17/12/2012

Crise abre espaço para ultra-conservadores na Europa



A crise tem fornecido um solo fértil na Europa para o retorno dos ultraconservadores ao primeiro plano político. Partidos de extrema-direita estão em pleno auge, com a recuperação por parte dos setores mais reacionários dos espaços conquistados nas últimas décadas pelos direitos civis. Xenofobia latente, populismo, ressurgimento do discurso católico fundamentalista e da defesa dos valores do cristianismo, antieuropeísmo e um nacionalismo patriótico como poção mágica para todos os males do mundo são algumas das manifestações mais evidentes da reconfiguração que está atravessando a Europa. 
Há algumas semanas, um importante senador da extrema-direita húngara, Márton Gyöngyösi, pediu que se preparassem “listas dos judeus que vivem aqui, sobretudo aqueles que estão no governo e no parlamento, que, de fato, representam um risco para a segurança da Hungria”. Com 44 deputados em uma câmara que conta com 386 integrantes, o partido de Gyöngyösi, Jobbik, é a terceira força política húngara. 
Longe de limitar-se aos países do Leste da Europa, a marcha dos ultraconservadores chegou também ao coração do sistema europeu de governo. Ao final de novembro, o Parlamento europeu aprovou a designação de Tonio Borg ao posto de comissário europeu de Sanidade e Consumo. Essa nomeação é um paradoxo absoluto: Borg é um homem político da Ilha de Malta cujo catálogo ideológico vai contra as leis e princípios que a maioria das democracias europeias defende: opõe-se ao aborto, ao divórcio e ao matrimônio entre pessoas do mesmo sexo.
A emergência destes personagens corresponde ao crédito que recuperaram na sociedade. A França, que é um símbolo universal dos direitos cívicos e sociais, da liberdade e do caráter laico da sociedade, conhece um férreo movimento de protesto contra uma série de leis que, entre outras coisas, apontam para a legalização do casamento entre homossexuais. Os “anti”-direitos já reuniram na rua mais de 100 mil pessoas e neste fim de semana se prepararam para protagonizar uma nova manifestação contra as leis promovidas pelo Executivo socialista do presidente François Hollande. A igualdade já não é percebida como um progresso, mas sim como uma ameaça, uma extensão contaminante do sistema político e econômico. Os partidários do “casamento para todos” e seus adversários se enfrentam hoje nas ruas do país.
A resposta política se traduz nas urnas: aumento da representação da extrema-direita e volta à cena dos chamados “tradicionalistas”, ou seja, os representantes da corrente conservadora de inspiração religiosa. Esses partidos ou movimentos deixaram a posição discreta para ocupar amplos espaços de poder. Não só conquistam cargos ministeriais, mas também influenciam os partidos da direita que terminam incluindo seu ideário nos seus programas eleitorais. A direito de governo (UMP) tem na França um componente ultraconservador em seu interior, a chamada “direita popular”. 
Nas eleições presidenciais de abril e maio passado, a extrema direita da Frente Nacional obteve quase 18% dos votos, com o que, assim como na Hungria, passou a ser o terceiro partido, atrás das conservadora UMP e dos socialistas.
O ex-presidente francês François Sarkozy fazia constantes referências aos “valores cristãos” da França e da Europa. No entanto, nenhuma estatística constatou um renascimento da prática religiosa, muito pelo contrário. Esses valores conservadores e cristãos aparecem como um amparo ante a agressividade desestabilizadora do mundo. A aposta parece totalmente contraditória: esses partidos populistas, ultradireitistas e conservadores se apresentam como uma alternativa modernizadora.
A época em que o ingresso de um membro da extrema-direita em uma coalização de governo provocava crise na Europa já vai longe. A extrema-direita se banalizou e o mesmo está ocorrendo com o populismo conservador. Um estudo sobre a direita europeia publicado na Grã-Bretanha pelo centro de estudos Chatham House destaca que “os partidos populistas extremistas (PEP) representam um dos desafios mais urgentes para as democracias europeias”. O mesmo informe explica que os “partidos populistas extremistas mudaram suas estratégias nas últimas décadas. 
Isso permitiu a eles responder as novas questões que se colocavam e aos acontecimentos de forma mais inovadora e eficaz que os partidos já estabelecidos”. 
Os analistas do Velho Continente coincidem em aceitar que os eleitores desses partidos são o que o informe de Chatham House chama de “losers of globalization” (os perdedores da globalização). Trata-se de vastos setores sociais, sem qualificação, frequentemente de certa idade, para quem a globalização representou um castigo. A frustração ante um sistema que passou por cima deles buscou um culpado e o encontrou rapidamente: os estrangeiros e todas as formas de transtorno cultural. O pesquisador Matthew Goodwin escreve no informe de Chatham House que todos os seguidores dos partidos populistas extremistas “compartilham uma característica fundamental: sua profunda hostilidade em relação à imigração, ao multiculturalismo e ao aumento da diversidade cultural e étnica”.
Pátria, família e pureza. Essa consiga ressoa hoje em todas as partes. O jornalista Daniel Vernet, ex-chefe de redação do vespertino Le Monde, agrega outra análise ao pertinente informe de Chatham House. Além da hostilidade aos estrangeiros, os eleitores ultraconservadores do Velho Continente tem outra característica comum: “a designação da União Europeia como deus ex-machina da grande empresa de destruição das proteções nacionais. Tecnocratas apátridas estariam ditando sua lei aos governos e aos povos despojados de sua soberania”.
Além dos milhões de pobres que deixou no mundo, a globalização já conta com seus filhos políticos: os populistas extremistas. A defesa da identidade nacional, a restauração da ideia de fronteira, a culpabilização dos estrangeiros e a denúncia da corrupção do sistema político são seus cavalos de batalha. Essa ideologia se expandiu por toda a Europa nos anos 30. Em seu renascimento atual só mudou um par de figuras: o causador de todos os males já não é o judeu, mas sim o muçulmano. 
O muçulmano é “o outro” por excelência, o corruptor, o responsável pela diluição da identidade nacional, pelo desemprego e pela insegurança. É ele quem põe em perigo as bases da sociedade ocidental e cristã. O outro eixo de seu discurso é ao ataque ao cosmopolitismo financeiro e a uma suposta tecnocracia que atua nas sombras para destruir o nacional. A ofensiva ultra-conservadora mistura tudo em um mesmo projétil e mira no mesmo alvo.



Reportagem de Eduardo Febbro
Tradução: Katarina Peixoto
fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21416&boletim_id=1468&componente_id=24925
foto:envolverde.com.br

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