
- Pela primeira vez, o Tribunal Supremo abriu causas penais contra Garzón. É muito significativo que coincidam três causas e que, além do mais, sejam bem diferentes - opina o catedrático de Direito Constitucional e Ciências Políticas Enoch Alberti, decano da Faculdade de Direito da Universidade de Barcelona. - Eu acredito que existe, sim, uma campanha de alguns setores políticos para expulsá-lo.
Garzón está sendo acusado, primeiro, por ter aberto uma investigação contra o franquismo; segundo, por ter supostamente recebido dinheiro de um banco espanhol como patrocínio de um curso que deu em Nova York e, mais tarde, ter favorecido judicialmente este mesmo banco; e terceiro, por ter usado escutas telefônicas para conhecer a conversa entre advogados e réus em prisão por um escândalo de corrupção no seio do Partido Popular de Madri, Valência e Galícia.
- É um disparate. As duas primeiras ações não têm a menor base. Sobre a terceira, em minha opinião, as conversas são nulas. Mas a nulidade não tem porque ser, necessariamente, indicativo de um crime de Garzón. Quando há uma vulneração dos direitos fundamentais, pode-se discutir se houve ou não crime. Mas isso é bem mais complicado, e este processo ainda está em fase embrionária. É preciso saber bem como e por que essas conversas foram gravadas - explica Joan Queralt, catedrático de Direito Penal.
'O objetivo é tirar Garzón do Poder Judiciário'
A direita e setores antidemocráticos, segundo os defensores do juiz - que teve uma breve carreira política, sendo eleito deputado, em 1993, pelo Partido Socialista- estariam por trás do suposto ataque judicial. O Partido Popular, em comunicado, disse considerar o auto do Tribunal Supremo contra Garzón "um avanço no Estado de Direito, que reforça e devolve a confiança na Justiça e no Poder Judiciário, porque demonstra que não há impunidade para ninguém que pretenda usar a lei de forma arbitrária". No entanto, o ostracismo a que muitos acusam os conservadores de quererem condenar o famoso magistrado parece ter efeitos colaterais contrários ao que diz o PP: põe sob os holofotes a autonomia da própria Justiça espanhola.
- Há uma composição plural contra Garzón. No Poder Judiciário espanhol, por exemplo, aflorou claramente o legado franquista. Há juízes que não universalizaram o conceito dos direitos humanos - opina Julián Casanova, professor de História Contemporânea da Universidade de Zaragoza. - Garzón se meteu com o ETA, com mafiosos, traficantes, corrupção política e a ditadura franquista. Há muita gente dentro do Poder Judiciário que não suporta que ventilem essas coisas, e eles estariam mais cômodos com uma Justiça mais dócil, mais domesticada, que não enfrentasse o franquismo na política atual.
Casanova, prestigioso historiador com uma dezena de livros publicados, foi nomeado integrante da chamada Comissão Garzón, constituída em 2008 pelos familiares das vítimas do franquismo, a pedido do juiz, para assessorá-lo nas investigações. A ação apresentada pelo sindicato de funcionários públicos, de extrema-direita, acusa Garzón de prevaricação por exceder sua jurisdição ao investigar os crimes da ditadura de Franco (1939-75). Garzón é juiz da Audiência Nacional, tribunal espanhol que investiga delitos contra a Coroa, contra membros do Governo, crimes de terrorismo e narcotráfico, e contra a Humanidade. Antes que o Supremo admitisse em trâmite esta causa contra ele, Garzón já havia cessado suas investigações, entregando o caso aos juizados regionais.
- O objetivo deste processo não é esclarecer se Garzón era ou não competente para julgar esses crimes e, sim, tirá-lo do Poder Judiciário. Garzón incomoda, porque trabalha em processos com grande impacto internacional, entre eles importantes ações de democratização da sociedade espanhola - afirma Casanova.
Suspensão na iminência de ser decretada
O eco a favor de Garzón se escuta dentro e fora da Espanha. Artistas, intelectuais, políticos de esquerda e membros do governo socialista vêm mostrando apoio. As argentinas Avós da Praça de Maio divulgaram um comunicado dizendo que esperam que o Supremo arquive os processos: "Para o bem de todas as sociedades do planeta, Garzón deve continuar trabalhando em sua luta contra os crimes de lesa-Humanidade". Em Nova York, a organização Human Rights Watch também se pronunciou: "Preocupa-nos que um juiz que fez tanto pela justiça no mundo, quando decide enfrentar as injustiças cometidas no seu próprio país, se veja como alvo de um ataque".
A suspensão cautelar de Garzón, de 55 anos, pode ser decretada a qualquer momento.
- Ele ficaria suspenso até que o condenem ou o absolvam, ou seja, o tempo que seus perseguidores queiram. Porque é um ajuste de contas entre o setor de direita da Justiça e um juiz que resolveu mexer no franquismo - sentencia o catedrático em Direito Penal Joan Queralt.
Priscila Guilayn - Correspondente
fonte: http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2010/03/20/celebre-por-casos-rumorosos-de-direitos-humanos-espanhol-baltazar-garzon-vira-alvo-de-3-acoes-na-justica-916127864.asp
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