Graças a uma iniciativa capitaneada pela Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), em parceria com os poderes Legislativo e Executivo municipais, a cidade do Rio deverá ser a primeira capital a aprovar um Código de Defesa do Contribuinte. O Projeto de Lei 21/2013, do vereador Marcelo Queiroz (PP), foi apresentado em fevereiro na Câmara dos Vereadores. O texto é fruto de cinco anos de trabalho desenvolvido pela Comissão Especial de Direito Tributário (Ceat) da OAB-RJ, que incluiu uma maratona de reuniões com técnicos da Secretaria de Fazenda municipal e vereadores. “A intenção era trabalhar em um texto de lei que fosse efetivamente aplicado. De nada adiantaria ter um Código maravilhoso, com uma série de previsões, que na teoria são fantásticas para o contribuinte, mas que na prática são inexequíveis”, diz a advogada tributarista Lycia Braz Moreira, integrante da Ceat e responsável pela redação do projeto.
A apresentação dos principais aspectos do PL 21/2013 aconteceu nesta quarta-feira (24/04), no auditório da Caixa de Assistência dos Advogados (Caarj), e contou com a presença de diversos advogados. Compuseram a mesa do evento, promovido pela Ceat, o presidente da Comissão,Maurício Faro, a advogada Lycia Moreira e o vereador Marcelo Queiroz.
A proposta original vem de longe. Em 1999, o Projeto de Lei 1.702 foi apresentado pelos então vereadores do então PFL (atual DEM) Ruy Cezar, Paulo Cerri, Índio da Costa, Alexandre Cerruti e Aloisio Freitas. O documento original foi atualizado pelos autores e pelo vereador Roberto Monteiro (PCdoB) em 2009 e 2012, com apoio da Ceat. Um substitutivo ao texto, o PL 21/2013, e que está agora em discussão, foi apresentado pelo vereador Marcelo Queiroz (PP).
Em 2010, a Prefeitura do Rio de Janeiro atendeu aos pedidos da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil e criou uma comissão responsável pela elaboração do texto final do projeto, composta por representantes da OAB-RJ, pela então secretária de Fazenda do município, Eduarda La Roque, e por representantes do Fisco e da Procuradoria-Geral da cidade.
Na época, a então presidente da Ceat, a advogada Daniela Ribeiro de Gusmão, do escritório Leoni Siqueira Advogados, comemorou o apoio do Fisco municipal. "A sinalização do governo municipal é inédita, e mostra que o projeto será aprovado, já que será feito em parceria entre Fisco e contribuintes", disse.
Suspensão dos juros
Ao fixar prazos para o julgamento de impugnações e recursos administrativos, o projeto visa garantir o respeito à duração razoável do processo, como recomenda a Emenda 45/2004 (Reforma do Judiciário). Nesse ponto está, aliás, um dos maiores avanços propostos pelo texto, na avaliação da própria Ceat. Trata-se do artigo 57, que determina que a Secretaria de Fazenda deve respeitar o prazo de 360 dias para “emitir decisão fundamentada nos processos, nas solicitações ou nas reclamações em matéria de sua competência”. O prazo só pode ser prorrogado “uma única vez e por igual período”. Ainda segundo o texto, “a não observância do prazo” determinará a “suspensão da fluência dos juros de mora sobre o crédito tributário controvertido no processo”.
“Se a Fazenda municipal não conseguiu analisar um recurso em dois anos, a mora já não é mais do contribuinte, ele não pode ser penalizado”, pondera Lycia Moreira (foto). “A jurisprudência do STJ já é pacífica de que o contribuinte não pode ser penalizado pela morosidade do Judiciário”, acrescenta Maurício Faro, para quem o Código terá também um “papel social”. A razão, segundo ele, é simples: “Nem todo mundo tem advogado e nem todo advogado conhece a matéria tributária”.
Hoje, segundo Lycia Moreira, “uma impugnação costuma levar de oito a nove anos para ser julgada pela Secretaria de Fazenda, e estamos falando de primeira instância de uma esfera administrativa. Depois, ainda temos de cinco a seis anos para que haja um julgamento pelo conselho de contribuintes. É tempo demais”. Sintomaticamente, a 12ª Vara de Fazenda Pública, responsável por julgar ações ligadas ao município, é hoje a mais assoberbada do Tribunal de Justiça fluminense.
Consultas
Outro destaque do projeto é a determinação de prazo de resposta para consultas sobre interpretação e aplicação da legislação tributária. Nesses casos, a Fazenda municipal terá que responder ao contribuinte em, no máximo, 180 dias. “Precisamos de um prazo para que as consultas sejam solucionadas. Não adianta ficar esperando cinco anos para que o processo preventivo seja solucionado, porque depois de cinco anos não tem mais nada de preventivo para resolver, é a mesma coisa que entrar com um mandado de segurança preventivo e o juiz demorar cinco anos para julgar”, compara a integrante da Ceat.
Usando como parâmetro os serviços prestados pela Receita Federal, o projeto determina a publicação, na internet, das decisões e ementas das "soluções às consultas sobre a aplicação da legislação tributária municipal”. Segundo os autores do texto, esse é um dos meios de tornar mais clara a comunicação com o contribuinte, assegurando a ele os direitos “de ampla defesa e contraditório” nas diversas questões envolvendo o Fisco municipal.
Lycia diz que as conversas com técnicos da Secretaria de Fazenda ajudaram a quebrar as resistências do Executivo. “Também foi fundamental ouvirmos o lado dos fiscais, do secretário e do prefeito, entender as limitações orçamentárias e a razão de eles não conseguirem cumprir certas regras que já estão positivadas”. Ela destaca que os prazos definidos no projeto procuram respeitar a realidade do município, sem abrir mão das prerrogativas dos contribuintes.
O aperfeiçoamento da notificação também recebeu atenção especial. Segundo os autores, atualmente, muitas vezes uma empresa não tem oportunidade de resolver sua pendência com a Fazenda pois não é informada que está sob fiscalização. O texto do projeto procura assegurar que a publicação do edital de notificação seja o último recurso. Antes, a Prefeitura terá que formalizar um auto de infração informando a "fundamentação" e "aplicação" da penalidade.
Sobre a possibilidade de o Código vir a proteger sonegadores, Lycia Moreira é categórica. “Não existe nada disso. Quando existe sonegação, assim como qualquer tipo de evasão fiscal, ela está ligada à lei que instituiu o tributo. Quem paga ou deixa de pagar, faz isso dentro do que a lei determina. Uma lei como a do Código do Contribuinte é muito mais voltada para disciplinar procedimentos e assegurar meios para o contribuinte ter seus direitos garantidos e cumprir com seus deveres”.
Pesquisa feita pelo escritório Fraga, Bekierman & Cristiano Advogados mostra que, hoje, apenas dois municípios e sete estados possuem um Código de Defesa do Contribuinte regulamentado. Os municípios são Presidente Prudente (SP) e Uberlândia (MG), enquanto a lista de estados é formada por São Paulo; Minas Gerais; Pará; Paraná; Santa Catarina; Mato Grosso do Sul; e Rio Grande do Norte.
Clique aqui para ler o Projeto de Lei
Reportagem de Marcelo Pinto
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