No livro Money
Laundering through Art: A Criminal Justice Perspective (“Lavagem de Dinheiro por meio da Arte: uma
Perspectiva da Justiça Criminal”), editado pela editora Springer, o
desembargador federal brasileiro Fausto De Sanctis traz à tona um negócio cada
vez mais praticado tanto por criminosos quanto pelos muito ricos: a compra de
obras de arte para branqueamento de capitais. De Sanctis foi juiz no caso do
ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira.
Entre as telas usadas para esse
fim está Hannibal (na
imagem deste post), que aportou no aeroporto internacional de Londres num
caixote em que se declarava obra sem nome, no valor de 100 dólares. Só mais
tarde é que os investigadores federais descobririam ser de Jean-Michel Basquiat
e valer 8 milhões de dólares. A pintura era parte de uma coleção de 12 mil
peças montada por Edemar Ferreira enquanto controlava o Banco Santos – algumas
expostas em museus como o Guggenheim, em Nova York.
Em 2004 o império de Edemar Ferreira desabou, deixando um bilhão de dólares em
dívidas. Condenado em 2006 a 21 anos de prisão por fraude, evasão fiscal e
lavagem de dinheiro, o banqueiro está em liberdade desde que o STF concedeu-lhe
liberdade provisória, em dezembro daquele mesmo ano. Vive muito bem, obrigado,
numa mansão em São Paulo. Antes de sua prisão, mais de 30 milhões de dólares em
arte, de propriedade dele e da esposa Márcia, foram contrabandeados para fora
do Brasil – informa De Sanctis em reportagem publicada
pelo New York Times em
maio.
Nela, a chefe da unidade de apreensão de ativos do
Departamento da Justiça dos EUA, Sharon Cohen Levin, explica a preferência pela
arte para o branqueamento de capitais: “Você pode fazer uma transação em que o
vendedor é listado como ‘coleção particular’ e o comprador como ‘coleção
particular’. Em qualquer outro setor, ninguém poderia se safar com isso.”
Agentes federais dos EUA dizem que Hannibal é apenas
uma das milhares de obras de arte valiosas usadas por criminosos e pela
oligarquia financeira para esconder lucros ilícitos e transferir ilegalmente
ativos ao redor do mundo. Contrabandistas, traficantes de drogas, traficantes
de armas e afins têm cada vez mais se voltado para o opaco mercado de arte, à medida
em que outras técnicas de lavagem de dinheiro foram sendo submetidas a um
controle maior.
No livro, o juiz brasileiro pede regulamentação do
setor, dizendo que mercadores de arte e casas de leilão deveriam prestar contas
de suas atividades financeiras, assim como os cassinos e negociantes de pedras
preciosas são obrigados a fazer. As casas de leilão, claro, negam a existência
do problema e, quando o admitem, dizem controlá-lo, estabelecendo um limite
para transações em dinheiro.
“O Brasil tem legislação sobre isso, mas não dá o
tratamento devido. Ninguém questiona nada”, afirma De Sanctis, referindo-se à
norma que obriga galerias, museus, casas de leilões e bibliotecas a manterem,
por cinco anos, cadastro de seus clientes; exige que as formas de pagamento
sejam legais e rastreáveis; e que profissionais do setor comuniquem qualquer
operação suspeita, sob o risco de ser acusados de cumplicidade. Para ele, o
Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão do Ministério da Fazenda
responsável por monitorar essas transações, tem atuação restrita a galerias de
arte, mas museus e bibliotecas que recebem doações também deveriam checar a
origem de recursos ou obras recebidas.
Fausto De Sanctis esteve à frente de uma das varas
especializadas em lavagem de dinheiro na justiça federal, e atualmente é
desembargador no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, com jurisdição sobre
São Paulo e Mato Grosso do Sul. Entre abril e setembro de 2012 realizou estudos
no Federal Judicial Center, nos EUA, período em que, além de escrever
o livro, proferiu palestras, deu aulas e publicou artigos. É mundialmente
reconhecido no tema lavagem de dinheiro.
Já Edemar Ferreira está entre os quatro brasileiros
incluídos pelo Banco Mundial na lista de 150 casos internacionais de corrupção,
ao lado de Paulo Maluf e Daniel Dantas. The Grand Corruption Cases Database
Project, de junho de 2012, reúne casos em que foram comprovadas movimentações
bancárias de pelo menos um milhão de dólares.
Reportagem de Inês Castilho
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