05/10/2011

Italianos do Sul retomam o caminho do exílio diante da crise e da pobreza

A história se repete, e isso é um mau sinal. Diante da crise e da pobreza, os italianos do Sul estão retomando o caminho da emigração. Nos últimos dez anos 58 mil pessoas deixaram o Mezzogiorno [sul da Itália]. Nápoles (Campanha) perdeu 108 mil habitantes, Palermo (Sicília) perdeu 29 mil, Bari (Puglia), 15 mil. Em 2010, 134 mil “terroni” (algo como “caipiras”, como os chamam os simpatizantes da Liga Norte) foram se se estabelecer ao norte da Península, e 13 mil atravessaram a fronteira para morar no exterior.
Esses números alarmantes foram publicados pelo Svimez, uma instituição que desde 1946 observa a economia do Mezzogiorno. “Se nada for feito, assistiremos a um verdadeiro tsunami demográfico”, conclui esse relatório.
A faixa dos 15 aos 34 anos representa a maior parte desse novo êxodo. Se a tendência não se reverter, serão somente 5 milhões deles, contra os 7 milhões de hoje, os que continuarão a viver no Mezzogiorno até 2050. Aqueles com mais de 75 anos representarão então 18,4% da população total, contra os 8,3% de hoje. As causas são evidentes. Enquanto o crescimento deve ser de 0,7% em 2011 para a Itália inteira, ele não passará de 0,1% no Sul, onde a taxa de ocupação dos jovens é de 31,7%. Somente a agricultura ainda oferece um pouco de atividade. Já a indústria corre o risco de ser pura e simplesmente extinta. O Svimez calcula que seria necessário investir 60 bilhões de euros para permitir que o Sul compense seu atraso. Embora o Estado, que se encontra endividado em 20% do PIB, tenha pouca verba e não muito mais vontade política, a União Europeia possui mais. Foram colocados 35 bilhões de euros à disposição da Itália para o período de 2007-2013 como ajuda às regiões desfavorecidas. Mas somente 33% dessa verba foi utilizada...
Não tínhamos todos esses números na cabeça quando fomos, na segunda-feira (19), à Casa do Cinema em Roma, para a projeção de “Ritals”, um documentário de Sophie e Anna-Lisa Chiarello, cuja transmissão deve ser disputada pelas emissoras de TV de ambos os lados dos Alpes. As irmãs Chiarello não foram muito longe para falar sobre imigração. Dos 30 milhões de italianos que deixaram o país em 150 anos, elas escolheram se interessar primeiramente por sua própria família: pai, mãe, tios e tias que, entre o final dos anos 1950 e 1960, deixaram Corsano (Puglia) para se estabelecerem em Enghien (Val-d’Oise).
Mas, indo além de uma simples crônica íntima, enriquecida por trechos de filmes de família em Super-8, “Ritals” conta também a dor frente ao exílio. Vincenzo e Maria, os dois principais protagonistas desse documentário terno e inspirado, lembram, diante da câmera de suas filhas, seus tempos de vacas magras (ele foi pedreiro, e ela, costureira) em um país, a França, não completamente hostil, mas não totalmente acolhedor para os “ritals” [apelido pejorativo para os imigrantes italianos na França]. Aqui, são os detalhes que revelam melhor do que as estatísticas do Svimez a dor nunca apagada do desenraizamento: o medo diante das árvores abundantes e opressoras da região de Île-de-France para Maria, que só conhecia até então os pinheiros e as oliveiras de Salento; a dificuldade quase insuperável para um italiano de ler a palavra “beaucoup” quando, na Itália, quatro letras bastariam para escrevê-la.
Vinte e cinco anos depois, os Chiarello fariam o caminho inverso para voltar a Corsano, de fortuna feita (não totalmente). Dos 30 milhões de emigrantes italianos, 10 milhões também fariam o caminho de volta ao país. Após centenas de domingos passados falando sobre o país, sentados à mesa, eles voltaram para a Puglia. Italianos demais para se sentirem franceses, eles se viram quase que franceses demais para continuarem sendo totalmente italianos. Biculturais para sempre, deslocados em todos os sentidos do termo, os Chiarello agora vivem “no meio do caminho”, misturando as línguas e as identidades, e fazendo cada vez mais idas e voltas. Ao mesmo tempo pessoal e universal, político e sentimental, “Ritals” nos mostra aquilo que os números não dizem. Partir é um sofrimento, voltar é outro.
Encontrar marcas e dar um rosto às estatísticas é também o objetivo do Cisei, o Centro de Estudos da Imigração de Gênova (Ligúria), de onde partiram cerca de dez milhões de italianos na direção do Brasil, da Argentina, dos Estados Unidos. Desde sua fundação, o Cisei já reuniu 3 milhões de fichas descritivas de migrantes. Reunidas em uma base de dados, elas podem ser consultadas na internet pelos “italianos do outro lado do mundo” e por seus descendentes, que são convidados a completá-las. Cartas, passaportes, fotografias, o Cisei recebe todos os testemunhos para “preservar a memória desse êxodo”, explica seu presidente Fabio Capocaccia. Um anexo do Museu do Mar e da Navegação de Gênova lhes será dedicado a partir do dia 19 de novembro, como uma espécie de Museu de Ellis Island ao contrário.
Estranhamente, embora a imigração em massa seja um dos eventos estruturadores da identidade italiana, não existe nenhum museu nacional, nenhuma fundação dedicada à questão. Repressão? Pudor? Um pouco de tudo isso, certamente. Sentimentos conflitantes demonstrados justamente pela letra de “Rital”, uma música escrita em 1983 por Claude Barzotti, que não é tão leve quanto parece: “Eu sou rital e vou continuar sendo/E na fala e no gesto/Suas estações se tornaram as minhas/Minha música é italiana/Sou rital em minhas raivas/Em minhas gentilezas e em minhas preces/Tenho a lembrança de minha espécie/Sou ritual e vou continuar sendo”.

Reportagem de Philippe Ridet
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2011/10/04/italianos-do-sul-retomam-o-caminho-do-exilio-diante-da-crise-e-da-pobreza.jhtm
Tradução: Lana Lim
foto:fimdostempos.net

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