Proposta do governo britânico para aumentar a diversidade na Magistratura recebeu um apoio importante ontem (28/3). O Comitê de Constituição da House of Lords (o Senado britânico) divulgou um relatório defendendo que o sexo e a raça dos candidatos a vaga de juiz sejam usados como critério de desempate. Atualmente, a cada 10 juízes britânicos, dois são mulheres e apenas um não é branco.
Em novembro passado, a sugestão foi apresentada pelo Ministério da Justiça britânico como uma maneira de acabar com o estereótipo do magistrado homem branco. A ideia é que, sempre que dois candidatos ficarem empatados na competição para a vaga de juiz, aquele que pertencer a um grupo menos representado na Magistratura ganha. Por exemplo, se um negro e um branco empatarem, o cargo é do negro, já que a maioria dos juízes são brancos.
Para o Comitê de Constituição da House of Lords, a proposta é boa. Ter magistrados de diferentes sexos e etnias aumentaria a confiança da população na Justiça. O grupo defendeu que o mérito continue sendo o único critério para a escolha dos juízes. Mas que, quando há dois candidatos que merecem igualmente o mesmo cargo, é razoável optar por aquele que faça parte de alguma minoria.
No relatório apresentado, os lords também ponderam que mérito não quer dizer apenas conhecimento técnico da lei e destaque na Advocacia (todo juiz precisa ter advogado antes de ingressar na Magistratura). “Há vários advogados com experiência limitada na Advocacia que dariam excelentes juízes.” Os parlamentares observaram que um candidato capaz de levar diferentes aspectos para uma discussão jurídica pode ser considerado mais merecedor do cargo do que muitos profissionais com anos de experiência.
O comitê também analisou de que maneira aumentar o número de mulheres na Magistratura e aplaudiu a proposta do governo de reduzir a carga horária dos juízes. Hoje, na primeira instância da Inglaterra e do País de Gales, os magistrados podem optar por trabalhar apenas meio período e receber proporcionalmente. Isso não é possível nos tribunais de segunda instância e nem nas cortes superiores. Ampliar essa possibilidade seria uma das maneiras de tornar a carreira na Magistratura mais atraente para as mulheres. A ideia já foi bem recebida pela Law Society of England and Wales.
O grupo de parlamentares rechaçou a criação de cotas no Judiciário. Depois de ouvir juízes, advogados e estudiosos, a conclusão dos lords foi a de que criar cotas poderia passar o recado errado de que o juiz negro não teria capacidade para chegar ao cargo se não fosse pelas cotas. O comitê também descartou por ora a ideia de sugerir metas para a comissão que escolhe os juízes atingir. Os parlamentares consideraram que as metas podem voltar a ser discutidas em cinco anos caso a diversidade da Justiça britânica não tenha aumentado consideravelmente.
Passos para a Magistratura
Desde 2006, o processo de seleção de juízes na Inglaterra e no País de Gales fica centralizado numa comissão criada especialmente para a função, a Judicial Appointments Commission. Até então, a escolha de quem ia ocupar o cargo funcionava mais na base do tapinha nas costas. Com a comissão, o processo seletivo ficou mais transparente e, de acordo com os advogados, mais competitivo. Hoje, há um exame escrito, seguido por uma série de avaliações orais e mesmo simulações de julgamentos. Os candidatos escolhidos são enviados pela comissão para aprovação do lord chancellor (o equivalente no Brasil ao secretário de Justiça), que pode recusar a escolha, embora isso não aconteça.
Para ser juiz na Inglaterra e no País de Gales, é preciso exercer a Advocacia por pelo menos cinco anos. Para os tribunais de segunda instância e superiores, o tempo mínimo de experiência aumenta. Na Suprema Corte, por exemplo, é preciso ter atuado nos tribunais como defensor por pelo menos 15 anos. Como a Suprema Corte exerce jurisdição também na Escócia e na Irlanda do Norte, as nomeações também precisam considerar o equilíbrio na formação para que tenha representantes de cada país do Reino Unido.
Ao analisar o processo de escolha de juízes, o Comitê de Justiça da House of Lords concluiu que o método atual é eficaz e suficientemente independente. O Congresso britânico não participa de nenhuma etapa dessa seleção. E, para os parlamentares, tem que continuar assim. Eles consideraram que criar sabatinas dos escolhidos levaria política para o processo seletivo, o que não é desejado. Ao Parlamento fica reservada apenas a função de cobrar satisfações dos lord chancellorpelas suas aprovações ou recusas dos candidatos escolhidos pela comissão.
Balanço das indicações feitas pela Judicial Appointments Commission mostra um equilíbrio na raça e sexo dos escolhidos. Desde que foi criada em 2006, a comissão já analisou mais de 2,5 mil candidatos ao posto de juiz. Desse total, 35% eram mulheres e 9% do grupo de minorias étnicas. Dos selecionados, 34% foram mulheres e 7%, minorias étnicas. Para o Comitê de Justiça, o sinal de que há poucas mulheres e pessoas não brancas se candidatando é evidente. Para aumentar a diversidade da Justiça, portanto, é necessário um estímulo maior para que as minorias se candidatem aos cargos.
O Comitê de Justiça também analisou a idade de aposentadoria dos magistrados. Até 1993, os juízes tinham que se aposentar com 75 anos. Em 1993, uma mudança legislativa diminuiu a idade da aposentadoria compulsória para os 70, mas só passou a valer para quem entrasse na Magistratura a partir de então. Hoje, o Judiciário britânico tem dois grupos: o daqueles que se tornaram juiz antes de 1993 e se aposentam com 75 anos e os que entram depois, que precisam largar o cargo ao completar 70 anos de idade.
Os lords consideraram que não há como se falar em uma idade única para a aposentadoria compulsória. Na avaliação deles, como as diferentes instâncias requerem diferentes níveis de experiência, é razoável criar limites diferentes. A sugestão apresentada foi a de que a idade de aposentadoria compulsória seja de 70 anos para a primeira e a segunda instâncias, mas de 75 anos na Corte de Apelo e na Suprema Corte.
O Judiciário inglês
A estimativa é de que a população da Inglaterra e do País de Gales seja atualmente formada por 51% de mulheres e 12% pretos, asiáticos e outras minorias étnicas (Bame, na sigla em inglês). De acordo com os dados apresentados pelo governo, até abril do ano passado, as mulheres ocupavam 22,3% dos cargos de juiz de primeira instância. Já o grupo Bame representava 5,1%. Há 10 anos, apenas 14,1% dos cargos na primeira instância eram ocupados por mulheres e 1,9% por minorias.
Na segunda instância e nas cortes superiores, atualmente, são 13,7% de mulheres e 3,1% de Bame. De acordo com pesquisa divulgada pelo governo britânico, assim como mulheres e integrantes de grupos de minorias étnicas consideram a sua condição uma desvantagem no mercado jurídico britânico, homens brancos se entendem um passo a frente na corrida simplesmente por serem do sexo masculino e brancos.
O déficit de mulheres pode ser mais bem identificado se o número de magistradas for comparado com o número de advogadas. Em julho de 2009, as mulheres ocupavam 43% do mercado da advocacia de base. Na de elite, que são os chamados barristers e são aqueles que atuam nas cortes superiores, 33% do mercado era formado por mulheres.
Os dados coletados pelo Ministério da Justiça britânico, no entanto, são falhos por alguns motivos. O primeiro é que não levam em consideração a população ativa. Por exemplo, do total da população feminina, quantas mulheres de fato trabalham. O segundo ponto é que a pesquisa é feita com base na autoclassificação de cada um. Quem circula um pouco por Londres encontra, por exemplo, filha de imigrantes de países caribenhos que, embora negra, se considere britânica e não relutaria em se autointitular no grupo dos brancos, já que só nesse existe a opção britânico.
Reportagem de Aline Pinheiro
foto:empireofthecitycom.blogspot.com
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