Muitos
aposentados e desempregados em Berlim estão recorrendo a um método incomum para
suplementar os seus salários: a coleta de garrafas vazias. Eles as levam até
lojas e mercados nos quais recebem alguns centavos por garrafa. Mas, à medida
que a atividade se torna mais popular, a concorrência entre os catadores de
garrafas berlinenses se intensifica.
Quem vê Günther vasculhando latas de lixo em Berlim pode assumir que ele é um
morador de rua. Mas esse homem de 61 anos de idade é na verdade um membro do grupo
cada vez maior de aposentados e pensionistas que busca uma renda extra catando
garrafas recicláveis.
Um número significativo de pessoas destituídas está atualmente recorrendo à
coleta de garrafas descartáveis de vidro e plástico, que podem lhes render um
reembolso em dinheiro, como forma de suplementar as suas rendas. Mas se no
passado a maioria dos catadores era composta de moradores de rua, alcoólatras
ou viciados em drogas, há algum tempo são os pensionistas e os indivíduos que
se encontram desempregados há muito tempo que estão recorrendo cada vez mais a
essa prática para garantir a sobrevivência.
O número de aposentados catadores de garrafas dobrou nos últimos anos.
Especialistas em problemas sociais estão alertando que essa atividade é um
sintoma de um sistema social inadequado que não consegue resolver o problema da
população cada vez maior de moradores idosos da capital alemã.
Contato social
“As pessoas
sempre jogam garrafas fora, portanto, por qual motivo não ganhar um pouco de
dinheiro com isso?”, argumenta Günther, que não quis se identificar pelo
sobrenome. Este ex-mecânico foi obrigado a se aposentar prematuramente devido a
um problema de saúde, e nos últimos anos ele tem catado garrafas no bairro
berlinense de Tempelhof. Ele conta que a sua pensão de 700 euros (US$ 920) por
mês simplesmente não é suficiente para proporcionar-lhe um padrão de vida
decente. Günther consegue ganhar até cinco euros por dia com a coleta de
garrafas, um dinheiro que ele gasta com comida e bebidas.
“Eu cato garrafas o ano inteiro, dependendo do meu estado de espírito”, explica
Günther, que diz que a atividade o ajuda a fazer contatos sociais. “Eu acabo
conhecendo todos os tipos de pessoas, e isso pode ser divertido. Durante algum
tempo eu trabalhei em um museu, mas quase morri de tédio naquele lugar”.
A fonte de renda suplementar de Günther só é possível devido às leis alemãs que
têm como objetivo encorajar a reciclagem e a redução de lixo. Em 2003, o
governo alemão instituiu um depósito obrigatório a ser pago por quem compra
produtos como cerveja, água mineral e bebidas borbulhantes – bebidas não
gasosas, vinho, leite e licores estão isentos –, com o objetivo de encorajar a
reciclagem (as garrafas reutilizáveis já estavam sujeitas ao depósito). O
depósito pago na compra de cada garrafa, que varia de oito centavos de euro
para uma garrafa reutilizável de cerveja a 25 centavos para uma garrafa
plástica descartável grande, pode ser reembolsado em dinheiro nas lojas e nos
supermercados.
O aumento da atividade de coleta de garrafas é um sintoma dos problemas sociais
que afetam Berlim desde a queda do Muro em 1989. A cidade sem dúvida conta com
uma ampla classe de indivíduos criativos, mas a capital alemã continua
fortemente endividada e o desemprego encontra-se estacionado em um patamar de
mais de 13%.
Além de terem de enfrentar o crescimento dos contratos de trabalho de meio
expediente e a redução salarial, os pensionistas de Berlim estão sendo
obrigados a sobreviver com pensões cada vez mais reduzidas. Em 2009, cerca de
57.500 pensionistas, de um total de 640 mil que vivem em Berlim, precisaram de
ajuda financeira do governo para complementarem as suas pensões, o que fez com
que os governos federal e estadual desembolsassem 318 milhões de euros em
subsídios – o que representou um aumento de 42,5% em relação a 2006.
À medida que as pessoas lutam para sobreviver com o dinheiro do seguro
desemprego e das pensões aviltadas, uma quantidade cada vez maior de idosos em
Berlim está recorrendo a organizações de caridade para receberem assistência
social na forma de roupas e alimentos. Entre essas instituições está a
Bahnhofsmission, uma organização de caridade cristã que mantém unidades para
doações nas principais estações de trem de Berlim, e a Berliner Tafel, uma
organização sem fins lucrativos que fornece alimentos doados a instituições de
caridade da cidade.
Senso de objetivo
Sabine Werth,
da Berliner Tafel, está bastante consciente do aumento do número de pessoas que
recorre à coleta de garrafas devido aos problemas financeiros. Ela conta que no
passado o ato de vasculhar latas de lixo em busca de garrafas vazias seria
considerado vergonhoso. Mas atualmente uma quantidade cada vez maior de pessoas
está aceitando isso como um método viável de ganhar dinheiro, especialmente
aqueles que se encontram cronicamente desempregados ou que sobrevivem com
pensões ínfimas.
“Isso proporciona um senso de objetivo à geração mais velha”, disse ela a
“Spiegel Online”. “Essas pessoas veem isso como um motivo para saírem de casa e
entrarem em contato com outros indivíduos”. A coleta de garrafas também
beneficia o meio ambiente, explica Sabine Werth. “Mas isso diz respeito de fato
a romper o ciclo de pobreza e solidão – duas coisas que quase sempre andam
acompanhadas”.
À primeira vista, a coleta de garrafas feita por Günther parece ser um
passatempo produtivo que proporciona a ele contato social e a oportunidade de
suplementar a sua renda. Mas é difícil ignorar as realidades sociais e
econômicas que estão fazendo com que uma quantidade cada vez maior de pessoas
saia às ruas em busca de garrafas vazias.
Até recentemente Günther catava garrafas vazias no Tempelhofer Feld, um
aeroporto desativado que foi transformado em parque público, e que é popular no
verão entre os indivíduos que gostam de fazer piqueniques. Mas logo os guardas
o enxotaram de lá. “O lugar era bastante lucrativo, mas os guardas começaram a
me tratar mal e me disseram para desaparecer”, explica Günther. “Eu sei que
eles fizeram isso porque não querem que os turistas vejam a pobreza real que
existe em Berlim”. Atualmente ele cata a maioria das suas garrafas em estações
de metrô durante a noite.
Serviço online
Em meio a tais
histórias de desespero, um jovem berlinense decidiu fazer algo para tornar a
vida dos catadores de garrafas de Berlim mais fácil. O estudante de design e
comunicação Jonas Kakoschke é o criador de um projeto online que tem como
objetivo fazer com que os catadores tenham acesso aos depósitos indesejados de
garrafas. A ideia começou como uma piada entre Kakoschke e os amigos sobre o
que fazer em relação à grande quantidade de garrafas de cerveja vazias deixadas
no apartamento deles após uma animada festa. A ideia transformou-se num
site,
que foi criado em julho de 2011. Qualquer pessoa pode se conectar ao site e
encontrar detalhes sobre como entrar em contato com catadores de garrafa da
área em que mora. Após recolher as garrafas, o catador leva as leva para o
centro de coleta mais próximo e recebe uma quantia referente ao depósito
compulsório por cada garrafa entregue.
Até agora o retorno tem sido bastante positivo, e o website tem atraído
considerável atenção da mídia. Kakoschke ficou surpreso com os tipos de pessoas
que se inscrevem como catadores de garrafas. “A minha grande preocupação era
que indivíduos bêbados fossem bater à porta das pessoas para coletar as
garrafas”, diz ele. “Mas não foi isso o que aconteceu. Na verdade, a maioria
dos catadores de garrafas com os quais eu falei consiste de aposentados ou
desempregados em busca de um pouco de dinheiro extra para sobreviver”.
O projeto cresceu bastante desde o seu lançamento, e ele foi ampliado para
incluir outras cidades alemãs como Colônia, Augsburg e Essen. Mas embora muita
gente veja nisso uma maneira lógica de ajudar os catadores de garrafas de
Berlim, que em troca fornecem um serviço útil, Sabine Werth, da Berliner Tafel,
é mais cautelosa na sua avaliação. “Esse projeto online é interessante, mas ele
será inevitavelmente utilizado por aqueles catadores que contam com a
capacidade de coletar grande quantidades de garrafas”, explica ela. “Isso não
ajudará a maioria dos catadores, que são realmente pobres, já que eles costumam
ganhar a vida catando pequenas quantidades de garrafas descartadas em latas de
lixo ou nas ruas”.
Apesar das circunstâncias, catadores como Uwe (nome fictício), de 64 anos,
continua a tentar enxergar o aspecto positivo da situação em que se encontram.
Desempregado e padecendo de diabetes aguda, eles cata garrafas vazias em latas
de lixos e pátios do bairro de Kreuzberg, em Berlim, há dois anos.
“Eu realmente preciso do dinheiro porque o auxílio-desemprego que recebo não é
suficiente para garantir a minha sobrevivência”, diz Uwe, que carrega em cada
braço sacolas cheias de garrafas vazias. “Eu creio que isso me proporciona algo
para fazer, e permite que eu limpe um pouco as ruas. Eu consegui até perder um
pouco de peso de tanto caminhar”.
Reportagem Helen
Whittle de para o jornal
alemão Der Spiegel
foto:dw.de
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