20/04/2017

Às vésperas da eleição, radicais da esquerda e da direita somam quase metade das intenções de voto na França

Pela primeira vez em uma eleição presidencial francesa, dois candidatos extremistas e populistas têm grandes chances de chegar ao segundo turno, neste que é o pleito mais imprevisível e marcado por reviravoltas da história recente do país.
Em questão de meses, candidatos da elite política do país - como o ex-presidente Nicolas Sarkozy e o ex-primeiro-ministro Alain Juppé -, se viram fora da corrida (eliminados em eleições primárias) e, após escândalos, o jogo dos favoritos acabou sendo reembaralhado algumas vezes.
Marine Le Pen, da Frente Nacional (extrema-direita), e Jean-Luc Mélenchon, do movimento França Insubmissa (extrema-esquerda), totalizam mais de 40% das intenções de voto para o primeiro turno do próximo domingo, apontam pesquisas.
Somados aos "nanicos", de esquerda e de direita, candidatos de perfil radical somam praticamente 50% das preferências do eleitor francês, indicam sondagens.
Até mesmo os dois candidatos que representam os partidos tradicionais que dominam a vida política francesa há décadas - Benoît Hamon, do Partido Socialista (ou PS, centro-esquerda), e François Fillon, do conservador Republicanos (centro-direita) - representam as alas mais radicais de seus respectivos campos políticos.
Trata-se do pleito mais imprevisível dos últimos 50 anos. Quatro candidatos - Le Pen, Fillon, Mélenchon e o centrista Emmanuel Macron - têm chances de passar para o segundo turno, em 6 de maio.
Macron foi ministro da Fazenda do atual presidente, François Hollande (Partido Socialista), e rompeu com o governo.
Herdeira do patriarca da extrema direita francesa, Jean-Marie Le Pen, Marine Le Pen divide a liderança das pesquisas com Macron, em empate técnico, com 22% a 24% das intenções de voto, embora tenha registrado leve queda nas pesquisas na reta final da campanha.
A vantagem de Macron e Le Pen é pequena em relação a Mélenchon e Fillon, também em empate técnico e que alternam a terceira colocação, com 18% a 20% dos votos.
Ou seja, todas as combinações são possíveis para o segundo turno, inclusive uma disputa final entre os dois "extremos": Le Pen e Mélenchon.

Candidatos antissistema

Para especialistas, o avanço de Le Pen e Mélenchon é consequência do desgaste da elite política e das siglas - PS e Republicanos - que se alternam no poder na França desde o início dos anos 1980.
Pela primeira vez, socialistas e republicanos, que dominavam mais de metade dos votos no país, correm o risco de ficar, ao mesmo tempo, fora do segundo turno em uma disputa presidencial.
Para Martial Foucault, diretor do Centro de Pesquisas Políticas da Universidade Sciences Po de Paris, a opção por Le Pen ou por Mélechon representa um gesto de protesto diante dos problemas do país.
"Os franceses preferem se refugiar em votos de protesto ou de radicalização. Isso não significa adesão total aos projetos de sociedade de Le Pen ou Mélenchon", afirma.
Para o cientista político, trata-se de uma "mensagem clara" aos partidos tradicionais: eles não são donos do poder.
Os dez anos de governo do conservador Nicolas Sarkozy (2007-2012) e do socialista François Hollande (que assumiu em 2012), que bateu recordes de impopularidade, frustraram os franceses.
Um dos principais problemas do país é o desemprego, que permanece elevado, em 10%. A economia vem crescendo pouco, apenas 1,1% em 2016, índice inferior à média europeia, de 1,9%.
Nesse cenário, parte do eleitorado vem se concentrando em torno de partidos que denunciam os supostos "vilões" da situação: o sistema político, a globalização, a Europa e os imigrantes.
Nessa campanha, todos os candidatos, inclusive de partidos alinhados ao governo, denunciam o "sistema" em discursos.
Le Pen e Mélenchon, por exemplo, embora em campos opostos, disputam o eleitorado operário e apresentam várias medidas semelhantes em seus programas de governo, como a defesa da saída da França da União Europeia, o chamado "Frexit", e da Otan (aliança militar ocidental).
Ambos defendem ainda a volta da idade mínima da aposentadoria para 60 anos, em vez dos 62 atuais, a revogação da nova lei trabalhista e o protecionismo econômico,além da realização de plebiscitos, sobre, por exemplo, a saída da França da União Europeia.
Também se dizem próximos ao presidente russo, Vladimir Putin, e defendem uma reaproximação com a Rússia.

Avanço dos extremos

Também conhecido pelas iniciais JLM, Mélenchon deixou o Partido Socialista em 2008. É o candidato que mais cresceu nas pesquisas nesta reta final, com aumento de cerca de oito pontos percentuais no último mês.
Com forte presença nas redes sociais e discursos antiglobalização e crítico à elite política, o líder do movimento França Insubmissa tem atraído grande fatia do eleitorado jovem (44% dos eleitores de 18 a 24 anos, segundo pesquisa Ipsos para o jornal Le Monde), que costuma se abster nas urnas em grandes percentuais.
O candidato lançou até mesmo um videogame, "Fiscal Kombat", onde se transforma em herói que arranca sacos de dinheiro dos "oligarcas" (personagens como Sarkozy ou a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional, a francesa Christine Lagarde) para permitir a distribuição mais justa de riqueza.
Antes mobilizado contra Le Pen, o presidente Hollande passou a atacar também Mélenchon, afirmando que é necessário lutar "contra todos os populismos na Europa".
"Ele (Mélenchon) não representa a esquerda que eu considero como capaz de governar, e tem aptidões que caem no simplismo", declarou Hollande.
Le Pen, por sua vez, busca suavizar a imagem da Frente Nacional desde que assumiu a liderança da sigla, em 2011, procurando afastar o rótulo de partido racista e homofóbico. Mas mantém o discurso radical em temas como imigração - disse que proporá uma moratória sobre a imigração legal imediatamente após sua eventual eleição, até definir novas leis mais rigorosas.
O programa da líder da FN prevê reduzir drasticamente a imigração legal na França de cerca de 200 mil pessoas por ano, atualmente, para apenas 10 mil.
O socialista Hamon faz campanha voltada para o campo antiliberal do partido e, com isso, perdeu o apoio de grande parte dos sociais-democratas, como o ex-premiê Manuel Valls, derrotado nas primárias da sigla e que declarou que irá votar no centrista Emmanuel Macron.
Hamon tem apenas cerca de 8% nas pesquisas. Se confirmado, será o pior resultado do Partido Socialista em décadas.
O conservador Fillon, mais à direita entre os conservadores, é ultraliberal e tem o apoio de movimentos católicos. Seu perfil desagrada parte dos centristas, historicamente ligados à direita na França, e que também decidiu apoiar o centrista Emmanuel Macron. A campanha de Fillon, entretanto, foi abalada por um escândalo de empregos fantasma envolvendo sua mulher e filhos.

Indecisos

As incertezas em relação à votação ainda são grandes, já que, a poucos dias do primeiro turno, mais de um terço dos eleitores franceses continuam indecisos.
Outro fator de peso que deverá influenciar os resultados é a taxa de abstenção - o voto na França não é obrigatório. Segundo pesquisas recentes, ele poderá ultrapassar 30%, o que seria um recorde.
Em tom de ironia, a imprensa francesa vem dizendo que a abstenção poderá ser o "partido com o maior número de votos".

Reportagem de Daniela Fernandes
fonte:http://www.bbc.com/portuguese/internacional-39638049#orb-banner
foto:http://www.revistaforum.com.br/2017/02/11/duvidas-e-populismo-dominam-eleicoes-na-franca/

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