A reforma do Ensino Médio que foi aprovada em fevereiro deste ano pelo Congresso, após ter sido apresentada às pressas como Medida Provisória em setembro passado pelo Governo Temer, traz mais indagações do que certezas sobre o futuro da educação brasileira. O seminário Novo Ensino Médio e os Desafios da Implementação, organizado pelo EL PAÍS e pela fundação Santillana em São Paulo ontem (19), reuniu especialistas da área que elencaram estas incertezas e refletiram sobre os obstáculos que o Brasil enfrentará para melhorar sua educação básica a partir do que foi aprovado pelo Congresso. Nenhum deles apresentou respostas. Mas todos coincidiram em que o novo Ensino Médio não será implementado a curto prazo, mas que sua construção, além de possível, só pode ser feita engajando os alunos neste processo. “Sem ouvir os alunos vamos fazer uma escola que não funciona”, disse Valéria de Souza, coordenadora de Gestão Básica de São Paulo.
Em resumo, a mudança aprovada prevê que 60% da grade curricular será composta por disciplinas obrigatórias e 40% serão optativas. No meio do curso, os alunos terão que escolher entre cinco áreas linguagem e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas ou formação técnica profissional. Além disso, a carga horária aumentará das atuais 800 horas anuais para 1.400 horas. "Como podemos empoderar as famílias e alunos para que possam fazer suas escolhas?", questionou Ivan Cláudio Pereira Siqueira, vice-presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE). Ele também acredita que todas as opções acima não estarão disponíveis em todos os Estados e escolas públicas. "Somos um país de muitos países. O Brasil não é São Paulo". Há 2,5 milhões de crianças e adolescentes que estão fora da escola, das quais 1,5 milhão têm entre 15 e 17 anos. "Há municípios com uma só escola e o aluno demora três horas de barco para ir e três horas para voltar. Às vezes ele chega e o professor faltou. O que podemos fazer por ele?", indaga Siqueira.
O especialista acrescenta que a reforma pode ser considerada um progresso tendo em vista que chega com "mais de 40 anos de atraso". Ao mesmo tempo, acredita que muitas de suas diretrizes podem ser um retrocesso. Sua maior crítica foi para o aumento da carga horária. "Como vamos fazer isso? Com que recursos? Precisamos mesmo aumentar a carga horária para melhorar? Isso é um atraso. Não é o que estudos indicam. É uma questão de qualidade, e não de tempo", argumentou.
Já Júlio Gregório Filho, secretário de Educação do Distrito Federal, se mostrou otimista com a perspectiva de que, com a reforma, os alunos poderão ser mais "pró-ativos" e "empreendedores". "Tive um grupo de cinco alunos que queria se aprofundar em Guimarães Rosa. E eu acho bom que ele troque uma parte de química por Guimarães Rosa", explica ele, que também é professor de química. O secretário acredita que a escola do futuro deve apostar na vocação do aluno e no aprofundamento de determinadas disciplinas escolhidas por ele. O Ensino Médio hoje conta com 13 matérias, todas ensinadas de modo superficial mas de forma intensa, com o objetivo que o aluno passe no ENEM, segundo explica. "Temos que perguntar para o aluno: você quer estudar esse tanto de matemática?"
O Ensino Médio hoje conta com 8 milhões de alunos em todo o país, sendo que 87% estão na rede pública, segundo dados do Ministério da Educação. Alguns deles estavam presentes no seminário e expuseram suas dúvidas e receios aos palestrantes. "As escolas têm estrutura para fazer as reformas?" "O que adianta eu escolher algumas matérias se logo a Fuvest e o ENEM pedem todas?" "É justo o horário integral para todos? O que acontece com os que trabalham para ajudar a família?" "O que muda no ensino fundamental?" "Que suporte a escola pode dar para que os alunos façam suas escolhas"?
A última palestra do evento, que reuniu quatro educadoras que trabalham na coordenação do Ensino Médio dos Estados de São Paulo, Goiás, Bahia e Santa Catarina, abordou essas e outras questões. Tereza Santos Farias, da Bahia, aposta no "protagonismo juvenil" na construção desse novo Ensino Médio, mas faz uma ressalta: "O ativismo é importante, mas precisamos passar por um debate mais qualificado". Ela explica que no passado a escola pública tinha mais qualidade porque era reservada para poucos, mas que a universalização impôs uma queda na qualidade geral do sistema. Agora, diz ela, é preciso buscar o financiamento adequado para que a qualidade do ensino dê um salto. Para formar cidadãos e cidadãs. "Muitas vezes paira na cabeça do professor que o estudante de escola pública não tem projeto de vida, que é um pobre coitado que aceita qualquer coisa. Precisamos romper com isso".
Reportagem de Felipe Betim
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/19/politica/1495213037_895447.html
foto:http://jestudante.blogspot.com.br/2011/06/charges-da-educacao-brasileira.html
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