A crise tem fornecido um solo fértil na Europa para o retorno dos
ultraconservadores ao primeiro plano político. Partidos de extrema-direita estão
em pleno auge, com a recuperação por parte dos setores mais reacionários dos
espaços conquistados nas últimas décadas pelos direitos civis. Xenofobia
latente, populismo, ressurgimento do discurso católico fundamentalista e da
defesa dos valores do cristianismo, antieuropeísmo e um nacionalismo patriótico
como poção mágica para todos os males do mundo são algumas das manifestações
mais evidentes da reconfiguração que está atravessando a Europa.
Há
algumas semanas, um importante senador da extrema-direita húngara, Márton
Gyöngyösi, pediu que se preparassem “listas dos judeus que vivem aqui, sobretudo
aqueles que estão no governo e no parlamento, que, de fato, representam um risco
para a segurança da Hungria”. Com 44 deputados em uma câmara que conta com 386
integrantes, o partido de Gyöngyösi, Jobbik, é a terceira força política
húngara.
Longe de limitar-se aos países do Leste da Europa, a marcha dos
ultraconservadores chegou também ao coração do sistema europeu de governo. Ao
final de novembro, o Parlamento europeu aprovou a designação de Tonio Borg ao
posto de comissário europeu de Sanidade e Consumo. Essa nomeação é um paradoxo
absoluto: Borg é um homem político da Ilha de Malta cujo catálogo ideológico vai
contra as leis e princípios que a maioria das democracias europeias defende:
opõe-se ao aborto, ao divórcio e ao matrimônio entre pessoas do mesmo
sexo.
A emergência destes personagens corresponde ao crédito que
recuperaram na sociedade. A França, que é um símbolo universal dos direitos
cívicos e sociais, da liberdade e do caráter laico da sociedade, conhece um
férreo movimento de protesto contra uma série de leis que, entre outras coisas,
apontam para a legalização do casamento entre homossexuais. Os “anti”-direitos
já reuniram na rua mais de 100 mil pessoas e neste fim de semana se prepararam
para protagonizar uma nova manifestação contra as leis promovidas pelo Executivo
socialista do presidente François Hollande. A igualdade já não é percebida como
um progresso, mas sim como uma ameaça, uma extensão contaminante do sistema
político e econômico. Os partidários do “casamento para todos” e seus
adversários se enfrentam hoje nas ruas do país.
A resposta política se
traduz nas urnas: aumento da representação da extrema-direita e volta à cena dos
chamados “tradicionalistas”, ou seja, os representantes da corrente conservadora
de inspiração religiosa. Esses partidos ou movimentos deixaram a posição
discreta para ocupar amplos espaços de poder. Não só conquistam cargos
ministeriais, mas também influenciam os partidos da direita que terminam
incluindo seu ideário nos seus programas eleitorais. A direito de governo (UMP)
tem na França um componente ultraconservador em seu interior, a chamada “direita
popular”.
Nas eleições presidenciais de abril e maio passado, a extrema
direita da Frente Nacional obteve quase 18% dos votos, com o que, assim como na
Hungria, passou a ser o terceiro partido, atrás das conservadora UMP e dos
socialistas.
O ex-presidente francês François Sarkozy fazia constantes
referências aos “valores cristãos” da França e da Europa. No entanto, nenhuma
estatística constatou um renascimento da prática religiosa, muito pelo
contrário. Esses valores conservadores e cristãos aparecem como um amparo ante a
agressividade desestabilizadora do mundo. A aposta parece totalmente
contraditória: esses partidos populistas, ultradireitistas e conservadores se
apresentam como uma alternativa modernizadora.
A época em que o ingresso
de um membro da extrema-direita em uma coalização de governo provocava crise na
Europa já vai longe. A extrema-direita se banalizou e o mesmo está ocorrendo com
o populismo conservador. Um estudo sobre a direita europeia publicado na
Grã-Bretanha pelo centro de estudos Chatham House destaca que “os partidos
populistas extremistas (PEP) representam um dos desafios mais urgentes para as
democracias europeias”. O mesmo informe explica que os “partidos populistas
extremistas mudaram suas estratégias nas últimas décadas.
Isso permitiu
a eles responder as novas questões que se colocavam e aos acontecimentos de
forma mais inovadora e eficaz que os partidos já estabelecidos”.
Os
analistas do Velho Continente coincidem em aceitar que os eleitores desses
partidos são o que o informe de Chatham House chama de “losers of globalization”
(os perdedores da globalização). Trata-se de vastos setores sociais, sem
qualificação, frequentemente de certa idade, para quem a globalização
representou um castigo. A frustração ante um sistema que passou por cima deles
buscou um culpado e o encontrou rapidamente: os estrangeiros e todas as formas
de transtorno cultural. O pesquisador Matthew Goodwin escreve no informe de
Chatham House que todos os seguidores dos partidos populistas extremistas
“compartilham uma característica fundamental: sua profunda hostilidade em
relação à imigração, ao multiculturalismo e ao aumento da diversidade cultural e
étnica”.
Pátria, família e pureza. Essa consiga ressoa hoje em todas as
partes. O jornalista Daniel Vernet, ex-chefe de redação do vespertino Le Monde,
agrega outra análise ao pertinente informe de Chatham House. Além da hostilidade
aos estrangeiros, os eleitores ultraconservadores do Velho Continente tem outra
característica comum: “a designação da União Europeia como deus ex-machina da
grande empresa de destruição das proteções nacionais. Tecnocratas apátridas
estariam ditando sua lei aos governos e aos povos despojados de sua
soberania”.
Além dos milhões de pobres que deixou no mundo, a
globalização já conta com seus filhos políticos: os populistas extremistas. A
defesa da identidade nacional, a restauração da ideia de fronteira, a
culpabilização dos estrangeiros e a denúncia da corrupção do sistema político
são seus cavalos de batalha. Essa ideologia se expandiu por toda a Europa nos
anos 30. Em seu renascimento atual só mudou um par de figuras: o causador de
todos os males já não é o judeu, mas sim o muçulmano.
O muçulmano é “o
outro” por excelência, o corruptor, o responsável pela diluição da identidade
nacional, pelo desemprego e pela insegurança. É ele quem põe em perigo as bases
da sociedade ocidental e cristã. O outro eixo de seu discurso é ao ataque ao
cosmopolitismo financeiro e a uma suposta tecnocracia que atua nas sombras para
destruir o nacional. A ofensiva ultra-conservadora mistura tudo em um mesmo
projétil e mira no mesmo alvo.
Reportagem de Eduardo Febbro
Tradução: Katarina
Peixoto
fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21416&boletim_id=1468&componente_id=24925
foto:envolverde.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita e pelo comentário!