21/09/2011

Jornal alemão analisa as eleições para o Congresso na Argentina

Com as eleições para o Congresso marcadas para domingo (28), os argentinos vão mostrar o que pensam da administração da crise pelo governo neste final de semana. A presidente Cristina Kirchner (foto dir.) vem fazendo campanha com estatísticas manipuladas, mas, com a economia afundando, é improvável que os eleitores sejam enganados.
Os negócios não estão bem em El Calafate. As lojas estão todas em liquidação, e os jovens passam seus dias nos cafés turísticos. O tempo está encoberto, e a chuva constante desanimou todos, menos alguns mochileiros brasileiros. "A crise chegou à Patagônia", disse Cristiano Romero, 28.
Há quatro anos, Romero mudou-se de Buenos Aires para El Calafate, no sul da Patagônia. Ele é guia turístico e seu negócio consiste em levar turistas ao Perito Moreno, a mais famosa geleira do país, a 70 km de distância. Os turistas normalmente fornecem uma boa fonte de renda; desde que o governo desvalorizou fortemente o peso, há sete anos, turistas do mundo todo vêm aos montes para a ponta sul da América do Sul. Mas isso é passado, agora que os turistas europeus deixaram de vir. A Argentina tornou-se cara demais para eles, depois que a inflação acabou com os benefícios de uma taxa de câmbio favorável.
O melhor hotel da cidade, o Los Sauces, na beira do lago Argentino, alimentado pela geleira, está vazio. Mas as luzes estão acesas em uma pequena cabine de madeira ao lado do hotel, onde dois policiais montam guarda. Um alto muro e uma fileira de álamos bloqueia a visão do terreno que os policiais estão protegendo, uma mansão roxa onde moram os habitantes eventuais mais proeminentes de El Calafate: a presidente Cristina Kirchner e seu marido, o ex-presidente Nestor Kirchner. Eles são donos da quadra toda.
Quando as luzes estão acesas na cabine de polícia, os vizinhos sabem que "a presidenta" está em casa, e as luzes têm estado acesas com certa frequência nos últimos meses. De fato, a presidente tem voado para seu refúgio a 2.700 km ao sul de Buenos Aires quase todo final de semana.
Visita à geleira
Os Kirchner construíram uma espécie de império imobiliário em El Calafate. A família presidencial é proprietária de metade da cidade, incluindo vários hotéis. Um deles é o Los Sauces, e a própria Cristina teria selecionado a mobília da luxuosa suíte Evita, nome do ícone argentino Evita Perón, mulher do ex-presidente Juan Domingo Perón, que governou o país nos anos 40 e 50, além de uma breve temporada nos anos 70. Alguns moradores de El Calafate alegam que a presidente usou seu avião oficial, o Tango1, para transportar os móveis da suíte de Buenos Aires para El Calafate. Dizem que seu marido, Nestor, tem um enorme terreno diante do lago e uma fábrica de asfalto. Seu antigo motorista e vários amigos são proprietários de outras casas e hotéis.
Graças ao turismo e aos Kirchner, El Calafate, que era uma vila esquecida na Patagônia, tornou-se uma pequena cidade pitoresca de 20.000 habitantes. Butiques de luxo cercam a rua principal e restaurantes locais cobram preços europeus.
A presidente Kirchner frequentemente arrasta seus convidados para uma visita ao Perito Moreno, uma dos poucas geleiras que ainda crescem, com uma impressionante altura de 60 metros. Entre os visitantes proeminentes estão o presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, o casal real espanhol e, recentemente, o presidente venezuelano Hugo Chávez e sua comitiva.
Desta vez, "a presidenta" está chegando da Tierra Del Fuego, onde visitou uma fábrica de eletrônicos em Ushuaia, ponta sul da América do Sul, e inaugurou a expansão do aeroporto local antes de partir para El Calafate. A Argentina está em época de eleições. Os cidadãos em várias partes do país vão votar em novos membros do Congresso Nacional no domingo, e assim também vão avaliar o desempenho de sua presidente. "Se Cristina perder a maioria, pode enfrentar uma crise como a de 2001", adverte seu marido Nestor, seu predecessor e quem teve a ideia de manter a presidência na família. "Então o país todo vai explodir".
Salvador da nação
A maior parte dos argentinos tem pesadelos com a séria crise de 2001, quando a economia desmoronou, o peso mergulhou e centenas de milhares de pessoas perderam seus empregos. Cinco presidentes chegaram e partiram no espaço de 10 dias, e Buenos Aires deu um sumário calote no pagamento da dívida externa. Desde então, o país tem tido dificuldades em conseguir qualquer empréstimo internacional.Nestor Kirchner, nativo da Patagônia e líder dos peronistas, tirou o país do caos e, apesar de seu sucesso, decidiu não concorrer novamente em 2007, enviando sua mulher para a disputa em seu lugar. Mesmo assim, ele ainda parece estar dando as cartas na Argentina. Na atual eleição, está  concorrendo a uma vaga representando a importante província de Buenos Aires. Quando debate com adversários políticos, tende a se retratar como salvador do país.Estatísticas manipuladas tiveram importante papel na campanha, com o governo pintando um retrato cor de rosa do desenvolvimento econômico da nação. "Estão mentindo para o povo sobre a verdadeira extensão da inflação", diz o economista José Luis Espert. Ele prevê uma queda de 9% na produção agrícola na segunda metade do ano. "Nossa recessão é fabricada em casa. Não tem nenhuma relação com a crise financeira global. O governo está tentando enganar os produtores agrícolas, nosso setor econômico mais importante."Durante sua presidência, Nestor Kirchner brigou com as poderosas associações de produtores  agrícolas, e o conflito tornou-se uma crise nacional no mandato de Cristina. Quando o governo tentou elevar a tarifa de exportação para produtos agrícolas no verão passado, os produtores argentinos entraram em greve por várias semanas.
Batalha com produtores rurais
A rota de colisão do governo com a agricultura criou profundas divisões em suas próprias fileiras. Em uma votação decisiva no Congresso, o vice-presidente Julio Cobos votou contra o governo e o aumento da tarifa não foi aprovado. Mas a briga com os fazendeiros está longe de terminada. Como o governo estabelece os preços da carne, cada vez mais produtores de gado estão mudando para o ramo mais lucrativo da soja. Impostos altos sobre a venda da soja, uma fonte importante de óleo vegetal, são um ponto chave da briga entre os fazendeiros e os Kirchner. Ao mesmo tempo, os agricultores foram recentemente afligidos pela pior seca em 50 anos, quando dezenas de milhares de cabeças de gado morreram de sede e as plantações secaram nos campos. Agora o país enfrenta a possibilidade de severa escassez de alimentos e especialistas prevêem que a Argentina, famosa por seus filés, terá que começar a importar carne em 2012.O conflito também dividiu os peronistas. Vários membros renegados do parlamento se uniram para formar um grupo dissidente de oposição à facção de Kirchner. O senador Carlos Reutemann, ex-governador peronista da província agrícola de Santa Fe, também retirou seu apoio à presidente. Ex-piloto de corrida e produtor de soja, Reutemann está de olho na presidência em 2011.A oposição não peronista também está ganhando impulso pela primeira vez e está atrelando suas esperanças a um nome famoso: Ricardo Alfonsín. O filho do ex-presidente Raul Alfonsín, que morreu em março, deve reanimar as perspectivas de seu partido, o tradicional União Cívica Radical (UCR), de conquistar a maioria. Com bigode e olhos caídos, ele parece uma versão mais jovem de seu famoso pai. "Podemos romper com o monopólio dos peronistas", assegurou Alfonsín aos repórteres.
Legado de Alfonsín
Depois da renúncia infame do ex-presidente Fernando de La Rua, que fugiu do palácio presidencial em um helicóptero durante a crise de 2001, o mais antigo partido do país caiu na irrelevância. A nação, contudo, ficou profundamente comovida com a morte do altamente reverenciado Alfonsín. Dezenas de milhares de pessoas choraram diante do caixão do ex-presidente, que levou o país para fora da ditadura nos anos 80. Agora, políticos de todos os matizes estão tentando se apropriar de seu legado.Enquanto isso, os Kirchner estão buscando o apoio da velha guarda peronista. Os porta-vozes da campanha incluem sindicalistas mafiosos e músicos populares como a cantora Nacha Guevara. Até o autocrático presidente venezuelano Hugo Chávez, admirador de Perón, recentemente expressou seu apoio aos Kirchner cercados de problemas. "Desejo-lhe sorte; é meu amigo", disse Chávez, referindo-se à candidatura de Nestor Kirchner ao Congresso.Chávez já havia salvado o casal antes. Durante a campanha presidencial de 2007, ele enviou uma mala com US$ 800.000 (em torno de R$ 1,6 milhão) para Buenos Aires, presumivelmente como contribuição pra a campanha de Cristina. Ele também investiu US$ 7 bilhões (em torno de R$ 14 bilhões) em bônus do governo argentino, resgatando o país de outra falência nacional. Chávez, contudo, saiu de mãos vazias durante sua mais recente visita, agora que enfrenta problemas próprios como resultado da queda temporária nos preços de petróleo. Ainda assim, Chávez e os Kirchner parecem se dar bem. Em El Calafate, a presidente e seu marido serviram carneiro assado e pastéis ao seu amigo Hugo.Chávez estava de ótimo humor. Ele posou para fotos com os cozinheiros e garçons, distribuiu autógrafos como um astro pop e admirou as geleiras locais. Quando se despediu, pediu duas garrafas do vinho artesanal patagônio de Cristina, um presente para "um amigo especial", disse Chávez: o líder doente de Cuba, Fidel Castro.
Dados sobre a eleição
Voto: Vinte e oito milhões de eleitores (entre 40 milhões de argentinos) devem renovar a metade da Câmara dos Deputados (257 assentos) e um terço do Senado (72 assentos) 
Maioria atual: A presidente peronista, Cristina Kirchner, eleita em 2007, e seu marido, Néstor Kirchner, chefe do Estado entre 2003 e 2007, até agora dispuseram de uma maioria absoluta, pelo Frente para a Vitória
Crise: Após sete anos de crescimento, a economia argentina entrou em recessão. Segundo os números do Instituto Nacional de Estatísticas e Recenseamento, o índice de inflação é de 7%, no lugar dos 21% registrados por fontes independentes
Pobreza: Entre 12 e 14 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, segundo a oposição e estudos independentes. O governo fala em 6 milhões de pobres.




Reportagem de Jens Glüsing para o jornal alemão Der Spiegel

http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2009/06/27/ult2682u1216.jhtm
Tradução: Deborah Weinberg
foto:noticias.r7.com

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