10/10/2012

Supremo condena José Dirceu, Genoíno e Delúbio Soares

José Dirceu (foto esq.), ministro-chefe da Casa Civil no primeiro mandato do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não só tinha conhecimento da compra de apoio político no Congresso Nacional pelo PT como liderou o esquema denunciado pela Procuradoria-Geral da República. Foi o que decidiu, ontem (9/10), o Supremo Tribunal Federal.

Apesar de a análise do capítulo seis da denúncia não ter sido concluída — ainda faltam votar os ministros Celso de Mello e Ayres Britto nesta quarta-feira (10/10) — já se formou maioria pela condenação de Dirceu pelo crime de corrupção ativa. O ex-ministro de Lula está condenado por seis votos a dois. Os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli votaram pela absolvição de José Dirceu.
Também já está condenado o ex-presidente do PT, José Genoíno, por sete votos a um, e o ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares, por oito votos. Os dois pela acusação de corrupção ativa, junto com os publicitários Marcos Valério, Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, sócios das empresas SMP&B e DNA Propaganda, e Simone Vasconcelos, funcionária dos publicitários. Rogério Tolentino, advogado de Valério, foi condenado por seis votos a dois.
Os ministros ainda decidiram absolver Geiza Dias, ex-funcionária de Marcos Valério. Apenas o ministro Marco Aurélio votou pela condenação neste caso, por considerar que ela efetivamente participou do esquema como pessoa de confiança de Valério, que instruía as agências bancárias para fazer os pagamentos aos deputados e políticos. O ex-ministro dos Transportes do governo Lula, Anderson Adauto, foi absolvido, até agora por unanimidade, por falta de provas de que participou, efetivamente, do mensalão.
Os seis ministros que votaram pela condenação de Dirceu — Joaquim Barbosa, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Marco Aurélio — entenderam que as provas demonstram que o ex-ministro de Estado participou, de fato, da articulação política para fechar o acordo com os partidos em troca de “vantagens indevidas” e chancelou os atos que se seguiram aos acordos: o repasse de dinheiro para deputados e políticos do PMDB, PP, PL (atual PR) e PTB, que compunham a base aliada.
A maioria do Supremo rechaçou a ideia de que o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, atuou sem o conhecimento de Dirceu e Genoíno. Nas palavras do presidente do Supremo, Ayres Britto, que deu a entender que também votará pela condenação, não se pode acreditar que Delúbio tenha feito “carreira solo”. Segundo o ministro Marco Aurélio, “tivesse Delúbio Soares de Castro a desenvoltura intelectual e material a ele atribuída, certamente não seria apenas o tesoureiro do partido".
"Poupem-me desse desejo de atribuir a José Genoíno, com a história de vida que ele tem, tamanha ingenuidade", disse, ainda, Marco Aurélio. "Dizer a essa altura que não há elementos para condenar José Genoíno é um passo demasiadamente largo", concluiu.
Com a conclusão deste capítulo da denúncia, o Supremo já selou a condenação de 30 dos 37 réus que respondem à Ação Penal 470. Nos mais de dois meses de julgamento até agora, o Supremo já decidiu que houve desvio de recursos públicos por meio da Câmara dos Deputados e do fundo Visanet, que tem como acionista o Banco do Brasil.
Também ficou decidido que houve lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta por meio do Banco Rural, que viabilizou o chamado "valerioduto" e que alguns dos principais políticos de partidos da base aliada receberam dinheiro para apoiar o governo Lula no Congresso Nacional. Agora, decidiram que os comandantes do PT e o chefe da Casa Civil à época foram os mandates da distribuição de dinheiro e articuladores do esquema.
Pela absolvição
Os ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli votaram pela absolvição de José Dirceu. Os dois teceram fortes críticas à denúncia do Ministério Público em relação ao ex-ministro de Lula. Na semana passada, Lewandowski afirmou que José Dirceu até pode ter sido o chefe do esquema, mas o MP não conseguiu provar isso. E o julgamento se faz com base em provas.

Lewandowski também votou por absolver José Genoíno. No início da sessão desta terça-feira, o revisor do processo voltou a falar sobre as provas em relação ao ex-presidente do PT e disse que ele foi denunciado e seria eventualmente condenado simplesmente por ter sido o presidente do partido. O ministro trouxe documentos que distribuiu aos colegas para mostrar que não havia provas contra Genoíno.
Já Dias Toffoli afirmou que, ainda que as acusações contra José Dirceu fossem válidas, o Ministério Público errou na imputação do crime. O ministro sugeriu que, de acordo com a denúncia, caberia pensar mais na ocorrência de tráfico de influência, advocacia administrativa ou até corrupção passiva, mas não corrupção ativa.
Como o ministro revisor, Toffoli disse que o MP não provou corrupção ou errou na imputação dos crimes possivelmente cometidos por José Dirceu. “Delúbio e Genoíno são citados por vários réus. Estes que falaram em CPI, à Polícia Federal e em juízo, o que dizem sobre o réu José Dirceu? Nada”.
“Nenhuma acusação se presume provada. O MP tem de demonstrar de maneira inequívoca, para além de qualquer dúvida, a culpa do acusado”, sustentou Toffoli. Ainda de acordo com ele, o MP não discute a legitimidade do papel de articulador político do chefe da Casa Civil. Mas não fez nenhuma prova no sentido de que Dirceu agiu além de sua articulação normal de quem ocupava a chefia da Casa Civil. A única prova seria o depoimento do corréu Roberto Jefferson (PTB).
Pela condenação
Mas a maioria dos ministros considerou que havia, sim, provas de que Dirceu era quem chancelava os acordos entre o PT e os partidos da base aliada de Lula. De acordo com o ministro Marco Aurélio, o depoimento de Jefferson se soma a diversas outras provas do processo. Segundo o ministro, era Dirceu quem chancelava os acordos com os partidos.

Os seis ministros que votaram pela condenação de Dirceu, Genoíno e Delúbio acompanharam o votodo relator, ministro Joaquim Barbosa. Na semana passada, Barbosa voltou a se referir à viagem feita por Marcos Valério, seus colaboradores e políticos da base aliada do governo a Portugal, em 2003, que os réus alegam ter sido motivada por conta da aquisição pelo grupo português da Telemig e por outros interesses secundários.
O relator observou que Marcos Valério, além de encontrar com o presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa, e de "reiterados encontros" com dirigentes de empresas do país, foi também recebido pelo ministro das comunicações de Portugal, Antonio Mexia. "Marcos Valério falava, de fato, em nome de José Dirceu, e não como um pequeno e desconhecido publicitário de Minas Gerais. Era o seu broker", afirmou Barbosa. "A viagem ficou comprovada e o contexto impede que se acolha a superficial explicação da defesa de Valério", acrescentou.
O ministro Gilmar Mendes observou que o voto do relator não levou em conta apenas o depoimento de Roberto Jefferson. “Foram consideradas as declarações de outros corréus e de várias testemunhas”, disse Mendes ao citar ao menos 20 depoimentos. Apesar de discordar, ele também elogiou com firmeza o trabalho do revisor, ministro Ricardo Lewandowski.
Gilmar Mendes disse que "há uma realidade que transparece dos autos" indicando que os crimes surgiram a partir do projeto de crescimento PT e de aliança com outras legendas. "É inverossímel a versão de que coube apenas a Delúbio definir os critérios de distribuição dos valores e que o presidente do partido (Genoíno) assinou os contratos de empréstimos apenas porque era estatutariamente o responsável", afirmou. "A resposta está no artigo 29 do Código Penal: 'Quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas nesse culminadas'," reiterou Mendes.
A ministra Cármen Lúcia criticou a defesa de Delúbio Soares, que encampou a tese de caixa dois para defender o ex-tesoureiro. "Acho estranho e muito, muito grave que alguém diga com naturalidade que houve caixa dois. Caixa dois é crime", afirmou. E se mostrou incomodada com o fato: "Me causa estranheza alguém, perante qualquer juiz, principalmente diante desse tribunal, admitir que cometeu um crime, e tudo bem".
Segundo a ministra, em relação a Dirceu, não há nenhum documento que comprove sua participação. Entretanto, a partir das declarações do próprio Delúbio Soares e dos relatos da presença do ex-ministro de Lula em reuniões com diretores do Banco Rural e Marcos Valério, é possível reconhecer a responsabilidade dele na articulação do esquema.
Validade das leis
Ao final da sessão, o ministro Gilmar Mendes adiantou a discussão sobre se leis aprovadas com compra de votos devem ou não ser anuladas. O ministro revisor, Ricardo Lewandowski, já havia trazido a questão ao debate na ocasião de seu voto, assim como o decano, Celso de Mello.

Gilmar Mendes disse, contudo, amparar sua conclusão sobre o assunto na doutrina americana tradicional, que preconiza que a validade de uma lei não depende dos motivos que a levaram a ser formulada e aprovada . Nesse, sentido, a declaração de eficácia se impõe, afirmou o ministro.
"As razões que levaram o legislador, diz Lúcio Bittencourt, a elaborar determinado diploma, inclusive com a existência de fraudes, suborno ou corrupção constituem matéria completamente fora de controle do Judiciário. Se temos que fazer o controle, vamos fazê-lo pela via do juízo de constitucionalidade ou inconstitucionalidade", disse Gilmar Mendes.
Outros ministros também resolveram adiantar o debate. O revisor Ricardo Lewandowski discordou de Gilmar Mendes.  "Não é incomum, nesse vasto Brasil, que leis de uso e ocupação do solo, que tenham sido alterada por câmaras de vereadores mediante fraudes, sejam sistematicamente anuladas", disse Lewandowski.
O relator do processo, Joaquim Barbosa, concordou com Mendes.  "No meu voto, eu fiz claramente essas distinções quando falei em corrupção própria e corrupção imprópria. O fato de determinado grupo ter tido uma motivação ilícita, essa ilicitude não se transmite, não se comunica para o produto legislativo, mesmo que eventualmente decorra dessa motivação espúria".
Na mesma linha, a ministra Rosa Weber concordou com o argumento de que leis aprovadas sob fraude não têm de ser anuladas. "Lembrei-me o caso de um juiz convicto da absolvição do réu, mas que eventualmente receba ou aceite vantagem indevida para uma sentença absolvitória. Não implica necessariamente que haja delito", disse Rosa.

Reportagem de Rafael Baliardo e Rodrigo Haidar
foto:veja.abril.com.br

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