10/03/2016

1 em 4 mulheres sofrem de depressão pós-parto no Brasil

"Eu tinha vontade de me matar. Fiquei dois meses sem ir mais longe do que dois quarteirões de casa. Eu achava que se fosse além disso ia me jogar na frente de um carro. Era uma válvula de escape".

É assim que a dona de casa Dilssa Libério Soares, de 35 anos, relembra a pior etapa de um momento delicado enfrentado após o nascimento de seu segundo filho.
Sem nunca ter sido diagnosticada oficialmente, 11 meses após o nascimento de Max, ela agora tem certeza de ter enfrentado e sobrevivido a uma depressão pós-parto - e não é um caso isolado.
Segundo uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que entrevistou 23.896 mulheres entre 6 e 18 meses após o parto, mais de uma em cada quatro brasileiras apresenta sintomas de depressão pós-parto.
O estudo ao qual a BBC Brasil teve acesso e que será publicado no Journal of Affective Disorders analisou e detalhou fatores por trás dessa estatística e foi liderado pela pesquisadora Mariza Theme.
Para ela, o trabalho representa um marco inédito nas pesquisas sobre o tema, ainda muito cercado por preconceitos e estereótipos no país, inclusive por parte dos médicos, que muitas vezes negligenciam a questão ao tratar suas pacientes.
"É a primeira vez que temos um estudo no Brasil com tantas mulheres distribuídas por todos os Estados do país, e os resultados mostram que o número de mães que apresentam sintomas está acima da média internacional", explica.

'Acima da média' e políticas públicas

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a média de casos de depressão pós-parto em países de baixa renda é de 19,8%. De acordo com o estudo da Fiocruz, no Brasil o índice de mulheres com sintomas é de 26,3%, índice maior do que o registrado também em países da Europa, além de EUA e Austrália.
Para Mariza, a mensagem mais importante do estudo é a necessidade de que o governo monitore o problema no pré-natal e após o parto.
"Sem ter essa questão incorporada de fato e de forma sistemática à rotina do SUS, essas mulheres não são identificadas, e portanto não são tratadas. Estão soltas por aí, sofrendo com um problema que pode ter reflexos no desenvolvimento da criança e na saúde das mães", explica.
"Nosso trabalho vai ser lutar junto ao Ministério da Saúde para que as mulheres sejam testadas para depressão pós-parto e acompanhadas. Qualquer profissional da saúde pode aplicar o questionário e fazer a triagem, não é obrigatório que seja um psicólogo ou psiquiatra".

    Para o ginecologista e obstetra Alexandre Faisal, professor da Faculdade de Medicina da USP no Departamento de Medicina Preventiva e um dos maiores pesquisadores da área no Brasil, o país ainda não tem políticas públicas suficientes.
    "Estudo depressão antes, durante e depois da gravidez há mais de 15 anos no Brasil e acredito que não temos políticas públicas adequadas. Esta é uma das lutas mais antigas de pesquisadores e médicos da área: a inclusão do rastreamento específico para depressão pós-parto nas rotinas do SUS", diz.
    Na visão do especialista, é preciso incluir as perguntas que podem levar ao diagnóstico e montar uma rede de tratamento.
    "Como você tem se sentido nos últimos 15 dias? Deixou de ter prazer em alguma atividade que fazia naturalmente? Como está seu sono, seu dia a dia? Você tem se sentido infeliz, ansiosa ou preocupada sem uma boa razão? Tem se sentido infeliz a ponto de chorar?", são algumas das questões que integram a Escala de Depressão Pós-Parto de Edimburgo, usada na pesquisa da Fiocruz.
    "Assim como se mede a pressão e são feitos exames, é preciso avaliar o emocional das gestantes. A segunda questão é estudar medidas para tratar o problema. Para onde vamos encaminhar essas mulheres?", questiona Faisal, apontando para a necessidade de criação de uma rede com psicólogos e psiquiatras capacitados.
    Questionado pela BBC Brasil, o Ministério da Saúde disse que há atenção para o assunto e que oferece atendimento integral e gratuito às gestantes nos períodos pré-natal e pós-parto nas Unidades Básicas de Saúde.
    De acordo com a nota enviada, os profissionais que acompanham a mulher "têm capacitação e qualificação para identificar, a qualquer momento, sinais de sofrimento mental e possíveis mudanças de comportamento para intervir da melhor forma possível. Entre as estratégias adotadas está uma entrevista com a mulher em sala reservada com questionário específico que identifique depressão".
    O ministério também cita a criação da Rede Cegonha, em 2011, que prioriza o parto normal e visa proporcionar "saúde, qualidade de vida e bem-estar na gestação, parto, pós-parto e o desenvolvimento da criança até os dois primeiros anos de vida".
    A nota não deixou claro se existe ou não a rotina específica e sistemática recomendada pelos pesquisadores e especialistas, já em uso no Reino Unido e na Austrália e atualmente em discussão nos Estados Unidos, de acordo com recomendações da Academia de Ginecologia e Obstetrícia americana.

    Fatores, classe social e demandas das mulheres

    O estudo da Fiocruz detalhou um perfil e uma série de fatores que podem ajudar a explicar quem são as mulheres mais propensas a desenvolver o problema.
    Segundo Mariza Theme, a maioria das mulheres que sofre com depressão pós-parto no Brasil tem em média 25,6 anos (embora a faixa etária das entrevistadas tenha variado de 12 a 54 anos), é da cor parda, de baixa condição socioeconômica, com antecedentes de transtorno mental, hábitos não saudáveis e em geral já tiveram mais filhos antes e não planejaram a gravidez.
    Do total de mulheres que apresentaram sintomas de depressão, 20,5% estavam na primeira gestação, 30,6% na segunda, e 39,8% na terceira.
    Um fator decisivo, segundo o estudo, é a classe social. "A mulher com melhores condições socioeconômicas também enfrenta muitas dificuldades, mas quando diagnosticada com depressão pós-parto pode recorrer com mais facilidade ao tratamento psicológico. As mais pobres já têm ambientes mais hostis e menos acesso a ajuda especializada", diz Ana Lúcia Keunecke, fundadora da ONG Artemis, de combate à violência contra a mulher.
    Ana diz que o assunto ainda é tabu entre as mulheres, que se sentem muito culpadas com a pressão social e muitas vezes sofrem sozinhas.
    Um dos objetivos principais da organização é combater a violência obstétrica, item também avaliado pela pesquisa da Fiocruz.
    Mariza Theme diz que, embora seja fato conhecido que o Brasil conte com inúmeros casos de partos violentos, incluindo manobras desnecessárias e uso de medicamentos para acelerar as contrações, que causam dor à gestante, o estudo não identificou uma relação entre esses episódios e a depressão pós-parto.
    "O resultado nos leva a algumas hipóteses, entre elas o fato de haver uma aceitação como ‘normal’ do modelo atual de atenção ao parto ainda realizado no país", diz.
    A BBC Brasil conversou com três mães que tiveram depressão pós-parto. As três consideram que não receberam atenção adequada, seja da rede pública ou privada de saúde, e se viram alvo de comentários e pressões que estimularam um sentimento de culpa por estarem deprimidas.
    "Todos têm um palpite. Se você cuida de você, do trabalho e da casa, está deixando bebê em segundo plano. Se foca inteiramente na criança, está relaxando com as outras áreas, ficando descuidada. Há sempre um comentário, seja de amigos, parentes, visitas. Mas ninguém para e pergunta como você está, como está se sentindo, se precisa de algo. A mulher se torna invisível", diz a fotógrafa Ly Pucca, que passou por três episódios de depressão pós-parto.
    Ela conta que, ao relatar alguns dos sintomas ao ginecologista, particular, ouviu: "deixa de frescura".

    Reportagem de Jefferson Puff
    fonte:http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/03/160308_pesquisa_fiocruz_depressao_parto_jp#orb-banner
    foto:http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/mulherio/voce-sabe-o-que-e-depressao-pos-parto/

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