11/05/2012

Redatores do novo manual de psiquiatria voltam atrás em alterações polêmicas


Numa atitude rara, médicos de um painel que está revisando o influente manual de diagnóstico psiquiátrico voltaram atrás em duas propostas controversas que teriam aumentado o número de pessoas identificadas como portadoras de transtornos psicóticos ou depressivos.
Os médicos derrubaram dois diagnósticos por concluírem, por fim, que não eram sustentados por evidências: “síndrome de psicose atenuada”, proposta para identificar pessoas com risco de desenvolverem psicose, e “transtorno misto de ansiedade depressiva”, uma mistura desses dois problemas de humor.
Eles também ajustaram a definição proposta para a depressão para que ela reduza os temores de que a tristeza normal que as pessoas experimentam depois da perda de um ente querido, de um emprego, ou de um casamento não seja confundida com um transtorno mental.
Mas o painel, nomeado pela Associação Psiquiátrica Norte-Americana para concluir a quinta edição de seu Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais, ou DSM, não voltou atrás em outra proposta amplamente criticada, para melhorar a definição de autismo. As previsões de alguns especialistas de que a nova definição reduzirá drasticamente o número de pessoas com o diagnóstico é equivocada, disseram membros do painel, citando evidências de um estudo recém-concluído.
Tanto o estudo quanto o recuo recém-anunciado estão sendo debatidos esta semana na reunião anual da Associação Psiquiátrica em Philadelphia, onde dezenas de sessões foram dedicadas ao DSM, a referência padrão para transtornos mentais, que norteia pesquisas, tratamentos e decisões de seguros.
O Dr. David J. Kupfer, professor de psiquiatria na Universidade de Pittsburgh e presidente da força-tarefa que está fazendo as revisões, disse que as mudanças vieram em resposta a julgamentos de campo --estudos do mundo real testando se os novos diagnósticos propostos são confiáveis de um psiquiatra para outro-- e o comentário público.
A associação psiquiátrica publicou suas propostas on-line, convidando à reação do público. Mais de 10.500 comentários chegaram pelo site, muitos deles críticos. “Depois de uma longa demora, o DSM 5 está se corrigindo e rejeitou suas piores propostas”, disse o Dr. Allen Frances, ex-presidente da força-tarefa e professor emérito da Duke University, que foi um de seus críticos mais proeminentes. “Mas ainda é preciso fazer muito mais, certamente. Mais importante é eliminar outros novos diagnósticos perigosos e rescrever muitos conjuntos de critérios não confiáveis.”
O problema com o “transtorno misto de ansiedade depressiva” era que ela colocaria desnecessariamente um rótulo psiquiátrico em milhões de pessoas moderadamente neuróticas. Estados mistos de depressão e ansiedade podem ser graves, mas o híbrido proposto tinha um critério menos rígido do que os transtornos de depressão ou ansiedade propriamente ditos --reduzindo significativamente os requisitos para um diagnóstico.
A principal preocupação com a “síndrome da psicose atenuada” era que ela levaria a tratamentos medicamentosos injustificados de jovens. O diagnóstico tinha como objetivo identificar as pessoas, normalmente jovens, que mostram sintomas parecidos com a psicose e tratá-los cedo. Mas de 70% a 80% das pessoas que dizem ter pensamentos esquisitos e alucinações estranhas nem se qualificam para um diagnóstico completo --e podem ser “tratadas” para algo que não têm.
No site do manual, em blogs e outros fóruns públicos, terapeutas, cientistas e pessoas que recebem serviços pareciam contrários às mudanças propostas. A associação psiquiátrica fez um esforço para ouvir, disse Kupfer.
O site “não é só uma iniciativa de relações públicas”, disse ele. “Estamos recebendo respostas, e tudo isso vai para os grupos de trabalho.” A definição proposta de autismo --que eliminaria rótulos relacionados como a síndrome de Asperger e “transtorno pervasivo do desenvolvimento”-- foi atacada em janeiro, quando pesquisadores da Universidade de Yale apresentaram provas de que cerca de metade das pessoas que atualmente são diagnosticadas no alto do “espectro do autismo” não estariam mais qualificadas sob a nova definição.
Na reunião anual desta semana, os pesquisadores apresentaram dados de um estudo ainda não publicado feito com 300 crianças, que descobriu que a definição proposta excluiria poucos que atualmente têm um diagnóstico de autismo ou um transtorno relacionado. Mas os presentes à reunião ficaram confusos quanto ao autismo. Numa conversa na última terça-feira, a Dra. Susan E. Swedo, chefe do painel que propôs a nova definição, disse que muitas pessoas que se identificam como portadoras de Asperger “de fato não têm o transtorno de Asperger, muito menos um transtorno do espectro do autismo”. Swedo é pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde Mental.
O tema não está definido. As descobertas de estudos publicados são conflitantes, mas três análises recentes apoiam a estimativa de Yale, e mais artigos esperando publicação também estão documentando uma redução significativa no número de pessoas que se qualificariam de acordo com o novo critério.
Receber um diagnóstico como este é fundamental para obter serviços públicos para crianças com necessidades especiais. “Com certeza espero que a força-tarefa do DSM esteja certa, que os números não vão mudar muito”, disse o Dr. Fred R. Volkmar, diretor do Centro de Estudos da Criança da Escola de Medicina de Yale e autor sênior do estudo apresentado em janeiro. Mas se a nova definição não mudar quem recebe um diagnóstico, ele pergunta: “por que mexer nisso afinal?”.
O painel do DSM também fez uma tentativa de esclarecer a diferença entre a tristeza normal e a depressão, escrevendo-a numa nota de rodapé acrescentada à definição proposta de depressão. A nota diz, em parte: “A resposta normal e esperada a um acontecimento que envolve uma perda significativa, incluindo sentimentos de tristeza intensa, ruminação sobre a perda, insônia, falta de apetite e perda de peso, pode lembrar um episódio depressivo”, mas não se trata necessariamente de um.
A julgar pelo ano passado, a resposta normal e esperada para a maioria dessas revisões será uma discordância mais acirrada que provavelmente se intensificará durante as próximas semanas. A associação psiquiátrica enviou lembretes esta semana de que o período atual --e final-- para comentários termina em 15 de junho. A versão final do manual deve ser impressa no final do ano e está prevista para ser publicada em maio de 2013.

Reportagem de Benedict Carey para o jornal The New York Times
foto:marconipimenta.com
Tradutor: Eloise De Vylder

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