28/03/2012

Castração química de presos fracassa na Catalunha


Nenhum preso quer ser o primeiro a se submeter à castração química, o tratamento inibidor da libido que há mais de dois anos está em vigor nas prisões da Catalunha. "Se encontrássemos o primeiro candidato, talvez outros viessem. Mas por enquanto foi um fracasso", afirma Ramón Parés, diretor-geral de Serviços Penitenciários da Generalitat, o governo catalão.
Parés admite que a iniciativa encontrou rejeição por parte dos detentos: até agora nenhum deles aceitou seguir o programa, pensado para evitar que os violadores reincidentes voltem a praticar crimes quando deixarem a prisão.

A expressão "castração química", criticada pelos especialistas, foi colocada no centro do debate público pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, em 2007. Sarkozy a anunciou como uma possível medida contra violadores e pedófilos reincidentes, que, apesar de terem cumprido integralmente suas condenações, continuam representando uma ameaça porque não estão reabilitados. Desde então o debate esfriou. Sobretudo na Catalunha, onde uma comissão de especialistas aprovou a possibilidade de que os presos que desejarem recebam injeções de substâncias farmacêuticas que reduzem a produção de testosterona, e portanto o desejo sexual.

A medida começou a funcionar no início de 2010. "Se três pessoas seguirem o tratamento no primeiro ano, já será um êxito", disse então a ex-conselheira de justiça Montserrat Tura (PSC). Ela chegou a anunciar que havia encontrado um candidato entre o reduzido número de detentos (apenas 40) que preenchiam os requisitos para fazer o tratamento. O homem, que se encontrava na última fase de sua pena, já recebia atendimento psicológico e logo começaria a medicação. Depois, nunca mais se soube desse caso.

Na realidade, diz Parés, esse suposto candidato nunca o foi. O detento cometeu uma série de abusos contra menores e, em 2000, antes de entrar na prisão por esses fatos, começou a tomar uma substância semelhante à que é aplicada no caso da castração química. Quando ingressou na prisão, continuou se medicando. O caso é que em dois anos nenhum preso se ofereceu para a iniciativa. Por quê?

"Os homens se preocupam em submeter-se a esse tipo de injeção. Embora seja verdade que tem efeitos secundários, entre a população carcerária corre todo tipo de rumores, fundados ou não, que os deixam desconfiados. Nenhum quer ser o primeiro", resume o diretor geral. Uma das dúvidas dos internos é saber se, com o tratamento, poderão manter relações sexuais com suas parceiras nas salas de encontros íntimos das prisões. "As doses podem ser feitas para que não tenham nenhum problema. Mas mesmo assim há muitos receios", afirma Parés.

Odette Terol, doutora em psicologia clínica e forense, trabalhou com dezenas de agressores sexuais nos EUA, onde a castração química é aplicada há 17 anos em programas de liberdade condicional. Terol admite que os efeitos secundários --"depressão, irritabilidade, aumento das mamas, queda de pelos"-- podem gerar rejeição entre os detentos. "A substância inibe a produção de testosterona, e os internos se tornam muito andróginos. Alguns pensam que são menos homens e os rejeitam", diz a especialista. Terol salienta que, por ser um tratamento voluntário, muitos presos o abandonam. "Dois ou três meses depois desistem, porque, entre outras coisas, não gostam de ver que seus peitos aumentam." Se fosse obrigatório, acrescenta, "poderia funcionar melhor".

O debate sobre a castração foi motivado por casos de agressores sexuais que saíram da prisão sem estar reabilitados, o que causou um grande alarme social. Em setembro de 2007, José Rodríguez Salvador, conhecido como o violador de Vall d'Hebron, o fez, mas, um ano depois, o Tribunal Supremo ordenou que voltasse à prisão em aplicação da doutrina Parot. Em junho de 2008, Alejandro Martínez Singul, o segundo violador do Eixample, foi detido por um crime sexual um ano depois de sair da prisão.

Em 2009, quando a Generalitat apresentou o protocolo sobre castração química, "houve expectativas exageradas que não puderam ser satisfeitas", admite Parés. Outra causa do fracasso, diz ele, é que a medida é dirigida a um grupo demasiado reduzido de presos. Nas prisões da Catalunha há 755 detidos por crimes sexuais, 7% do total. A maioria só pratica o crime uma vez --a taxa de reincidência dos agressores sexuais é de 5,8%, muito abaixo da média dos reclusos, de 40%-- e por isso não cumprem os requisitos da iniciativa, dirigida a reincidentes com problema para controlar sua impulsividade. Tudo isso reduziu a lista de candidatos a 40 presidiários, que só podem participar se estiverem na fase final da pena.

À ausência de benefícios penitenciários se soma a "falta de informação" dos profissionais que deveriam executar o programa. Este foi planejado "das alturas", critica Parés. "Houve um deficit de participação e talvez não tenhamos explicado bem os prós e os contras." Nessas condições, conclui, o programa "está morto" a esta altura porque não é aplicado. "Não sei se os funcionários o levam em conta hoje em dia."

O governo catalão, porém, não vai suprimir o programa. "Tentaremos ressuscitá-lo", diz Parés. Uma das razões é que não custa nada: trata-se simplesmente de mantê-lo em catálogo. Caso algum preso se candidate, o custo é de 4.000 euros por ano: metade para as substâncias farmacêuticas e outra para as análises. Parés revisará as decisões do programa e se reunirá com os subdiretores de tratamento das prisões para estudar melhoras. "Vamos lhe dar outra oportunidade", diz Parés, que se dá uma margem de dois anos para comprovar os resultados. Se nenhum preso se candidatar então, diz, "talvez seja hora de aposentá-lo".

Cronologia de uma medida polêmica

- Abril de 2005. A Audiência de Palma de Mallorca rejeita o pedido de um violador reincidente, Sebastián Pol Bauzá (autor de 13 crimes de agressão sexual), de submeter-se à castração química.

- Agosto de 2007. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, anuncia que submeterá os violadores e pedófilos reincidentes à castração química. Isso é motivado pela violação de um menino de 5 anos por um pedófilo que acabava de sair da prisão, onde lhe haviam administrado Viagra.

- Setembro de 2007. Uma comissão independente de 14 peritos criada pelo Departamento de Justiça catalão para enfrentar a reincidência de violadores ao cumprir a pena começa a discutir a castração química. De forma paralela, a Audiência de Barcelona liberta José Rodríguez Salvador, conhecido como o violador de Vall d'Hebron, acusado de 17 agressões sexuais.

- Abril de 2008. A comissão de peritos propõe, entre outras medidas, a supressão hormonal reversível voluntária para os violadores que, ao deixar a prisão, não tenham se reabilitado. A comissão indica que deve ser voluntária.

- Setembro de 2009. O Departamento de Justiça aprova o protocolo sobre o "tratamento farmacológico coadjuvante" para os detidos condenados por violação. Fica claro que é uma medida voluntária para reduzir a produção de testosterona.

- Fevereiro de 2010. Depois de apresentar o projeto aos responsáveis por tratamento das prisões catalãs, a Justiça começa a busca de candidatos. Oferece o programa a cerca de 40 detidos. Nesse mês, a ex-conselheira Montserrat Tura anuncia que um deles está disposto a tomar os produtos químicos antes de sair da prisão, mas o homem acaba mudando de ideia.

- Março de 2012. A Generalitat propõe uma revisão crítica do programa depois de constatar a inatividade de dois anos. Pretende melhorar a formação dos responsáveis pelo tratamento e superar as dúvidas que o programa causa na maioria dos presos. O diretor dos presídios, Ramón Parés, cita as causas do fracasso: expectativas exageradas, programa seletivo demais, a preocupação dos réus sobre os efeitos secundários, ausência de benefícios penitenciários e falta de formação do pessoal.

Reportagem de Jesús Garcia para o jornal espanhol El País
foto:musicadogol.blogspot.com
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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