Artigo de Pablo Martínez de Salazar, coordenador de resposta ao vírus zika e outros arbovírus da ISGlobal e de Adelaida Sarukhan, doutora em Imunologia e redatora científica da ISGlobal.
No dia 1 de fevereiro completa um ano que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a epidemia do vírus zikauma “Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional” (PHEIC na sigla em inglês). Até então, a OMS só havia feito uma declaração de emergência semelhante em três ocasiões: na pandemia de gripe suína (2009), no ressurgimento da poliomielite (2014) e na epidemia de ebola na África Ocidental (2014).
Desde novembro de 2016, a urgência deu lugar a um período de transição em que os mecanismos de gestão e as recomendações de emergência temporárias devem ser substituídos por outros de caráter mais robusto e que garantam a resposta a longo prazo. É importante ressaltar que as últimas análises da OMS concluíram que a epidemia de zika mantém seu risco em nível global e que os casos de infecções pelo vírus continuam a ser relatados em novas regiões e países de todo o mundo.
O surgimento do vírus no Brasil foi associado desde o início com o aparecimento de malformações graves do sistema nervoso central em bebês potencialmente expostos ao vírus durante a gravidez. Embora o número total de casos notificados tenha diminuído nos últimos meses, o vírus se espalhou por toda a América. Todos os países do continente, com exceção de três (Chile, Paraguai e Canadá), relataram casos autóctones de infecção. Na região do Pacífico, o vírus continua circulando e diferentes focos foram relatados na África e no Sudeste Asiático, onde é bastante possível que se propague.
Mas o impacto real ainda é desconhecido e mais de 2 bilhões de pessoas vivem em áreas com risco de infecção. Embora o vírus possa ser transmitido por contato sexual, a transmissão por picadas de mosquito (gênero Aedes) é a principal via de disseminação. Em lugares onde não há um vetor competente, o risco de emergência é mínimo e os esforços deveriam se concentrar na identificação das mulheres grávidas que possam ter contraído a infecção. Seja depois de viajar para um país com transmissão ativa do vírus ou por contato sexual com uma pessoa infectada.
Apesar dos progressos científicos obtidos no último ano, ainda existem muitas lacunas no conhecimento sobre a doença. Sabemos, por exemplo, que a infecção durante a gravidez implica no risco de que o feto desenvolva microcefalia e outras malformações neurológicas, mas não podemos quantificar esse risco ou prever como evoluirá durante a gravidez. Também não conhecemos o espectro completo de defeitos congênitos, nem como será o desenvolvimento das crianças nascidas de mães infectadas, ou se poderão andar e falar normalmente.
O diagnóstico laboratorial da infecção ainda é limitado aos centros especializados, o que é um grande desafio em lugares com recursos limitados. Embora existam vários estudos promissores, ainda não temos um teste de diagnóstico rápido para o terreno que tenha demonstrado ser suficientemente sensível e específico.
Até o momento, conhecemos a existência de duas linhagens do vírus – a africana e a asiática – sendo esta última a responsável pelas atuais epidemias no Pacífico e na América. Além disso, as complicações graves, como as malformações congênitas ou as síndromes neurológicas só foram associadas à linhagem asiática. Há alguma evidência de que a imunidade obtida após a infecção por uma das linhagens protege contra a outra, o que não acontece, por exemplo, com o vírus da dengue.
No entanto, não sabemos quanto tempo dura a imunidade ao zika depois de ser infectado por qualquer uma das linhagens. Essa questão é fundamental para se chegar a uma eventual vacina eficaz contra a infecção. Hoje, várias candidatas a vacina estão em fase clínica e na melhor das hipóteses ainda serão necessários de 2 a 4 anos para que uma vacina chegue ao público. Da mesma forma, um número limitado de drogas mostrou possuir atividade antiviral em laboratório, embora o caminho ainda seja relativamente longo para chegar a tratar mulheres grávidas, o grupo mais vulnerável ao vírus.
A epidemia se juntou à já complexa “ecologia” dos arbovírus (vírus transmitidos por artrópodes). Nas últimas décadas assistimos ao surgimento e à expansão global das infecções por esses vírus, incluindo dengue, chikungunha, vírus do Nilo Ocidental e febre amarela, que têm em comum como fatores predisponentes a “tríade” do mundo moderno: urbanização, globalização e mobilidade internacional. As doenças transmitidas por arbovírus passaram a ser prioridade na agenda global de saúde pública.
Mas essa priorização deveria estar relacionada a um apoio adequado à pesquisa e à implementação de medidas de saúde pública para melhorar a prevenção, a preparação e a resposta. A combinação de intervenções de eficácia comprovada para fazer frente a vários arbovírus é a estratégia que garante uma melhor relação custo-benefício e maior sustentabilidade. No entanto, é importante destacar que esse financiamento não deve ser “redirecionado” de outros programas, em detrimento dos recursos destinados a doenças altamente relevantes, tais como a malária, o HIV ou a tuberculose.
Outro aspecto fundamental é o fluxo de comunicação entre a comunidade científica, as autoridades e a população em geral. Essa comunicação é necessária para a gestão adequada da informação que implique em dar suporte às estratégias de prevenção e resposta, assim como evitar as reações de sobressalto exagerado.
A humanidade está sob constante ameaça do surgimento de novos agentes infecciosos. É essencial estabelecer novas parcerias internacionais que favoreçam a combinação de esforços multidisciplinares e de recursos para garantir respostas mais rápidas e mais eficazes contra as doenças emergentes e reemergentes.
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/29/ciencia/1485726247_482316.html
foto:http://hospitalsantaterezinha.net.br/?p=819
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