29/08/2012

Déficit de creches leva mães a recorrer a abrigos clandestinos em grandes cidades da França


Para as crianças, ela é a “Tia Hélène”. Até um mês atrás, não era raro ver essa senhora loira de olhos verdes penetrantes, auxiliada por uma jovem, levando oito pequenos até o carrossel de Marselha. Aos 59 anos, Hélène é babá há 39 anos. Só que ela não possui licença, item indispensável concedido pela Proteção Maternal Infantil (PMI) e pelo conselho-geral para poder cuidar de três a quatro crianças, no máximo, em seu domicílio. Ela abrigava 14 delas em seu apartamento de 130 metros quadrados, situado no 1º Distrito de Marselha. Para aliviá-la um pouco, três jovens vinham como reforço em momentos-chave do dia, como no almoço ou na recepção dos pequenos a partir das 7h30.

No dia 16 de julho, os policiais da Segurança Departamental intervieram para fechar essa “creche clandestina”, a pedido da PMI. No dia 23 de julho, Hélène foi colocada sob custódia durante oito horas, um momento difícil para ela, que não se considera uma “criminosa”. Hoje, o amplo apartamento preserva sinais esparsos da presença de crianças: cadeirões, uma pilha de DVDs de desenhos animados e um armário repleto de jogos. Na cozinha, uma grande geladeira cinza. “Tem 40 iogurtes, não sei o que fazer com isso”, suspira Hélène.

Esse caso repete o da primeira “creche clandestina”, situada na Cour Franklin-Roosevelt, no mesmo distrito e fechada no dia 27 de junho. Monique, 59, que havia feito um curso de enfermagem, recebia mais de 20 crianças, a 17 euros por dia, em um apartamento de 50 metros quadrados destinado a esse uso. Seu julgamento está marcado para o dia 24 de agosto. Ela está sendo processada por “trabalho irregular”, “criação sem autorização de um estabelecimento de abrigo de crianças com menos de 6 anos” e “desrespeito às obrigações de fiscalização e de conformidade dos estabelecimentos de acesso público”.

Já Hélène é alvo de uma investigação preliminar por “trabalho ilegal por dissimulação de atividade, fraude na Caixa de Pensões Familiares e fraude fiscal”. A procuradoria de Marselha afirma que até o momento nenhuma informação judicial foi aberta ainda porque as crianças não estavam em perigo, ainda que investigações complementares estejam em andamento.

Todas as cidades grandes estão sofrendo com a falta de creches. Na França, faltam entre 300 mil e 500 mil vagas para as crianças. Marselha tem cerca de 33 mil crianças com menos de 3 anos, sendo que boa parte delas provavelmente necessitará de uma vaga. Colette Babouchian, responsável pelas creches municipais na Prefeitura (partido União por um Movimento Popular, UMP) de Marselha, considera que a cidade está bem provida de soluções de guarda: “O abrigo das crianças pequenas não é obrigatório. E temos 6.300 vagas em creches coletivas, e 15.728 vagas em todos os modos de guarda, incluindo babás”.

No início, Hélène escolheu a via profissional e legal. Em 1979, então mãe de dois filhos, ela obteve a autorização para cuidar de três crianças em sua residência. Em 1991, ela se divorciou e não obteve nenhuma pensão alimentícia. Ela decidiu então fazer uma “sobre-cota”, ou seja, cuidar de mais algumas crianças. Em 1999, ela foi denunciada por uma de suas funcionárias. “Entendi que ia perder minha licença, então desisti”, ela disse. Durante dois anos, ela cessou suas atividades e trabalhou como faxineira.

Em 2001, Hélène decidiu abrir uma creche ilegal. Três anos mais tarde, ela foi novamente denunciada. A PMI a convocou e exigiu que ela fizesse um pedido de licença, negado no dia 6 de abril de 2005 e justificado como segue: “Seu exercício por diversas vezes fora da legalidade e sua incapacidade de se questionar, tanto sobre a segurança quanto sobre suas relações com os pais e as crianças, não parecem permitir que se instaure um trabalho de confiança entre a equipe e você mesma”.

Em janeiro de 2006, Hélène reabriu sua creche clandestina. O boca a boca lotou sua sala com crianças de 9 meses a 3 anos. Ela pedia aos pais um pagamento de 430 euros por mês. Os custos de funcionamento da creche eram de 1.000 a 1.200 euros por mês. Uma soma que incluía a compra de brinquedos, os passeios, a comida e produtos farmacêuticos. Somente as toalhinhas e as fraldas eram fornecidas pelos pais.

Do ponto de vista destes, deixar seus filhos aos cuidados de uma babá mais velha é a solução ideal. Fatou, uma das mães que recorreu aos serviços de Hélène, diz ser uma mamãe “super-angustiada”. Aos 32 anos, ela garante que não teria sacrificado sob nenhum pretexto a segurança de sua filha Imane, de 2 anos e 8 meses. Para ela, pouco importa que Hélène tenha perdido sua licença, ela não teve nenhuma preocupação em lhe confiar sua filha desde os 3 meses de idade. Essa coordenadora social ouviu falar de Hélène, assim como todo mundo, através de uma amiga enquanto procurava uma babá sem que nenhuma a tivesse convencido a ponto de lhe confiar sua filha. A creche de Hélène atendia a seus critérios: a presença de outras crianças lhe agradava e a flexibilidade dos horários lhe convinha: “Às vezes, tenho reuniões intermináveis”, ela se justifica. E Hélène se mostrou compreensiva quanto a isso. Essa mãe, que lhe pagava 300 euros por mês, ficou escandalizada com o fechamento do local: “Estão condenando-a por fazer aquilo que o Estado não fez por nós!”

Não foi a falta de creches que convenceu Jérôme, um ator de 30 anos, a entregar seu bebê aos cuidados de Hélène. Ele decidiu isso após uma experiência ruim. Seu filho de 16 meses frequentou uma creche municipal desde os 5 meses até os 13 meses de idade, “antes de ser considerado desajustado”. Junto com sua companheira, Jérôme tentou recrutar uma babá. Sem sucesso. Alguém lhe falou dessa “creche que não é realmente uma creche”. O casal deixou seu filho aos cuidados de Hélène em total confiança. Ele diz que toda noite ele o busca “sorridente e feliz”. Jérôme garante que a ideia não era economizar. “Era praticamente o mesmo. Sobre os 430 euros de Hélène, pagávamos 165 euros de Urssaf [equivalente ao INSS brasileiro]. Com a cobertura da CAF [Caixa de Pensão Familiar], para nós eram 130 euros por mês, a mesma quantia que na creche”, ele calcula.

Em compensação, o argumento financeiro pesou para Soraya, de 35 anos. Hélène cuidou de suas duas filhas de 3 e 5 anos durante um ano e meio. Essa mãe de família arranjou um emprego com contrato permanente e se lembrou de Hélène, que havia cuidado de seu irmão mais novo, hoje com 25 anos. Ela não podia pagar pelos serviços de uma babá licenciada e não encontrou lugar para seus filhos nem em creches, nem em escolas maternais: “Eu precisava acima de tudo manter meu trabalho. Eu pagava 430 euros para que olhassem minhas duas filhas, sendo que uma babá licenciada me pedia 1.200 euros por mês. Impossível, ganho 1.070 euros por mês.”

O advogado de Hélène, Arié Goueta, se revolta com a “hipocrisia” da PMI que finge estar descobrindo a existência de tais estabelecimentos. “Em Marselha, só se arruma vaga em creche com indicação, então os pais procuram soluções como essa. Ela era declarada por todos os pais, então havia muito bem como ter descoberto antes que ela cuidava de crianças em sua casa”.

No conselho-geral de Bouches-du-Rhône, encarregado da PMI em Marselha, afirmam saber que Hélène continuava a cuidar de crianças e que ela fora advertida por diversas vezes a parar antes de avisar as autoridades.


Tradutor: Lana Lim
Reportagem de Faiza Zerouala
fonte:http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2012/08/27/deficit-de-creches-leva-maes-a-recorrer-a-abrigos-clandestinos-em-grandes-cidades-da-franca.htm
foto:anjoseguerreiros.blogspot.com

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