17/08/2012

Governo holandês obriga partido conservador protestante a admitir mulheres


Foi graças a um desses episódios típicos da Holanda que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) acaba de se debruçar sobre a ampla questão da igualdade dos homens e das mulheres na vida pública.
A respeitável instituição de Estrasburgo deveria emitir um veredicto sobre a admissibilidade de um recurso introduzido por um partido religioso, o Staatkundig Gereformeerde Partij (SGP), contra uma decisão do governo de Haia. Este último, baseando-se em uma decisão judicial, decidiu obrigá-lo a incluir mulheres em suas listas eleitorais. E, nesse estranho caso – que, sim, ocorreu no ano de 2012 d.C. - , os juízes contornaram a questão: o recurso foi declarado inadmissível, mas o caso não foi resolvido em sua essência. Foi o suficiente para inflamar os juristas, que viram nessa decisão obtusa um grande acontecimento.
Recapitulemos, uma vez que o caso é cômico, mas sobretudo complexo. O SGP tem convicções imutáveis desde que foi criado, em 1918. Presente há 90 anos na Câmara dos Deputados, ele surgiu da corrente protestante reformada e afirma em seu “programa de princípios”, fundamentados na “infalível palavra de Deus revelada pela Bíblia”, que as mulheres não pertencem à vida política. Ele rejeita os ideais da Revolução Francesa, contestando a igualdade absoluta entre os seres humanos: se estes são, em princípio, iguais como criaturas divinas, seria preciso admitir diferenças “de natureza, de talento e de lugar” na sociedade, de acordo com o partido.
Como as Escrituras ensinam justamente que homens e mulheres possuem missões diferentes, estas últimas não seriam “inferiores” aos primeiros, mas, de qualquer maneira, não seriam feitas para exercer uma função pública.
Simples, não? “O homem é a cabeça da mulher”, explica o artigo 7 dos princípios do partido. E se é preciso trabalhar para a emancipação de ambos, não é “negando sua missão e seu lugar”, o que equivale a ser “revolucionário” e deve ser “combatido veementemente”.
Mesmo com tais princípios, o SGP por muito tempo pôde trilhar tranquilamente seu caminho no país da tolerância. Em 2011, o próprio primeiro-ministro holandês, Mark Rutte (VVD, liberal), sem maioria na Primeira Câmara (Senado), fez algumas propostas para conseguir o apoio de seu único representante nessa assembleia: o líder liberal parecia disposto a abrir mão de um texto que suprimia o crime de blasfêmia das leis holandesas e de outro que previa uma extensão das possibilidades de abertura do comércio aos domingos.
No coração do Bible Belt (cinturão fundamentalista cristão) holandês, na severa região de Flevoland, sobre as antigas ilhas de Urk e de Schokland, não é bem visto quem pensa em trabalhar ou andar de carro no dia do Senhor. E, aos domingos, o “Reformatorisch Dagblad”, jornal de postura intelectual, mas aspecto inusitado, fecha seu website, com um convite para que se volte amanhã.
No entanto, de nada serviram os contorcionismos de Rutte: o SGP queria mais (uma revisão das leis sobre o aborto e a eutanásia), e a coalizão por fim se fragmentou com as exigências de Geert Wilders, fundador do PVV (Partido pela Liberdade, nacionalista). Uma nova eleição deve ser realizada no dia 12 de setembro.
O SGP esperava simplesmente continuar tocando seu pequeno empreendimento (um centro de estudos, um movimento de jovens...), que segundo seu relatório anual de 2011, é dotado de um orçamento de 1,5 milhão de euros, sendo que um terço provém de dotação pública. A direção do partido acreditava, de qualquer maneira, ter feito o suficiente no que diz respeito à igualdade dos sexos: após uma decisão desfavorável da Justiça, ela reviu seus estatutos para permitir que mulheres pudessem se associar.
Eles não contavam com a obstinação dos movimentos feministas, indignados com o fato de o Estado continuar cedendo dinheiro a um partido como esse. O Supremo Tribunal do país, ao ser acionado, em 2010 considerou que as autoridades deveriam tomar medidas para dessa vez levar a direção do partido a colocar candidatas em suas listas. O SGP decidiu então recorrer ao TEDH, invocando um atentado ao direito de associação, bem como à liberdade religiosa, considerando que sua existência estava sendo ameaçada. Dois anos mais tarde, os juízes de Estrasburgo decidiram: o SGP não respeitava a Convenção da ONU sobre os direitos das mulheres, e a Justiça holandesa determinou então que se criassem vagas para as mulheres.
A sentença é irrevogável, no entanto, ela não resolve nada, na opinião de vários especialistas em direito público. Ela não indica como o governo holandês pode proceder sem colocar em risco um partido que possua um estatuto legal e sem infringir a jurisprudência europeia sobre a importância dos partidos no sistema democrático.
A mesma decisão, ressalta o professor Tom Zwart, da Universidade de Utrecht, evoca os atentados aos direitos das mulheres que gostariam de se candidatar pelo SGP, mas negligencia o fato de que o sistema eleitoral holandês não reconhece somente aos partidos o direito de criar chapas: qualquer grupo que reúna pelo menos 30 cidadãos pode tentar conquistar votos.
Será que assim veremos um dia surgir uma chapa holandesa das “mulheres protestantes reformadas em fúria”? Pouco provável, considerando que até o momento nenhuma afiliada do SGP – será que existe alguma? – manifestou qualquer desejo de se candidatar ao que quer que seja.

Reportagem de Jean Pierre Stroobants
Tradutor: Lana Lim

foto:snpcultura.org

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