Artigo de Juliana Moura Bueno, cientista política e consultora da ONU Mulheres.
Nas últimas décadas, são inegáveis os avanços da condição de vida das mulheres no Brasil. Estão mais escolarizados, viraram maioria da força de trabalho, alçaram-se aos cargos de chefia, organizaram-se mais para vocalizar suas demandas, disputaram com a sociedade o direito sobre sua autonomia e questionaram o modelo tradicional de família chefiada por homens, entre tantos outros avanços. A participação política das mulheres e a sua ocupação de cargos eletivos, considerados de poder e destaque na nossa sociedade, está, no entanto, muito aquém dos avanços adquiridos em outras dimensões da vida cotidiana.
Esse não é um problema exclusivamente brasileiro, pois em escala global as mulheres estão sub-representadas na política, tanto como eleitoras quanto nos cargos eletivos em todos os níveis. Não por acaso, a mobilização internacional deste 8 de março conta com mulheres de mais de 32 países, de todos os continentes.
As mulheres ainda são vítimas diárias das violências físicas, culminando no feminicídio, e de tantas outras violências simbólicas. Sofrem com a discrepância de salários entre homens e mulheres mesmo quando exercem a mesma função e com a sobrecarga diária de trabalho doméstico, e ainda encontram dificuldades de ascender aos postos de gerência nas suas carreiras, independentemente de área de atuação. Sobretudo sofrem com os julgamentos morais, comportamentais e culturais que ainda permeiam as suas vidas cotidianas.
O resultado dessas violências e constrangimentos diários na participação política é justamente o fato de as mulheres não conseguirem ocupar espaços de poder na política, nem se eleger, e esses desafios estão não apenas no eleitorado, mas nos partidos, majoritariamente liderados por figuras masculinas e brancas. A ausência de jovens, mulheres e negros e negras nesses espaços é flagrante. Uma tarde assistindo à transmissão televisiva das sessões do Congresso Nacional confirma nossas percepções.
Em um ranking divulgado pela União Interparlamentar, o Brasil está na 154ª posição entre 193 países com relação à ocupação de mulheres nos parlamentos. No continente latino americano, é o 3º pior colocado, atrás somente de Belize (183º) e Haiti (187º). Na América do Sul, é o país com menor representação parlamentar feminina.
Apesar de inovações no fortalecimento das regras eleitoras, com a atenção do Tribunal Superior Eleitoral à observância do cumprimento das cotas, com campanhas por mais participação das mulheres na política e de projetos como o Cidade 50-50 da ONU Mulheres, a participação na política não aumentou de forma significativa na última década e meia.
A baixa proporção de mulheres nas esferas de poder e em cargos eletivos está presente em todos os estados da federação, em grau muito semelhante, e em todos os níveis de poder político, das Câmaras de Vereadores ao Senado.
Ainda que breves, os dados apresentados apontam que as mulheres não tem tido voz na política. Mesmo alterações em legislações eleitorais, entre elas a inclusão das cotas nas candidaturas proporcionais, não foram suficientes nem mesmo representaram necessariamente um aumento substantivo dessa participação. Nessa velocidade, as mulheres só alcançariam a igualdade na ocupação de vagas da Câmara Federal no ano 2160, e no Senado Federal só em 2096.
Não menos importante é a questão da raça. Em condições já ruins e de baixa representatividade, as mulheres brancas sempre levam vantagem eleitoral sobre as negras, elegendo-se, na maioria dos casos, duas vezes mais do que as pretas e pardas, segundo dados do TSE em referência à eleição de 2016.
Para enfrentar o problema da baixa presença de mulheres no poder, em muitos países foram adotadas ações afirmativas, semelhantes às cotas para negros (as) em universidades públicas. Países próximos ao Brasil, tanto geograficamente quanto de costumes e formação social, entre eles a Bolívia, a Argentina e o México, adotaram mecanismos formais e legislação para garantir a participação e a representatividade das mulheres, fossem as reservas de vagas no Parlamento de 30% ou 50%, ou mesmo a lista fechada com alternância de gênero. E em pouco tempo, foram observadas mudanças significativas na participação política das mulheres nesses países.
Para um futuro menos desigual, temos o desafio de compreender, por meio de conexões complexas, como o gênero, a raça e a classe são os componentes fundamentais da desigualdade e como os períodos eleitorais, as escolhas partidárias, as composições das chapas e das candidaturas são meras reproduções dessas desigualdades. Exemplos não nos faltam de que para construir espaços da política mais democráticos, será, portanto, imperativo atuar de forma afirmativa e reparadora para incluir as mulheres na vida política do País, se a igualdade de gênero e raça for um pressuposto da nossa atuação.
Neste 8 de março, definitivamente, paramos por mais mulheres na política.
fonte:https://www.cartacapital.com.br/sociedade/ainda-precisamos-falar-sobre-as-mulheres-na-politica
foto:http://www.surysur.net/marta-dillon-de-niunamenos-el-8-de-marzo-tenemos-el-desafio-de-construir-una-movilizacion-transversal-heterogenea-y-poderosa/
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