19/06/2011

Mercado de segurança militar privada movimenta US$ 100 bilhões por ano


As incoerências da sociedade moderna. Por um lado a luta por uma cultura de paz, pela substituição do litígio pela conciliação, pela reparação no lugar na pena meramente vingativa
 e por outro...



John Edward López, colombiano de 24 anos, é um dos numerosos ex-militares de seu país que nas últimas duas semanas responderam a uma peculiar oferta de emprego na Internet. Trata-se de trabalhar como mercenário nos Emirados Árabes Unidos durante pelo menos um ano. No anúncio se exige experiência em combate. López diz que a tem. "Estive no Guaviare e em Meta [zonas com presença das Farc]", e acrescenta que não tem medo do risco que poderia representar esse trabalho. O salário prometido é de US$ 2.550 por mês, cinco vezes mais do que ganhava até agora.
A palavra "mercenário" é tão polêmica quanto as atividades que o coletivo realiza pelo mundo. Chamem-se empreiteiras ou empresas de segurança militar privadas, estão em plena expansão e viveram sua própria bolha com as guerras do Afeganistão e Iraque. Entre 2001 e 2006 brotaram mais empresas e se consolidaram as grandes multinacionais americanas e britânicas, que controlam 70% do setor. Hoje o negócio movimenta US$ 100 bilhões anuais, segundo a ONU.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU discutiu recentemente em Genebra a necessidade de dotar essas empresas de um quadro legal internacional. De estabelecer com clareza, para todos os países, quais são as funções que podem desempenhar e quais correspondem exclusivamente aos governos. Na realidade, discutem o tema há anos. O principal obstáculo é a negativa ocidental (sobretudo da França, Reino Unido e EUA, onde ficam as principais companhias), que prefere autorregulamentação. A indústria também, claro.
José Luis Gómez del Prado, presidente do grupo de trabalho da ONU sobre o tema, que documentou desde 2006 dezenas de irregularidades cometidas por essas empresas, explica que "há um grande vazio legal. O problema é a falta de prestação de contas das empresas, apesar de serem contratadas por um governo com os impostos do contribuinte. O exemplo mais claro é a Blackwater". Em 16 de setembro de 2007, um grupo de empregados dessa empresa, que hoje se chama Xe Services, diante da suspeita de um ataque da insurgência, disparou contra civis na concorrida Praça Nisour em Bagdá. Mataram 17 pessoas e feriram 24. Esse fato provocou indignação dos iraquianos e simbolizou a impunidade que representa a privatização da guerra. Ninguém foi condenado ainda por esses fatos. Um emaranhado legal e jurídico o impediu, até que em abril um tribunal dos EUA reabriu o caso.
Um dos temores da ONU é que "se usem mercenários ou se recorra a essas empresas para reprimir movimentos pró-democráticos", como aponta Gómez del Prado. Na Líbia, Muammar Gaddafi utilizou mercenários africanos para tentar sufocar a revolta interna que desembocou na guerra civil. Alguns deles, capturados pelos rebeldes, explicaram à agência Reuters que as autoridades líbias os enganaram ou os recrutaram à força e lhes deram armas. A Al Jazira filmou há duas semanas um grupo de ocidentais armados falando com os rebeldes na primeira linha de fogo perto de Misrata. No dia seguinte, "The Guardian" informou que eram ex-militares britânicos que ajudavam a Otan a identificar alvos para bombardeios.
O episódio é confuso. Mas parece verossímil que em um país do qual se apoderou o caos, quase sem controle de fronteira no leste, se infiltrem espiões e companhias de segurança militar privadas, que encontraram na Líbia um novo hábitat. O SGSI Group é uma delas. Seu fundador e gerente, Víctor González Moreno, 41 anos, afirma que está em Benghazi há alguns meses. Explica que tem 50 trabalhadores ali e que se dedicam a adestrar no uso das armas o improvisado exército que tenta derrubar Gaddafi. Afirma, através de uma conversa entrecortada pelo Skype, que já treinaram cerca de 1.500 homens. O SGSI Group foi fundado em 1997 com capital espanhol, mas está radicado em Gibraltar. Seu assessor de imprensa, Mar Monsoriu, afirma que têm um campo de treinamento em Cesareia, Israel. O diretor da SGSI salienta que não cobram para treinar os civis líbios. Mas confia que seja um investimento no futuro: "Não digo que quando passar a tormenta não vamos ficar em muito boa situação com os possíveis novos clientes".
Nesse negócio é importante a nacionalidade e a formação. Nas tarifas internacionais que o grupo de trabalho da ONU manipula em relação às empreiteiras no Iraque, um ex-Navy Seal dos EUA, um ex-legionário francês ou um britânico ganham até 30 vezes mais (cerca de US$ 30 mil por mês) que um hondurenho, um indiano ou um peruano, que ganhariam cerca de 1 mil euros.
Os mercenários não só trabalham em guerras nem só para empresas. A própria ONU contrata segurança privada para proteger seu pessoal ou seus edifícios, assim como ONGs ou jornalistas em áreas de conflito. As empresas de segurança militar conseguiram tornar-se necessárias nos locais onde os Estados preferem olhar para o outro lado ou é caro demais atuar.


Reportagem de Silvia Blanco para o jornal espanhol El País
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/elpais/2011/06/18/mercado-de-seguranca-militar-privada-movimenta-us-100-bilhoes-por-ano.jhtm
foto:cinepipocacult.com.br

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