23/03/2010

Juiz espanhol Baltazar Garzón é alvo de 3 ações na Justiça


MADRI - Baltazar Garzón é o valente juiz defensor da democracia, da justiça e dos direitos humanos. Mas também é o juiz midiático, ególatra que escolhe os casos com a finalidade de ser o protagonista. Tudo depende de quem opina. Num país polarizado entre esquerda e direita, entre socialistas e "populares" (o conservador Partido Popular), com Garzón não é diferente. Mundialmente conhecido por mandar prender o ex-ditador chileno Augusto Pinochet, o magistrado tem admiradores e inimigos. De investigador passou a ser investigado: contra ele tramitam três ações penais por prevaricação (crime de funcionários públicos que deixam de praticar ou retardam atos, ou os praticam contra disposição legal, em benefício próprio). Especialistas garantem que é uma clara perseguição para obrigá-lo a pendurar a toga.
- Pela primeira vez, o Tribunal Supremo abriu causas penais contra Garzón. É muito significativo que coincidam três causas e que, além do mais, sejam bem diferentes - opina o catedrático de Direito Constitucional e Ciências Políticas Enoch Alberti, decano da Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona. - Eu acredito que existe, sim, uma campanha de alguns setores políticos para expulsá-lo.
Garzón está sendo acusado, primeiro, por ter aberto uma investigação contra o franquismo; segundo, por ter supostamente recebido dinheiro de um banco espanhol como patrocínio de um curso que deu em Nova York e, mais tarde, ter favorecido judicialmente este mesmo banco; e terceiro, por ter usado escutas telefônicas para conhecer a conversa entre advogados e réus em prisão por um escândalo de corrupção no seio do Partido Popular de Madri, Valência e Galícia.
- É um disparate. As duas primeiras ações não têm a menor base. Sobre a terceira, em minha opinião, as conversas são nulas. Mas a nulidade não tem porque ser, necessariamente, indicativo de um crime de Garzón. Quando há uma vulneração dos direitos fundamentais, pode-se discutir se houve ou não crime. Mas isso é bem mais complicado, e este processo ainda está em fase embrionária. É preciso saber bem como e por que essas conversas foram gravadas - explica Joan Queralt, catedrático de Direito Penal.
'O objetivo é tirar Garzón do Poder Judiciário'
A direita e setores antidemocráticos, segundo os defensores do juiz - que teve uma breve carreira política, sendo eleito deputado, em 1993, pelo Partido Socialista- estariam por trás do suposto ataque judicial. O Partido Popular, em comunicado, disse considerar o auto do Tribunal Supremo contra Garzón "um avanço no Estado de Direito, que reforça e devolve a confiança na Justiça e no Poder Judiciário, porque demonstra que não há impunidade para ninguém que pretenda usar a lei de forma arbitrária". No entanto, o ostracismo a que muitos acusam os conservadores de quererem condenar o famoso magistrado parece ter efeitos colaterais contrários ao que diz o PP: põe sob os holofotes a autonomia da própria Justiça espanhola.
- Há uma composição plural contra Garzón. No Poder Judiciário espanhol, por exemplo, aflorou claramente o legado franquista. Há juízes que não universalizaram o conceito dos direitos humanos - opina Julián Casanova, professor de História Contemporânea da Universidade de Zaragoza. - Garzón se meteu com o ETA, com mafiosos, traficantes, corrupção política e a ditadura franquista. Há muita gente dentro do Poder Judiciário que não suporta que ventilem essas coisas, e eles estariam mais cômodos com uma Justiça mais dócil, mais domesticada, que não enfrentasse o franquismo na política atual.
Casanova, prestigioso historiador com uma dezena de livros publicados, foi nomeado integrante da chamada Comissão Garzón, constituída em 2008 pelos familiares das vítimas do franquismo, a pedido do juiz, para assessorá-lo nas investigações. A ação apresentada pelo sindicato de funcionários públicos, de extrema-direita, acusa Garzón de prevaricação por exceder sua jurisdição ao investigar os crimes da ditadura de Franco (1939-75). Garzón é juiz da Audiência Nacional, tribunal espanhol que investiga delitos contra a Coroa, contra membros do Governo, crimes de terrorismo e narcotráfico, e contra a Humanidade. Antes que o Supremo admitisse em trâmite esta causa contra ele, Garzón já havia cessado suas investigações, entregando o caso aos juizados regionais.
- O objetivo deste processo não é esclarecer se Garzón era ou não competente para julgar esses crimes e, sim, tirá-lo do Poder Judiciário. Garzón incomoda, porque trabalha em processos com grande impacto internacional, entre eles importantes ações de democratização da sociedade espanhola - afirma Casanova.
Suspensão na iminência de ser decretada
O eco a favor de Garzón se escuta dentro e fora da Espanha. Artistas, intelectuais, políticos de esquerda e membros do governo socialista vêm mostrando apoio. As argentinas Avós da Praça de Maio divulgaram um comunicado dizendo que esperam que o Supremo arquive os processos: "Para o bem de todas as sociedades do planeta, Garzón deve continuar trabalhando em sua luta contra os crimes de lesa-Humanidade". Em Nova York, a organização Human Rights Watch também se pronunciou: "Preocupa-nos que um juiz que fez tanto pela justiça no mundo, quando decide enfrentar as injustiças cometidas no seu próprio país, se veja como alvo de um ataque".
A suspensão cautelar de Garzón, de 55 anos, pode ser decretada a qualquer momento.
- Ele ficaria suspenso até que o condenem ou o absolvam, ou seja, o tempo que seus perseguidores queiram. Porque é um ajuste de contas entre o setor de direita da Justiça e um juiz que resolveu mexer no franquismo - sentencia o catedrático em Direito Penal Joan Queralt. 


Priscila Guilayn - Correspondente
fonte: http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2010/03/20/celebre-por-casos-rumorosos-de-direitos-humanos-espanhol-baltazar-garzon-vira-alvo-de-3-acoes-na-justica-916127864.asp

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