12/09/2012

Crises econômica e política abalam autoestima dos espanhóis


Os espanhóis estão desmoralizados, vivem uma crise de autoestima. Pesquisas mostram que eles veem cada vez mais escuro, e não apenas seu presente, mas seu futuro. Custou muito, décadas, para que recuperassem a confiança em seu país. Essa confiança se quebrou pela mão da crise econômica, dos problemas que ela causa a todos e das perspectivas de um resgate (não mais dos bancos, mas do Estado) que, tal é o abatimento, muitos começam a querer que chegue o quanto antes, se é que tem de vir. E por trás há uma crise da política.
A perda de Cuba na guerra com os EUA em 1898, o "desastre", foi o estopim de uma reflexão da Espanha sobre si mesma promovida pelas gerações intelectuais de 1898 e de 1914. "Desde então", escreveu Vicens Vives, "o povo espanhol procurou, como se fosse um elixir milagroso, uma estrutura política e social que corresponda a suas aspirações." Com a transição, durante três décadas, acreditou tê-la alcançado, mas novamente emerge a ideia de fracasso.
Para o historiador Santos Juliá, não há comparação com 98: "Aquilo foi outra coisa. Soldadinhos macilentos que voltavam em seus trajes de listras, depois de um desastre de derrota, a uma pátria com um Estado literalmente em ruínas, ou seja, quebrado e quebrantado: as pessoas lhes levavam sanduíches para que não morressem de inanição. Foi como a bomba final do olhar sobre a decadência da Espanha, que havia preocupado os liberais e conservadores do século 19".
De fato, demorou-se muito para recuperar a autoestima nacional, provavelmente até o ingresso da Espanha na hoje União Europeia, em 1986, ou no euro em 1999. E agora o possível resgate, não mais dos bancos, mas das finanças públicas, é vivido, nas palavras do "Financial Times", "como uma humilhação", em uma Espanha que acreditava ter posto fim a sua diferença secular com a Europa.
A Espanha deprimida? Desmoralizada? Os psicólogos e psiquiatras resistem a extrapolar a psicologia individual para a social. Mas há uma relação. A crise está gerando estresse nos indivíduos (por perda de emprego, incerteza, redução de salários, aumento de impostos e carestia da vida, etc.). E esse estresse degenerou em desmoralização, individual e coletiva, quando não depressão. "Quando se submete a pessoa (e também a sociedade, de certo modo) a um estado de estresse constante, este se transforma em algo superior ao que o organismo pode reduzir com seus recursos psicológicos naturais", indica a psiquiatra Lola Morón.
"Quando controlamos a situação, a sensação de ameaça desaparece. Mas quando é de descontrole, ela recrudesce. Isso acontece agora também na sociedade. Temos uma sensação de vulnerabilidade constante, de que as coisas não estão sob nosso controle, e isso nos deixa em um estado de alerta constante que acaba produzindo ansiedade e angústia nos indivíduos", continua. E acrescenta: "Acaba produzindo desmoralização e desesperança. Também produz um estado de apatia, já que perdemos a vontade de lutar. No início se tenta, mas a apatia vence".
E, com efeito, nesta Espanha não há espírito de luta para enfrentar as dificuldades. Aqui, depois de quatro anos de crise econômica que se estendeu à política, reina a desmoralização. Na Itália é mais a raiva dos políticos.
A percepção não tem por que corresponder a realidade. Há duas Espanhas. Não de acordo com a divisão tradicional entre uma retrógrada e outra modernizadora, ou entre a oficial e a real, mas entre uma Espanha que funciona e outra que não. A primeira é formada por empresas de ponta, grandes, médias e pequenas, que inovam e exportam. Também cabe incluir um setor turístico que continua sendo muito competitivo. A segunda é a ligada à construção, hoje em crise, ou a setores sem concorrência real em seu seio.
Hoje domina a sensação de que a Espanha inteira é como esta última, quando não é assim. Além disso, o desemprego, a crise e alguma reforma (pois se fizeram poucas de verdadeiro calado) estão tendo efeitos positivos na recuperação da competitividade espanhola (e dos países envolvidos), como indicou o semanário alemão "Der Spiegel", citando um estudo da Associação Alemã de Câmaras de Indústria e de Comércio. Mas isto não convence, pois predomina o abatimento, e esses avanços não se traduzem em melhoras para as pessoas. Pelo contrário.
Nas últimas décadas este país viveu um enorme progresso econômico, político e social. O progresso se rompeu. Não é tanto a sensação de que de novos-ricos passamos a novos-pobres, como de que ficamos sem objetivos e sem horizontes, ou com um horizonte em que os filhos viverão pior que os pais. Alguns protagonistas da Transição começam a se perguntar se acertaram e se aquilo valeu a pena. Já não somos um exemplo? Elementos essenciais dessa construção estão sendo questionados, como o Estado das autonomias, e há uma perda da credibilidade de quase todas as instituições. Entretanto, além da admiração pelo personagem, o enterro neste verão de Gregorio Peces-Barba refletiu que havia saudade desses tempos em que acima da luta política houve capacidade de consenso.
A saída líquida de capitais é notória (e legal; pode haver outra parte oculta). No primeiro semestre deste ano ultrapassou 219 bilhões de euros, contra um saldo positivo no mesmo período do ano anterior. Quer dizer, não só os estrangeiros não investem como muitas instituições e particulares espanhóis estiveram desinvestindo e levando depósitos para o estrangeiro, o que agora é mais fácil graças à UE e à eletrônica. Mas isso significa que muitos dos detentores desses capitais são os primeiros que deixaram de acreditar na Espanha. E as pessoas o percebem. Se a elite não crê no país, como se vai pedir que os cidadãos confiem?
Também pesa no abatimento a perda de peso da Espanha no mundo, especialmente na Europa. Durante muitos anos a Espanha adquiriu um peso relevante. A crise o diminuiu. Além disso, o mundo mudou. Também a Espanha. O caso mais claro é a América Latina, onde a atitude paternalista já não tem lugar. É quase o contrário: é a América Latina que hoje ajuda a Espanha.
Um fator que contribui para o abatimento é a falta de vertebração da Espanha, que torna extremamente difícil chegar a um projeto de país para sair da situação atual. A isso cabe acrescentar que as pessoas sentem fastio do confronto político, e também que hoje não se apresenta uma alternativa autêntica.
E a crise econômica provocou não uma crise política, mas uma crise da política, para a qual também contribuíram os casos de corrupção. Segundo Fernando Vallespín, ex-presidente do CIS e catedrático de teoria política na Universidade Autônoma de Madri, através das pesquisas se detecta que "os cidadãos não veem os políticos como capazes de resolver seus problemas, e sim como mais um problema. Isto provoca inevitavelmente a questão da deslegitimação do sistema democrático tal como foi concebido, e abre as portas para o aparecimento de discursos populistas na direita e na esquerda. Mas a isso se soma neste momento a falta de liderança para dirigir a sociedade nesta crise".
Santos Juliá vê nesta desafeição pela política o único ponto de comparação com 1898, "a desafeição pelos políticos como classe política; não a este ou aquele partido, nem a este ou aquele dirigente, senão aos políticos como classe e, de rebote, à política como atividade; desafeição e algo mais que leva a multidões em protesto, ou acampadas na rua, algo desconhecido naquele tempo". E acrescenta: "Neste ponto da desafeição igualmente alcançamos os lamentos de nossos bisavôs e talvez até os superemos, porque agora o ruído que se pode formar conta com mais alto-falantes, e mais potentes".
Além disso, "depois da esperança que representou para muitos a chegada do Partido Popular ao governo, ocorreu uma forte frustração de expectativas que, junto com o agravamento da situação econômica e social, levou a sociedade a esta desmoralização", diz a socióloga Marta Romero.
A desmoralização também deriva do fato de que os cidadãos sentem que grandes decisões sobre a Espanha são tomadas fora, e tampouco veem que a solução possa vir de fora. A crise de liderança na Espanha se enquadra em uma crise de liderança na Europa. E esta, por sua vez, na perda de coesão e peso do Ocidente diante da ascensão de outras potências, como a China. Não é que tenhamos passado à modesta Espanha a que se refere Enric Juliana em seu livro de mesmo título. O verdadeiro perigo é vivê-lo como uma Espanha derrotada, pois com a desmoralização não se conseguirá nada. Se esse sentimento se arraigar, demoraremos anos para nos recuperarmos.

A terapia da verdade

A desmoralização também vem da falta de perspectivas para superar a crise. Nenhum político se atreve a realmente dizer a verdade. O governo prefere o passo a passo, a tortura da gota chinesa. Mas alguns observadores estimam que "para superar o feedback de iteração-depressão feito à base de mentiras piedosas às quais se seguem realidades cruéis", é necessário dizer a verdade.
Nesta linha, o diplomata e ensaísta Carlos Alonso Zaldívar considera que "a mentira domina cada vez mais o debate público. O governo está constantemente tentando vender falsas esperanças. A oposição vende propostas de pequenos remédios. Apesar de tudo isso, as pessoas percebem que estamos piorando. Mas ainda insuficientemente. Espera-nos um futuro pior do que as pessoas supõem. O que seria preciso fazer é seguir adiante com a verdade e com um plano para superá-la. Dizer claramente: esperamos alguns anos piores que até agora; só enfrentando-os sairemos bem; se não, continuaremos nos arrastando quem sabe até quando".

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Reportagem de Andrés Ortega
foto:redebrasilatual.com.br

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