15/09/2012

Pedido de independência de Catalunha é oficializado, mas transição pode ser inviabilizada por lei



O governo catalão inaugurou nesta semana uma nova etapa e assumiu a reivindicação de independência feita pela enorme manifestação realizada na última terça-feira (11) por motivo da Diada [festa nacional catalã]. Artur Mas, presidente da Generalitat [governo autônomo da Catalunha], lançou uma mensagem institucional inequívoca: chegou o momento de dotar a Catalunha de "estruturas de Estado". Mas considerou limitada a esperança de contar com um Estado espanhol mais "amável e respeitoso" com as aspirações do nacionalismo catalão. "O caminho não dá mais. A Espanha já fez sua transição e agora cabe a nós", proclamou o presidente catalão, deixando de lado o pacto fiscal que ele mesmo esteve promovendo. "Nada será fácil, mas tudo é possível se há vontade, grandes maiorias e capacidade de resistir", salientou.
Em uma solene declaração na Galeria Gótica do Palau de la Generalitat, Mas tentou reduzir o "dramatismo" do desafio que estava lançando ao governo de Mariano Rajoy, alegando que se trata de um processo "normal" de uma nação que tem anseio de liberdade e que quer progredir com um Estado próprio.
A realidade, porém, é que há um mês não teria nem imaginado que pudesse pronunciar um discurso desse calado. Na mesma galeria, em 9 de agosto, antes de começarem as férias, Mas havia animado a reivindicar nesta Diada somente o pacto fiscal, aprovado em julho no Parlamento catalão com os votos dos partidos Convergència i Unió, Esquerra e Iniciativa. Mas a resposta avassaladora da cidadania - esta sim, estimulada por seu próprio Executivo - o ultrapassou por completo. O próprio Mas omitiu em sua declaração institucional de quarta-feira o pacto fiscal que abordará com o primeiro-ministro Mariano Rajoy na semana que vem.
Na véspera da Diada, Mas havia concentrado seu discurso na conquista da Fazenda própria, embora já tivesse avisado que a "plenitude nacional" estava mais próxima que nunca. Depois, horas antes da manifestação, lançou em inglês o ultimato de que sem o financiamento se abriria a porta da independência, e, no dia seguinte, galgou um novo degrau soberanista a favor do Estado próprio.
Alfredo Pérez Rubalcaba, secretário-geral do Partido Socialista (PSOE), o convidou a solucionar o dilema: se quer o diálogo para ficar ou para pedir o divórcio. Foi uma mensagem parecida à que lhe enviou a presidente do Partido Popular (PP) na Catalunha, Alicia Sánchez-Camacho, que avisou Mas de que "chega de jogar dos dois lados". Sempre no terreno da ambiguidade, o presidente catalão não o considerou incompatível: sustentou que o pacto fiscal, que qualificou de urgente, é só uma etapa e salientou que a única dúvida é que se não o conseguir pode "acelerar o processo" (para a independência). Também não esclareceu se incluiria esse horizonte em seu programa eleitoral ao alegar que ele sempre fala de transição nacional.
O momento é tão extraordinariamente complexo que o próprio presidente catalão reconheceu que há muitas perguntas que neste momento não têm resposta, mas sugeriu que nem a Espanha nem a UE facilitarão as coisas. O mapa do caminho é imprevisível porque o Executivo catalão não tem motivos para se alegrar: seu Tesouro está asfixiado e pendente de que o Ministério da Fazenda lhe transfira mais de 5 bilhões de euros para enfrentar suas obrigações financeiras. Com 62 deputados dos 135 (a maioria são 68), o governo catalão prevê problemas para aprovar seus orçamentos.
Até agora o PP catalão foi a garantia de Mas, ao lhe permitir aprovar as contas por dois anos. Mas agora, a não ser que Mariano Rajoy ordene o contrário, se inclina por retirar seu apoio. E no lado oposto o Esquerra, que se postulou como sócio, avisa que ou se convoca já o referendo ou não votará a favor. Nesta situação, outra hipótese é que o governo prorrogue os orçamentos e convoque de forma antecipada as eleições para capitalizar o êxito da histórica mobilização. "Todo mundo tem na cabeça que pode haver uma antecipação eleitoral", confessou Mas.
O cenário não começará a clarear até a entrevista do próximo dia 20 na sede do Executivo em Madri, porém Mas salientou que a manifestação não muda muito o roteiro: "Direi [a Rajoy] que não escute só a mim, à CiU ou aos partidos. Que escute a população, e até agora o fez pouco, sem se aborrecer de cara". "E que procure soluções, se é que as tem." Depois desse encontro, o Parlamento catalão realizará o debate de política geral que perfilará o novo horizonte.
A onda pró-independência superou o governo, mas também os partidos. O conflito está servido dentro da federação da Convergència y Unió. Os democratas cristãos nunca foram secessionistas e se viram superados pelos planos de seus sócios. O dilema que Rubalcaba citou poderia ser subscrito pelo próprio Josep Antoni Duran Lleida. Quando o líder da Unió argumentou que não queria se manifestar - afinal o fez -, chamou de "antagônico" exigir ao mesmo tempo o pacto fiscal e a independência. "É uma estratégia errônea: uma coisa é para ficar na Espanha e a outra para sair", argumentou.
Não tem uma situação melhor o PSC, que primeiro tachou a manifestação de "excludente" e mais tarde teve de reconhecer a explosão soberanista. Ou a situação da Esquerra: em toda a sua história reivindicou a secessão e não teve protagonismo no processo. A manifestação, na opinião de Mas, destilou uma mensagem carregada de "ilusão e civismo": "Não era gente enraivecida, hostil ou mal educada. Não iam contra ninguém".
O impossível encaixe constitucional
Juristas destacados concordam que as aspirações de Mas não cabem na lei fundamental, que teria de ser reformulada, e exigem uma saída política.
Os turistas costumam dizer que "o papel aguenta tudo", mas não parece que isso também valha para a Constituição. Vários especialistas em direito constitucional consideram que o processo secessionista reclamado na Catalunha e o anúncio feito por Artur Mas de se dotar de "estruturas de Estado" é impossível de encaixar na Lei Fundamental.
"A Constituição é muito clara e nela não cabe convocar um referendo sobre a independência da Catalunha, porque é competência exclusiva e excludente do governo", explica Javier Pérez Royo, catedrático de direito constitucional na Universidade de Sevilha. Com ele concorda Enoch Albertí, catedrático na Universidade de Barcelona: "Buscar na Constituição uma saída secessionista é buscar em vão, por mais engenharia constitucional que se queira".
"Uma coisa é o conteúdo político das declarações de Mas, e outra as consequências jurídicas que surgem", explica Julia Sevilla, catedrática na Universidade de Valência. Na opinião dele, o artigo 2º da Constituição, que consagra a indissolúvel unidade da Espanha, é uma barreira infranqueável, porque exigiria a votação no Congresso e no Senado, a aprovação em referendo e a posterior dissolução das Cortes.
Mas que o texto constitucional vigente não permita a secessão da Catalunha não quer dizer que ela não possa ocorrer, adverte Albertí. "A Constituição pode ser alterada para reconhecer um estatuto diferente do que a Catalunha tem hoje. A questão é negociar até onde se quer chegar", diz, ao mesmo tempo que lembra que "a separação pode ter graus diferentes". Nesse sentido, Albertí aponta a "solução confederada", na qual a Catalunha continuaria mantendo certos vínculos com a Espanha.
Pérez Royo entende que "estamos em um problema constituinte e de negociação política. Já não se pode dizer que o Estado pode impor sua autoridade porque é muito mais frágil". Esse catedrático lembra o precedente que representou a "barbaridade da sentença do Tribunal Constitucional sobre o Estatuto" catalão depois do recurso do PP. "Aquilo foi um pacto político entre o Estado e a Catalunha que se votou em referendo e no qual nunca deveria ter entrado o Constitucional", diz.
A futura negociação política que se propõe, acrescenta Albertí, deveria se realizar democraticamente. "Isso quer dizer consultar a população, no início do caminho para lhe perguntar se a Catalunha quer iniciar essa via de pacto com o Estado, e no final do processo, quando se concluir."
A questão está no alcance da negociação, e é aí seguramente que o governo central e o catalão mantêm posturas irreconciliáveis. "O que é preciso fazer é ver o que a Catalunha pretende, sem renunciar à ordem constitucional e aos valores de 1978 e sem propor a explosão do Estado. É o momento de nos sentarmos, os políticos, acadêmicos, cidadãos, e fazermos um esforço de diálogo", propõe Andrés de Blas, catedrático de teoria do Estado na UNED.
E enquanto não chega esse diálogo a reivindicação do pacto fiscal é o primeiro obstáculo no caminho. Os juristas consultados concordam em que a reivindicação catalã também não tem espaço na Constituição e em que o concerto basco ou navarro não pode ser extendido à Catalunha.
"Quando Mas fala em criar estruturas de Estado, está falando de uma Fazenda própria, e isso é vedado pela Constituição, mas também é verdade que com o pretexto da crise econômica não se podem deixar de garantir os direitos das comunidades autônomas", disse Julia Sevilla. "A Espanha não pode aceitar um modelo de concertação econômica para a Catalunha", concorda Blas.
Albertí lembra que a Generalitat também é Estado, e que a Catalunha já tem suas estruturas próprias. "Trata-se de reforçá-las neste momento pré-independentista", salienta.
Pacto fiscal ou independência
O Partit dels Socialistes (PSC) considera que depois da manifestação da Diada, pacto fiscal e independência são dois conceitos incompatíveis. Por esse motivo, o primeiro-secretário do partido, Pere Navarro, reclamou ao presidente da Generalitat, Artur Mas, que abandone sua ambiguidade, "dê uma resposta clara e diga qual é seu caminho".
Os socialistas entendem que Mas não pode se manter à margem da maré cidadã da manifestação, que o presidente catalão fez sua reputação dizendo que assumia o "clamor" dos manifestantes. Depois dessa declaração, Navarro insistiu em pedir que Mas defina "o quanto antes" suas iniciativas políticas. O líder dos socialistas catalães também acusou Mas de atuar como o presidente de um partido, e não de um país, na declaração institucional que fez.
Do mesmo modo, Navarro exigiu que Mariano Rajoy "deixe de se manter à margem da questão catalã e de esconder a cabeça embaixo da asa". Deve dar "uma resposta inequívoca", e segundo o PSC o presidente deve promover um novo marco federal. "Nunca como hoje havia crescido tanto a tensão territorial entre a Catalunha e o resto da Espanha por causa da política decentralizadora do PP", salientou.
Os socialistas insistiram em seu discurso federalista e consideram que "foi um acerto não apoiar a manifestação, por coerência". Outra coisa, disse Navarro, é "não saber avaliar seu êxito". Por isso insistiu em que "tomou nota" da marcha e lembrou às pessoas que não se manifestaram, mas que consideram que a Catalunha tem um "autogoverno insuficiente, um financiamento injusto e um maltrato fiscal".
A Esquerra Republicana (ERC) aproveitará a manifestação pró-independência para pressionar Mas. O líder da ERC, Oriol Junqueras, avisou que não se conformará com as declarações soberanistas: exigirá fatos. E o primeiro é um referendo sobre a independência da Catalunha.
Junqueras colocará como condição essa votação para aprovar os orçamentos de 2013, o próximo obstáculo político do governo de Mas. "Queremos um compromisso explícito para que haja um referendo", advertiu. Se o Executivo não concordar, Junqueras reclamou eleições antecipadas, nas quais a ERC proporia uma declaração unilateral de independência no Parlamento catalão. A Iniciativa avalia a opção do referendo, mas nas palavras de seu líder, Joan Herrera, são necessárias "maiorias mais amplas para exercer o direito da autodeterminação".
Não será fácil para Mas levar adiante seus orçamentos: o PP, seu mais fiel parceiro até agora, já ameaçou retirar seu apoio à CiU se o presidente da Generalitat continuar com sua maré soberanista. Alicia Sánchez-Camacho, líder do PP catalão, lhe pediu que esclareça sua posição: "Que diga que o que pretende é colocar uma alfândega e uma fronteira", disse.
Sánchez-Camacho avisou Mas que não fará sua vontade ao tentar influenciar Rajoy com a marcha pró-independência: "Que ninguém queira pressionar o governo da Espanha nem Rajoy, porque neste momento já difícil o caminho é a lealdade, e é esse o caminho que peço a Mas".


Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Reportagem de Àngels Piñol, Pere Ríos e Maiol Roger 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada pela visita e pelo comentário!