Votar ou não votar? A questão é a mais nova
controvérsia sobre a convocação de uma assembleia constituinte no Chile. Desde
2011, quando o movimento estudantil ganhou força, aumentou no país a campanha
pela elaboração de uma nova Carta Magna, já que o texto imposto pela ditadura
de Augusto Pinochet em 1980 é ainda vigente.
Como é ano de eleições presidenciais -- marcadas para 17 de novembro --, as
lideranças dos movimentos sociais se organizaram em diferentes iniciativas para
usar o tema como instrumento de pressão. No entanto, os dois grupos que mais
conseguiram apoio até agora propõem ações que, em princípio, parecem
inconciliáveis: um defende o uso do voto como protesto e o outro faz um chamado
a se manifestar não indo votar.
O movimento #MarcaTuVotoAC (“escreva AC no
seu voto”) foi impulsado por lideranças do movimento estudantil e tenta
aproveitar o voto em papel, ainda vigente nas eleições chilenas, para estimular
os eleitores que queiram aderir ao movimento a escrever, no lado direito da
cédula eleitoral, a sigla “AC”, de “assembleia constituinte”.
A ideia é dos principais líderes da Confech (Confederação dos Estudantes do
Chile) em 2011, Francisco Figueroa e Giorgio Jackson, candidatos a deputado.
Dessa forma, os organizadores pretendem usar uma possível cifra numerosa de
votos marcados para poder interpelar o Senado e o próximo presidente eleito, os
únicos com poderes para convocar um plebiscito vinculante capaz de gerar uma
assembleia constituinte.
Segundo Jackson, do partido Revolução Democrática, “quando a cidadania se
manifestou nas ruas pela educação, em 2011, o volume de gente surpreendeu a
classe política tradicional, e esperamos conseguir o mesmo efeito novamente”. O
ex-estudante, hoje engenheiro formado, prefere não dar estimativas de quantas
adesões poderiam ter. “Não temos a ilusão de conseguir maioria absoluta, mas
queremos mostrar que somos muitos, talvez centenas de milhares. Se conseguimos
somar uma quantidade similar a das marchas teremos o suficiente para poder
pressionar”.
O movimento, porém, enfrenta um obstáculo
inesperado: a desinformação a respeito da validade desse tipo de manifestação
começou dentro do próprio Servel (Serviço Nacional Eleitoral do Chile). Em 9 de
maio, o presidente do órgão, Juan Emilio Cheyre, afirmou que “os votos que
contenham qualquer tipo de marca fora da zona onde o eleitor deve assinalar o
candidato de sua preferência serão automaticamente anulados”.
No dia
seguinte, os organizadores de #MarcaTuVotoAC foram à sede do Servel
acompanhados do advogado especialista em direito eleitoral Roberto Garretón –
um dos apoiadores do movimento – e pediram uma explicação sobre as declarações
de Cheyre, que contradizem o Artigo 65 da Lei Eleitoral chilena.
Nele,
se determina que: 1) as cédulas que contenham alguma marca adicional serão
contabilizadas sempre que esta não impossibilite a correta verificação da
escolha feita pelo eleitor, e 2) caso as marcas, observadas nos votos de uma
mesma mesa eleitoral, obedeçam a um determinado padrão, o presidente dessa mesa
deverá registrar o padrão na ata eleitoral.
A lei eleitoral, portanto, não só considera o voto marcado válido como também
prevê que ele seja contabilizado caso o presidente da mesa verifique um padrão
nas marcas. Horas depois, Cheyre deu uma entrevista para o canal CNN Chile,
corrigindo o que havia dito antes. Cabe destacar que Juan Emilio Cheyre é um
ex-comandante-em-chefe do Exército chileno, e desempenhou funções
administrativas durante a ditadura.
Ainda assim, Jackson admite que, em muitas mesas, poderia haver resistência em
contabilizar os votos marcados com “AC”, mas diz que o movimento pretende levar
fiscais a quase todas as mesas eleitorais do país, e irá instrui-los para
insistir na contagem dos votos marcados.
Greve Eleitoral
Constituinte
Outro movimento que defende a constituinte é o Greve Eleitoral Constituinte,
mas defende a abstenção nas eleições como forma de protesto. A ausência de
votos, para eles, significaria o fracasso do sistema eleitoral atual e a
necessidade de se estabelecer outro mais representativo.
Um dos porta-vozes da iniciativa é o advogado Luis Mariano Rendón, diretor da
ONG Ação Ecológica. Segundo ele, “votar em eleições sob as regras estabelecidas
pelo pinochetismo é legitimar essas regras, e nós queremos mudar as regras do
jogo, e buscar um sistema que estabeleça uma democracia mais participativa”.
Os organizadores se amparam no alto índice
de abstenção das eleições municipais de 2012, a primeira em que o Chile testou
o voto voluntário. Na ocasião, 55% dos eleitores não compareceram às urnas.
“Queremos que os cidadãos fiquem em suas casas, mostrando pacificamente sua
indignação com a política em geral, e depois de fechadas as urnas nós sairemos
às ruas para comemorar a alta abstenção e o colapso desse sistema eleitoral”,
prevê Rendón.
Conciliação
Embora o objetivo seja o mesmo, as formas de atingi-lo são diametralmente
opostas. Segundo os líderes dos movimentos, o diálogo é possível, mas um acordo
é pouco provável. Jackson, do #MarcaTuVotoAC, diz que pretende chamar os
representantes do Greve Eleitoral para buscar um denominador comum. Porém,
afirma que “as ideias são incompatíveis, porque nós não vemos como poderemos
exigir uma assembleia constituinte sem saber quantas pessoas exatamente estão
apoiando a ideia, somente com esse registro poderemos atuar”.
Já Rendón descarta uma mudança real através do voto marcado, que “pode
registrar uma cifra astronômica, mas não é vinculante. Os senadores
pinochetistas ignoram essa pressão há 33 anos, e mesmo a Concertação (aliança
de centro-esquerda) está conformada com essa constituição ilegítima, porque ela
dá garantias de poder aos atuais congressistas, eles não vão tomar uma medida
contra eles mesmos”.
Por outro lado, Rendón acredita que “os caminhos opostos não muda o fato de que
lutamos pela mesma causa, e tenho certeza que poderemos concordar com eles em
organizar jornadas nacionais de mobilização constituinte, durante o período de
campanha eleitoral”.
Reportagem de Victor Farinelli
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