O Brasil pode estar desperdiçando uma oportunidade única de
fortalecer o chamado "soft power" no cenário internacional, com
impacto positivo na sua economia, aproveitando o corrente interesse por sua
produção cultural. Essa é a opinião de especialistas ouvidos pela BBC Brasil,
que dizem que esse interesse tem aumentado nos últimos anos, em parte pela
projeção do país como nova potência econômica, mas também turbinado por ações
isoladas de setores ligados ao governo e de grupos privados.
Enquanto o governo instala bibliotecas de
fronteira e incentiva o lançamento de escritores brasileiros em outras línguas,
agentes privados levam ao exterior eventos antes só disponíveis no Brasil, caso
do festival Back2Black, uma das mais de dez grandes atrações brasileiras a
desembarcar em Londres até os Jogos Olímpicos (veja quadro abaixo).
Mas especialistas alertam: se estas iniciativas
não forem coordenadas e representarem uma estratégia deliberada, os benefícios
que a crescente economia brasileira teria por meio da exportação e poder de
sedução de seus valores - o chamado soft power - podem ser limitados.
"Soft Power" é um conceito elaborado
pelo professor americano Joseph Nye para definir a capacidade de países
influenciarem relações internacionais e intensificarem trocas comerciais
através da sedução de produtos como filmes, música, moda, mídia e turismo. A
economia dos Estados Unidos, por exemplo, se beneficia da ampla exposição de
seus produtos por meio dos filmes de Hollywood.
O termo se contrapõe ao chamado "hard
power", que define ações militares e bloqueios comerciais, por exemplo.
"O Brasil exerce naturalmente o soft
power", diz Nye em entrevista à BBC Brasil. "Se você observar a
cultura brasileira e seu impacto, verá que a imagem do país é originalmente
positiva, mesmo antes do avanço econômico recente. Pode ser que isso tenha a
ver com o futebol, mas o fato é que há uma percepção de que o Brasil lidou bem
com questões caras a outros países, como a racial. Ou seja, é portador de
valores como tolerância. E isso é importante", resume.
Mais artistas brasileiros do que nunca
Nye e outros especialistas alertam para o fato
de que, para funcionar, o soft power requer capacidade de articulação entre
agentes públicos e privados, o que muitas vezes pode exigir a criação e uma
entidade específica. "Não é essencial, mas ajudaria muito. O British
Council (órgão de promoção da cultura britânica no exterior), por exemplo, é
muito bem sucedido e prova que não é preciso gastar muito, mas apenas coordenar
ações, para se obter grande impacto", exemplifica Nye, antes de lembrar
que os setores cultural, de mídia e de entretenimento tendem a ser os primeiros
a se beneficiar. "Mas isso depois se espalha por toda a economia."
Além da Grã Bretanha, países como França, com a
Aliança Francesa, Alemanha, com o Instituto Goethe, e a emergente China, com o
Instituto Confúcio, optaram por este tipo de organização.
"É preciso notar, porém, uma diferença
histórica. Os poderes coloniais montaram estas instituições quando estavam em
declínio e precisavam aumentar trocas comerciais. O caso do Brasil é diferente,
porque o país está em ascensão", pondera o professor de História Econômica
da América Latina Colin Lews, da London School of Economics.
"Como o país está mais afluente e
confiante, há uma pressão natural por institucionalizar a ação de soft power.
E, de fato, é preciso haver um espaço institucional. O Itamaraty sempre teve
uma postura independente - até mesmo dos governos, civis ou militares - e sabia
onde queria ver o país. Mas agora a ação brasileira se tornou mais
extracontinental", diz o Colin.
O crescimento da procura por produtos
brasileiros no mercado internacional de arte e entretenimento é claro. "Há
mais artistas vindo do que nunca. Neste ano, há eventos com brasileiros em
todos os grandes centros culturais britânicos", sublinha Jude Kelly,
diretora artística do gigante Southbank Centre, à beira do rio Tâmisa, em Londres.
Com nove viagens ao Brasil carimbadas no
passaporte, Kelly promoveu há dois anos um festival de um mês integralmente
dedicado a mostrar "como a cultura brasileira está sendo usada para
transformar comunidades". Neste ano, o Southbank sedia o espetáculo
"Hotel Medea", que Kelly assistiu no Festival Internacional de
Edimburgo do ano passado, e a instalação "Amaze".
'Nova Bossa Nova'
Envolvido há quase duas décadas com produções
teatrais no Brasil e na Grã-Bretanha, o produtor inglês Paul Heritage diz que,
no passado, levava mais ingleses ao Brasil do que o contrário. Hoje, diz, há
interesse e movimentação semelhante - e crescente - nos dois lados.
"O Brasil tem que aproveitar este momento.
O país tem usado com sucesso uma tecnologia social das artes muito particular.
O Ministério da Cultura investiu muito nas redes e criou um mercado alternativo
ao capitalismo que vem ajudando as comunidades. E esta tecnologia, única, pode
ser exportada. A Inglaterra, por exemplo, não tem", diz Heritage. "Esta
tecnologia social das artes é a nova Bossa Nova", compara o produtor,
responsável pela vinda de grupos como o Afro Reggae, Galpão e Nós do Morro à
Grã-Bretanha.
Para Heritage, a área cultural do Itamaraty não
está afinada com o crescimento da demanda por produtos artísticos do país.
"É preciso mais coordenação, porque em um mundo de poucos recursos, é
necessário haver mais diálogo. Está na hora de criar um novo órgão. O British
Council, por exemplo, une forças", exemplifica Heritage.
Organizadora do festival Back2Black, que há duas
edições vem estabelecendo a ponte entre a música brasileira e seus semelhantes
na África e nos Estados Unidos, Connie Lopes concorda com o colega britânico.
"É a hora de o Brasil ter seu instituto
cultural permanente para representar interesses e divulgar valores que são
comungados por artistas, produtores e empresas que apoiam estes eventos. Nós,
de forma geral, nos articulamos, mas seria bom uma ação coordenada",
pontua ela, à frente do segundo festival brasileiro a chegar ao exterior - o
primeiro foi o Rock in Rio, com versões em Portugal e na Espanha. "A
partir da gestão do Gilberto Gil no Ministério da Cultura, o setor se
profissionalizou muito e requer nos níveis de organização", defende.
O Itamaraty não nega que a conjuntura mudou.
"Há espaço para interação (entre agentes econômicos e poder público) mais
lógica, sim. Não há uma unidade", reconhece o porta-voz do Ministério das
Relações Exteriores, Tovar Nunes da Silva. "Mas não necessariamente haverá
um novo organismo, especificamente destinado a cuidar das ações de soft
power", adianta.
Nunes da Silva afirma que o Brasil é o único
país emergente que "só tem soft power". "Optamos conscientemente
pela não militarização. Basta ver que somos um dos poucos países do mundo em
que o herói nacional é um diplomata (Barão do Rio Branco) e não um general. Não
temos escolha, nossa história é de soft power".
'Ocidental plus'
O porta-voz cita organismos como os Centros de
Estudos Brasileiros e a Agência Brasileira de Cooperação como exemplos de
institucionalização do soft power. No entanto, defende diversidade na condução
das ações públicas e privadas. "Somos um país 'ocidental plus'. Ocidental
não é suficiente para classificar o Brasil. Os modelos dos países desenvolvidos
talvez não satisfaçam esta alma meio solta, que é parte do que somos. Há um
processo de sofisticação que talvez demande que este país seja representado de
mais de uma forma. Não há um kit Brasil", diz.
Em meio ao crescimento constante da procura por
produtos (muitos dos quais culturais) brasileiros na Grã-Bretanha, o embaixador
Roberto Jaguaribe concorda com Nunes da Silva. O diplomata diz que a imagem
brasileira está mudando "do alegórico, festivo, para o da potência
econômica, ambiental, democrática e capaz de incluir socialmente".
"No entanto, pessoalmente acho que uma organização específica não é a
melhor forma de articular esforços. Buscar homogeneidade em tudo limita um
universo mais amplo de representação", reforça.
"Sem uma instituição, de fato há mais
diversidade", concorda o professor Colin Lewis, da London Schoool of
Economics. "Mas corre-se o risco de se perder o foco."
Além da Grã-Bretanha, onde, segundo Jaguaribe,
há crescimento do interesse pela produção brasileira nos últimos 20 anos, as
artes brasileiras são destaque na Alemanha, na Colômbia e em Nova York, onde o
Sesc acaba de assinar um acordo com o selo Nublu e o festival Globalfest para
garantir destaque permanente a artistas brasileiros no evento, que acontece
todo mês de janeiro. Acordos também estão sendo fechados no Leste Europeu e na
Ásia, sempre com ação pública e privada.
foto:setimoanomatutinoeastoyota.blogspot.com
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