um inquérito para apuração rigorosa dos fatos".
De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, na
quinta-feira a Polícia Militar de São Paulo não se pronunciou sobre a conduta
dos policiais durante o protesto, mas adiantou também que as denúncias de
abusos serão investigadas.
Contatada pela BBC ontem, a Polícia
Militar do Estado ainda não havia comentado sobre o assunto até o fechamento desta
reportagem.
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