14/08/2012

Jovens são os mais afetados por crise na Europa


“Abaixo todos eles”, tornou-se um dos slogans entoados pelas dezenas de milhares de “indignados” da Espanha em manifestações no ano passado. Além da indignação, muitos desses indivíduos têm uma coisa em comum: a maioria consiste em jovens que se consideram vítimas da crise.
Eles poderiam ter sido mais específicos e gritado: “Abaixo os velhos!”. Essa frase seria apropriada porque, sob diversas formas, a crise do euro é também um conflito entre gerações. O grupo de baby boomers (pessoas nascidas entre 1946 e 1964, um período de grande crescimento demográfico nos países ocidentais) na faixa etária de 50 a 70 anos vive hoje em dia prosperamente às custas dos jovens.
A igualdade entre gerações – medida pelos níveis de dívidas diretas e ocultas e benefícios previdenciários – é especialmente baixa no sul da Europa. Em um estudo de 2011 sobre a igualdade entre as gerações em 31 países, conduzido pela Fundação Bertelsmann, a Grécia ficou em último lugar. A Itália, Portugal e a Espanha não tiveram um desempenho muito melhor, tendo ficado em 28º, 24º e 22º lugares, respectivamente. Atualmente, a distribuição desigual de renda e de oportunidades é particularmente crítica.
O colapso do mercado de trabalho atingiu os jovens europeus de uma forma muito mais intensa do que as gerações mais velhas. Na Grécia e na Espanha, mais da metade das pessoas com menos de 25 anos encontra-se desempregada – um índice duas vezes maior do que aquele relativo aos trabalhadores mais velhos. E a situação é ainda pior em certas regiões do sul da Itália, onde o desemprego entre a população jovem ultrapassou o patamar de 50%.
Um dos motivos para essa situação é a conjuntura desigual de emprego. Por exemplo, os espanhóis e os italianos mais velhos beneficiam-se das leis de proteção aos trabalhadores que impedem que eles sejam demitidos e que são muito fortes segundo os padrões internacionais. Mas quase a metade dos jovens italianos e 60% dos jovens espanhóis estão sujeitos a contratos de trabalho temporários e podem ser demitidos facilmente.
Os sofrimentos e os riscos associados aos planos para salvar o euro também recaem principalmente sobre os jovens. Em última instância, as dívidas nacionais crescentes e os fundos para resgates financeiros serão financiadas por títulos que só vencerão daqui a muitos anos.
“Excesso de poder”
E os banqueiros e os políticos não são os únicos responsáveis pela crise. Muitos integrantes das gerações mais velhas são cúmplices desse sistema falido. Quase toda família na Grécia possui um membro que se beneficiou do hipertrofiado aparato estatal como funcionário público. Os baby boomers da Espanha contraíram empréstimos para a compra maciça de imóveis, empurrando o país para a crise da dívida. E, na Itália, políticos como Silvio Berlusconi foram reeleitos diversas vezes porque os seus truques e artimanhas foram aparentemente recebidos com grande simpatia. Os aposentados e os pensionistas se constituíram em uma das parcelas mais importantes do eleitorado do ex-primeiro-ministro italiano.
Sendo assim, por que o número de jovens indignados não é ainda maior? Há sinais de que eles podem estar começando a se concentrar nessa questão. Em um artigo publicado no jornal alemão “Die Tageszeitung”, o escritor italiano Leonardo Palmisano afirmou que o debate sobre a proteção dos empregos no seu país “diz mais respeito à idade do que à classe social”. Em um lado dessa questão encontram-se os jovens que têm empregos precários, e do outro lado estão os baby boomers com empregos e aposentadorias seguros e permanentes. “Os “C/S”, ou "Cinquanta/Sessantenni", conforme são chamadas as pessoas de 50 a 70 anos de idade, são os protagonistas do regime de Berlusconi”, acusou o escritor italiano. “Eles têm um poder excessivo nas mãos, mas não contam com as qualificações necessárias para tirar o país da crise”.
É claro que nem todos os idosos sul-europeus são pequenos Berlusconis. Muitos idosos estão sofrendo também com o impacto das medidas de austeridade econômica. Porém, para obter respostas honestas relativas à crise, é importante que se formulem perguntas sobre a responsabilidade que as gerações mais velhas têm pela derrocada da economia.
Em determinados casos, alguns países cogitaram implementar reformas do mercado de trabalho desconfortáveis que teriam reduzido os privilégios das pessoas mais velhas. E eles cogitaram também elevar os impostos para os ricos e lançar uma guerra intensa contra a evasão fiscal, algo que foi considerado durante muito tempo uma infração trivial. Ambas as medidas afetariam as pessoas mais velhas, especialmente as mais ricas.
Um círculo vicioso
Mas pouco foi feito nesse sentido, e uma outra tendência acabou emergindo: após alguma autocrítica inicial, as teorias de conspiração começaram a se disseminar entre os sul-europeus. Não importa se o vilão é Wall Street ou Angela Merkel. O fato é que os aflitos sul-europeus passaram a culpar os outros pelos seus sofrimentos. Berlusconi voltou a se comportar de forma particularmente ousada, alegando que só ele é capaz de resolver os problemas, enquanto planeja mais um retorno político.
Mas então, por que é que os jovens sul-europeus não estão se rebelando de forma mais veemente contra esse tipo de arrogância descarada? A triste verdade é que, se fizessem isso, eles estariam mordendo a mão que os alimenta. Por não contarem com fontes de sustento na Itália, na Espanha e na Grécia, os jovens – especialmente os homens – estão vivendo com os pais até um estágio bem avançado da idade adulta. E é claro que isso faz com que seja mais difícil que eles se rebelem.
Entretanto, os alemães não devem se apressar a condenar a atitude dos seus vizinhos do sul. O conflito de gerações não resolvido no sul é um exemplo daquilo que poderá acontecer também na Alemanha em um futuro próximo. Foi apenas alguns anos atrás que a chamada “grande coalizão”, um governo formado pelo partido conservador da chanceler Angela Merkel, a União Democrata Cristã, e pelo Partido Social Democrata, de centro esquerda, instituíram uma “garantia de pensões” para impedir cortes dos benefícios e aposentadorias para os idosos, mesmo se os salários dos trabalhadores jovens despencassem. Essa decisão foi provocada pelo medo de que houvesse uma reação de pensionistas indignados na eleição seguinte. Mas, segundo o Instituto de Economia Mundial de Kiel, uma proeminente organização de pesquisa alemã, essa medida representará um custo extra de cerca de 18 bilhões de euros (US$ 22 bilhões).
Enquanto isso, a distribuição de renda entre as gerações na Alemanha ameaça transformar-se em breve em uma “nova questão social”, alerta um artigo analítico publicado recentemente em um jornal alemão pelo Instituto Econômico Ifo, com sede em Munique. A disparidade entre os rendimentos dos jovens e dos indivíduos mais velhos precisa diminuir, adverte o artigo. “Caso contrário, o potencial para conflitos aumentará”.
Desigualdade de renda generalizada
Essa desigualdade está aumentando também fora da zona do euro. Nos Estados Unidos, a riqueza domiciliar dos indivíduos de mais de 65 anos de idade aumentou cerca de 42% desde 1984, segundo o Centro de Pesquisas Pew. Mas, aqueles com menos de 35 anos de idade ganham 68% a menos do que os seus congêneres de meados da década de oitenta.
No Reino Unido – onde as rebeliões de jovens no ano passado chocaram o mundo –, o político conservador David Willets publicou um livro chamado "The Pinch: How the Baby Boomers Took Their Children's Future -- And How They Can Give it Back" (algo como, “A Privação: Como os Baby Boomers Roubaram o Futuro dos Seus Filhos – e Como Eles Podem Devolvê-lo”) em 2010. Willets argumenta que a próxima geração terá que trabalhar mais arduamente para pagar as suas dívidas, fazendo com que as futuras gerações sejam as reais prejudicadas pela atual crise financeira.
Mas o fato de um indivíduo escrever a respeito dos problemas enfrentado pelos jovens não faz dele um aliado da juventude. Willets afirmou que as despesas com a universidade são um dos fatores que contribuem para o empobrecimento dos jovens britânicos. No entanto, pouco após a publicação do seu livro, ele tornou-se o ministro de Estado das Universidades e da Ciência do governo Cameron, e não viu problema algum em triplicar o valor das semestralidades universitárias. É interessante observar que Willets tem 56 anos de idade.
Na verdade, os jovens europeus terão que lutar pelos seus próprios interesses. E talvez eles devessem até ressuscitar um slogan dos movimentos de protesto da década de sessenta: “Não confie em ninguém com mais de 30 anos de idade!”.

Reportagem de David Böcking
foto:rhautomotive.com.br




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