25/09/2012

'Sucesso' norueguês inspira Europa a adotar cotas para mulheres em empresas


Quando o governo norueguês resolveu obrigar empresas públicas e privadas de capital aberto a adotarem cotas para as mulheres em seus conselhos diretores, entre o fim de 2002 e início de 2003, foi recebido com uma enxurrada de previsões catastróficas.
Pelas novas regras, as companhias norueguesas que não tivessem 40% dos assentos de seus conselhos ocupados por mulheres até 2008 poderiam enfrentar sanções que poderiam chegar ao fechamento da empresa. Na época, a média de presença feminina era de 7%. Das 611 empresas sujeitas às novas regras, 470 não tinham nenhuma mulher em seu corpo de diretores.
Para os críticos, as empresas locais não conseguiriam encontrar profissionais com talento ou experiência para preencher as cotas femininas, ficariam sem rumo e perderiam produtividade. O PIB encolheria e o nível de emprego cairia.
Quase uma década depois da aprovação das cotas, as previsões de um cataclismo corporativo não se confirmaram. Há quem defenda até que as empresas norueguesas se tornaram mais competitivas - embora a afirmação seja controversa.
No mínimo, há consenso que as coisas continuam mais ou menos como estavam antes das cotas, como concluiu um estudo da Confederação de Empresas Norueguesas (NHO na sigla em norueguês). E em meio a crise que varre a Europa, a economia da Noruega vai surpreendentemente bem - a estimativa é que o PIB do país cresça de 2,8% a 3% neste ano, mais que o brasileiro.
Foram essas constatações que não só fizeram a Noruega se tornar um exemplo para outros europeus na adoção de cotas para as mulheres no topo das empresas, mas também arrastaram o país para o centro de um acalorado debate sobre o papel que a União Europeia (UE) deve desempenhar no tema.

Outros países

No ano passado, a França, a Bélgica, a Holanda, a Itália e a Islândia aprovaram cotas femininas semelhantes, que variam de 33% a 40%. Na Espanha, uma lei foi aprovada em 2007 e as empresas do país tem até 2015 para se adaptarem.
As regras gerais para a UE vêm sendo impulsionadas pela vice-presidente da Comissão Europeia, Viviane Reding, e preveem a imposição de cotas femininas nas empresas dos 27 membros do bloco. Ainda que um grupo de países liderado pela Grã-Bretanha prometa vetar a medida, alguns o fazem não por serem contra as cotas, mas, sim, por se oporem a regulação supranacional do tema.
No Brasil, um projeto de lei para criar cotas de 40% para mulheres no conselho de empresas públicas e listadas em bolsa foi proposto pela senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), mas o debate ainda é incipiente.
Para os que apeiam a medida, as cotas são uma forma de corrigir a falta de diversidade no topo das empresas e permitir às mulheres alcançarem postos de liderança mais rapidamente. Hoje, na Europa, enquanto a porcentagem de mulheres nas universidades e nas empresas já ronda os 50%, nos conselhos corporativos essa média é de apenas 12%.
No Brasil, o índice é de 7,7% para as companhias abertas segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, sendo ainda menor em algumas grandes empresas públicas.

Defesa

"Há cerca de um século as mulheres não podiam votar e, há algumas décadas, muitas não estudavam ou trabalhavam", lembra, em entrevista à BBC Brasil, a executiva norueguesa Marienne Johnsen, uma das mais fortes defensoras das cotas em seu país.
"Da mesma forma que hoje olhamos para esses anos e nos damos conta do quanto evoluímos, esperamos que no futuro nossas filhas e filhos olhem para o início deste século e pensem: 'Que bom que superamos essa época em que as mulheres eram excluídas dos postos de liderança'", afirma.
Fundadora do grupo de investimentos X-lence Group, Johnsen já participava do conselho de diversas empresas antes da adoção das cotas, mas até o início dos anos 2000 não raro era a única mulher na sala.
"A diversidade tem ampliado as perspectivas e os ângulos dos quais os problemas são analisados", afirma. "Por que pensar que as melhores decisões para uma empresa seriam tomadas por um grupo de homens de 50 ou 60 anos que pensam igual?"
Outra enérgica defensora das cotas é a gerente do FMI, Christine Lagarde, que diz ter mudado de ideia sobre o tema porque os avanços nessa área, na sua opinião, estariam ocorrendo de forma muito lenta. “Eu sinceramente acredito que nunca deveria haver tanta testosterona em uma sala onde decisões importantes são tomadas”, afirmou, em uma entrevista ao Financial Times.

Recrutamento

Segundo Turid Solvang, diretora do Instituto de Diretores da Noruega, que promove boas práticas de gestão corporativa, as cotas forçaram os diretores das empresas a olharem para outros lugares na hora de recrutar para os conselhos.
"Houve uma profissionalização do recrutamento. As empresas tiveram de sair à caça de mulheres com qualificação e capacidade de liderança - e, ao fazerem isso, perceberam que, ao contrário das previsões iniciais, essas mulheres estavam lá", diz Solvang, incluída no conselho de um banco após a adoção da medida.
O próprio NHO criou, ainda em 2003, um programa para ajudar executivas e administradoras indicadas pelas companhias do país a desenvolverem seu potencial de liderança - o Female Future. Desde então, 1.321 executivas passaram pelo curso.
Mas isso não quer dizer que o NHO apoie as cotas. Como explica Kristina Hagen, assessora de Igualdade e Diversidade da organização, o NHO é contra o sistema "em princípio" por considerá-lo uma interferência indevida do governo na liberdade das empresas decidirem por quem serão dirigidas.
"Queríamos que governo trabalhasse com as empresas em vez de fazer uma imposição desse tipo", diz.

Críticas

Alguns críticos das cotas na Europa enfatizam que elas obrigam as companhias a se livrarem de conselheiros competentes e experientes. Para cada mulher que entra em um conselho como resultado da adoção do sistema, um executivo tem de ser dispensado.
"As cotas não são apenas desnecessárias, mas potencialmente perigosas e minam a igualdade que os grupos pró-cotas visam defender", escreveu em um artigo recente a executiva britânica Helena Morrissey, presidente da Newton Investment Management, mãe de nove filhos e criadora de uma organização que promove a inclusão de mulheres nos conselhos de empresas britânicas - sem imposições governamentais.
Outra crítica frequente é que elas acabam favorecendo um grupo pequeno de profissionais, contratadas para participar do conselho de muitas empresas simultaneamente. Na Noruega o grupo, do qual Johnsen faria parte, ficou conhecido como as "saias douradas".
"Mas meus colegas homens também acumulam - e sempre acumularam - assentos em diversos conselhos e nunca ouvi ninguém se referir a eles como "ternos dourados" ou coisa do gênero", afirma Johnsen.
Uma terceira crítica, lembrada por Hagen, diz respeito ao suposto efeito limitado das cotas no ambiente de trabalho das empresas.
Os conselhos são responsáveis pelas decisões estratégicas, mas não participam do dia a dia dos negócios - que fica sob responsabilidade dos cargos executivos. Muitos dos que apoiam as cotas acreditam que a presença de mulheres no "topo" ajuda a quebrar estereótipos e convencer o resto da pirâmide corporativa de que profissionais do sexo feminino podem ser boas líderes.
Mas ainda não há indícios de que o percentual de norueguesas esteja crescendo consideravelmente nos postos de gerência e direção executiva.
"Os resultados nessa área, de fato, ainda são modestos, mas é muito cedo para tirar conclusões", diz Mari Teigen, do Institute for Social Research em Oslo.
"Ao menos está claro que as previsões pessimistas de que não haveria mulheres capazes de assumir esses cargos não se concretizaram. Por isso, ao mesmo tempo em que a Europa começa a olhar para a Noruega em busca de respostas, aqui, esse já não é um tema que suscita grandes debates."

Reportagem de Ruth Costas
foto:jornalcapacitar.com.br


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