27/09/2012

STF faz discussão doutrinária sobre lavagem de dinheiro


O revisor da Ação Penal 470, o processo do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski (foto esq.), condenou, ontem (26/9), o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e o ex-líder do PMDB na Câmara dos Deputados, José Borba, por corrupção passiva. Para que o revisor encerre sua participação nessa fase do julgamento, que trata das denúncias contra políticos que teriam se deixado corromper para apoiar a agenda do governo do PT em 2003, falta ainda que ele se pronuncie sobre o ex-deputado federal Romeu Queiroz e o atual secretário-geral do PTB, Emerson Palmieri. O ministro absolveu Roberto Jefferson e José Borba dos crimes de lavagem.
A previsão era que o ministro encerrasse sua participação ainda antes do intervalo da sessão desta quarta, mas uma discussão doutrinária sobre o crime de lavagem de dinheiro acabou atrasando a conclusão da participação do revisor. O clima também voltou a esquentar entre o revisor e o relator, Joaquim Barbosa.
Ricardo Lewandowski retomou seu voto julgando as imputações contra o ex-líder do PMDB na Câmara, José Borba, acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ao votar pela condenação do réu na primeira imputação, mas não na segunda, o ministro voltou a questionar aspectos pertinentes à conceituação de lavagem de dinheiro e acabou provocando um debate sobre o tema.
O ministro Luiz Fux afirmou, diante da posição do revisor, que o fato de José Borba se recusar a assinar um recibo para receber o repasse de dinheiro destinado a ele, na agência do Banco Rural em Brasília, constituia um indício do dolo no caso de lavagem. “Nunca vi lavagem mais deslavada”, disse Fux. Falando sobre o esforço de dar aparência de legimidade ao dinheiro, Fux, afirmou ainda que, a exemplo de qualquer outro crime de lavagem de capitais, a intenção, no caso do réu, era ocultar o recebimento “para que nessa confusão não se pudesse distinguir onde está o óleo e a água”.  
Fux defendeu o ponto de vista de que a doutrina ampara a conclusão de que, no momento em que dinheiro ilícito for usado, já está caracterizada a lavagem, pois essa seria a reinserção dos valores no sistema financeiro, independentemente do destino dado à quantia.
O ministro Marco Aurélio chegou a manifestar preocupação de que a “posição extremada do tribunal sobre delitos de lavagem” acabasse “desqualificando” a decisão final sobre o processo. Lewandowski confessou que ficou “abismado” com o voto  do ministro Dias Toffoli,  no item anterior da denúncia,  quando este afirmou que a redação da nova lei de lavagem de dinheiro dava margem para a admissão de dolo eventual.
O ministro Joaquim Barbosa também defendeu as imputações por lavagem. Afirmou que “havia toda uma engrenagem que é evidentemente clara e conhecida de todos” e que permite entender que houve delito de lavagem de capitais. “Faz dois meses que estamos aqui julgando absolutamente a mesma coisa”, disse Barbosa.
O ministro revisor discordou. Afirmou para tanto que, de acordo com os autos , é preciso presumir que houve delito de lavagem . “É preciso fazer uma preposição para se concluir que houve o dolo, e não podemos partir de uma presunção em delitos de lavagem”, disse o revisor, que afirmou fazer uma “defesa da dúvida sistemática”. Para o ministro revisor, a simples reinserção automática da quantia no sistema financeiro não caracteriza o crime de lavagem. “Ninguém passa recibo de corrupção”, disse.
O ministro Gilmar Mendes pediu a palavra também para se manifestar a favor das imputações de lavagem de dinheiro. “Uma coisa é a dicussão do dolo eventual. Outra coisa  é a discussão sobre a forma escamoteada, escondida, oculta de receber o dinheiro. Se a entrega do dinheiro tivesse se dado de forma direta, não teríamos que discutitr aqui o concuro formal entre corrupção  e lavagem de dinheiro”, observou Gilmar Mendes.
A ministra Rosa Weber, no entanto,  reiterou que “o dolo tem de abranger o delito de lavagem,  ou seja transformar o sujo em limpo”.  Frente ao debate, o decano da corte, ministro Celso de Melo , aproveitou para reafirmar que a corte não procedia com flexibilização de sua jursiprudência para crimes de corrupção por conta do julgamento da Ação Penal 470. “O STF não tem procedido com reformulações conceituais”, disse. “Não há revisão de jurisprudência”, declarou.
Riqueza de detalhes
Sobre Roberto Jefferson, o revisor afirmou que o político recebeu mais de R$ 4 milhões por via do ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Lewandowski citou o caso de uma ex-namorada do falecido presidente do PTB, José Carlos Martinez, chamada Patrícia, beneficiária de um dos repasses feito por intermédio de Roberto Jefferson. Ricardo Lewandowski mencionou depoimento de Jefferson em que este afirmava que decidiu ajudá-la por entender que ela enfrentava dificuldades com a morte de Martinez. “Cito o exemplo [da Patrícia] para mostrar como o processo penal é rico em detalhes, é cheio de vida. E mostra que esse dinheiro não financiou apenas campanha e nem suposta compra de votos, mas se prestou a amparar uma ex-namorada. Está nos autos. Veja como a realidade é rica”, disse Lewandowski.

Mais uma vez, o ministro Joaquim Barbosa discordou do colega. Afirmou que detalhes como aquele não importavam. “O que tiro disso é que a utilização do dinheiro da corrupção teve fim concreto, privado ou não. Saber da Patrícia não interessa. Caso ela tivesse nível social mais elevado, o seu nome  sequer seria mencionado aqui”, disse Barbosa. “Se assim fosse, Geiza Dias e Ayanna Tenório estariam condenadas”, rebateu Lewandowski.
Joaquim Barbosa então solicitou que  Lewandowski disponibilizasse seu voto por uma “questão de transparência”. O ministro revisor afirmou que seu voto, por conta do fatiamento, não tinha ainda uma versão definitiva e que se encontrava em constante elaboração. "Quem quiser" ouvi-lo deve estar "presente à sessão", disse o revisor, criticando situações de ausência do relator no Plenário durante as sessões.
O ministro Marco Aurélio saiu em defesa de Lewandowski, criticando a insinuação do ministro relator em relação à transparência. “ Colegiado é isso, é aceitar a contrariedade”, disse Marco Aurélio, que foi acompanhado pelo ministro Celso de Mello, que também afirmou, por sua vez, que não cabia falar em transparência, já que a corte julgava “sob amplo escrutínio público”.

Reportagem de Rafael Baliardo
foto:comoviveremos.com

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