A falta de uma das três drogas usadas na maioria das injeções letais causou uma confusão enquanto os governos estaduais a procuravam de forma desesperada e às vezes furtiva, correndo o risco de entrar em conflito com as leis federais de narcóticos.
Ao mesmo tempo, isso deu aos oponentes da pena de morte novos argumentos para entrarem com processos para impedir as execuções.
Até recentemente, os estados que usavam a droga, o barbitúrico tiopentato de sódio, recebiam-na de um fornecedor norte-americano, a Hospira Inc. Mas a companhia parou de fabricar a droga em 2009 por causa de problemas de manufatura e anunciou este ano que interromperá definitivamente as vendas. A pressão internacional sobre os fornecedores por parte de grupos contrários à pena de morte restringiu ainda mais o acesso à droga. Os Estados precisam encontrar uma nova fonte, mas a importação de tiopentato de sódio é altamente restrita pela lei federal.
Documentos divulgados recentemente e extraídos de processos em muitos estados revelam a intensa comunicação entre os sistemas de prisão para ajudarem uns aos outros a obter o tiopentato de sódio, que chegou a formar um clube de trocas legalmente questionável entre as prisões, para garantir que cada uma delas tem a droga quando ela é necessária para uma execução.
Segundo depoimentos de autoridades do Arkansas, Wendy Kelley, vice-diretora do Departamento de Correção, disse que obteve tiopentato de sódio de uma companhia inglesa depois de ouvir falar sobre ela por meio de funcionários do departamento de correção da Geórgia. Seu estado, diz ela, em vários momentos forneceu a droga para o Mississippi, Oklahoma e Tennessee sem cobrar nada, e obteve a droga do Texas – ela mesma viajou para Huntsville – e do Tennessee.
“Eu fui para onde estava a droga”, disse Kelley. “Pelo que eu sei, segundo o acordo que meu diretor tinha com outros diretores, sempre que havia uma troca, ela era retribuída quando necessário.”
Quando o Kentucky começou a buscar drogas para execução este ano, a comissária de correção do estado, LaDonna Thompson, escreveu num memorando que havia contatado departamentos da Geórgia, Nebraska, Dakota do Sul e Tennessee. Um oficial da Geórgia “me indicou um distribuidor na Geórgia que ele achava que teria um estoque”, escreveu ela, acrescentando que tinha recebido informações sobre “uma organização na Índia”, a Kayem Pharmaceuticals. (Essa companhia interrompeu os envios para os EUA na semana passada sob pressão internacional.)
Bradford A. Berenson, advogado de Washington que, em defesa dos presos na fila da morte, pediu ao FDA (departamento responsável por alimentos e medicamentos dos EUA) e ao promotor-geral, Eric Holder, que proibissem a importação de drogas de execução não aprovadas nos EUA, disse que os estados têm sido “muito negligentes com as fronteiras legais” quanto à compra e importação de drogas poderosas como o tiopentato de sódio. Eles agem como se, “uma vez que isso está relacionado à pena de morte, está de certa forma isento de todas as regras normais”, disse Berenson. “Mas para a lei, isso não é verdade.”
Os estados chegaram a tomar medidas notáveis para obter as drogas, sugerem os documentos.
Funcionários de uma prisão na Geórgia estavam claramente ficando ansiosos no verão passado à medida que seu estoque de tiopentato de sódio perdia a validade e um carregamento da Inglaterra ficou bloqueado durante semanas em Memphis. Agentes da alfândega haviam detido o pacote que precisava de inspeção do FDA. Em 6 de julho, um funcionário do departamento de correção enviou um e-mail agressivo para um colega, perguntando: “alguma notícia?”
A resposta foi: “nós recebemos notícia, mas não uma 'boa' notícia”. O carregamento ainda estava sendo detido. “Eu continuo acompanhando o pacote várias vezes por dia.”
Então os funcionários tentaram uma nova tática, segundo os documentos: em vez de passar pelos canais normais de pedir a droga por meio de uma companhia de saúde da Geórgia e de uma farmácia local, será que a companhia britânica não podia simplesmente enviá-la diretamente ao departamento?
O dono da Dream Pharma, um vendedor que abandonou os escritórios do departamento de trânsito de Londres, respondeu: “fico feliz em ajudar”. Matt Alavi, o dono, também alertou que uma certa transportadora era “muito rígida com a alfândega dos EUA”.
Um oficial de correção da Geórgia aprovou o negócio - “sim, pode ir em frente”- com instruções para enviar um carregamento com data de validade longa, e as drogas logo estavam a caminho dos EUA.
Essa abordagem pode ter burlado as leis federais de drogas, disse John Bentivoglio, ex-associado do vice-promotor geral, numa carta de fevereiro a Holder, em nome de um prisioneiro da fila da morte da Geórgia, Andrew Grant DeYoung. A Administração Anti-Drogas confiscou as drogas da Geórgia no mês passado, e este mês o Kentucky e o Tennessee também entregaram as suas.
“Acho que é muito razoável esperar que um órgão de justiça estadual, como um departamento de correção, obedeça a lei federal”, disse Bengivoglio numa entrevista.
Outros documentos mostram uma cooperação próxima entre os estados. Um carregamento de tiopentato de sódio do Arizona para San Quentin aparecia em quase mil páginas de documentos divulgados pela ACLU do norte da Califórnia no ano passado. Eles mostram e-mails de Scott Kernan, sub-secretário de operações do Departamento de Correção e Reabilitação da Califórnia, contando para auxiliares sobre uma “missão secreta e importante” e alertando que era algo “muito político e delicado para a mídia.”
Kernan enviou uma nota de agradecimento para Charles Flanagan, vice-diretor do Departamento de Correções do Arizona, que dizia: “vocês do Arizona salvaram minha vida”, e acrescentou: “pago uma cerveja da próxima vez que for para aí.”
Quando o Arizona encomendou seu próprio carregamento em setembro, de acordo com os documentos, o estado trabalhou de perto com a Alfândega e autoridades do FDA para evitar o tipo de atraso que causou problemas à Geórgia, e garantir que o porto de entrada fosse Phoenix, onde seu próprio intermediário poderia ajudar. Os carregamentos foram rotulados como para uso veterinário, que, segundo os advogados dos prisioneiros, foi para que as drogas passassem por uma vistoria regulatória mais leve.
“Baseado em nossa revisão dos documentos divulgados pelas agências federais, parece que havia a intenção de engano premeditado”, disse Dale Baich do escritório do defensor público federal no Arizona. “Alguém fez um plano para burlar o processo que teria impedido que as drogas passassem da fronteira.”
Kent Cattani, conselheiro chefe de pena de morte no escritório do promotor geral do Arizona, chamou a acusação de “absurda”, e citou a correspondência com o FDA desde dezembro, que afirmava explicitamente que as drogas eram necessárias “para cumprir uma ordem de execução”.
Representantes do FDA, da Administração Anti-Drogas e do Departamento de Justiça disseram que as políticas das agências não permitem comentar sobre processos pendentes.
Até a escassez da droga, a rotina das injeções letais era um processo relativamente estabelecido. Os estados não permitiam muita mudança por medo de se desviarem muito das práticas que foram declaradas constitucionais. O protocolo das três drogas usado amplamente durante um quarto de século é constituído pelo tiopentato de sódio ou um sedativo semelhante, o pentobarbital, para deixar o prisioneiro inconsciente. Uma segunda droga, o brometo de pancurônio, provoca a paralisia e a terceira, o cloreto de potássio, para o coração.
Defensores da pena de morte criticam os desafios recentes como outra tática de postergação numa longa história de contestações em que vale tudo. Kent Scheidegger, diretor legal da Fundação Legal para a Justiça Criminal na Califórnia, disse que os conflitos “parecem acelerar a mudança para o pentobarbital”, que é mais facilmente disponível, mas também mostra as vulnerabilidades inerentes à injeção letal. Ele recentemente pediu para que se volte a utilizar a câmara de gás, usando gases não tóxicos que deslocariam o oxigênio da câmara.
Douglas Berman da Universidade Estadual de Ohio, especialista em condenações e punições, disse que os recentes desafios legais em relação às drogas da pena de morte são mais do que um simples inconveniente para o processo. “Essa confusão é um obstáculo para desacelerar”, disse ele, “mas levanta questões sérias sobre a pena de morte”. O principal problema por trás das trocas entre funcionários estaduais, disse Berman, é o que os empecilhos no processo revelaram sobre a natureza temperamental do que os abolicionistas da pena de morte chamam de “máquina da morte”.
Texto de John SchwartzTradução: Eloise De Vylder (New York Times)
foto: enciclopedia.com.pt
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