Contratações sem licitação, fraudes a licitações, dispensa de concurso público, uso indevido de verbas públicas, uso da máquina para propaganda pessoal, nepotismo. Estes foram os principais motivos para as 266 condenações de prefeitos e ex-prefeitos do estado de São Paulo por improbidade administrativa, de novembro de 2014 a outubro de 2015. O levantamento, feito pelo Anuário da Justiça São Paulo, baseou-se na análise de 402 apelações julgadas no mérito em ações de improbidade administrativa contra prefeitos no período.
Constatou-se que 66% das ações terminaram com a condenação do acusado. Na maioria dos casos de absolvição (34%), a falta de provas ou da presença de dolo na irregularidade apontada fundamentam os acórdãos. De janeiro a setembro de 2015, 1.132 novos casos de improbidade (de diversos cargos públicos, não só de prefeito) foram distribuídos na Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Os processos de improbidade contra prefeitos começam na primeira instância. Uma das principais matérias-primas para ações de improbidade contra prefeitos são os pareceres do Tribunal de Contas do Estado. Promotores baseiam-se nos motivos para rejeição ou aprovação parcial das contas para pedir a responsabilização judicial do mandatário.
A Lei 8.429 de 1992 regulamentou as punições por improbidade administrativa, que vão de multa e ressarcimento ao erário à perda do cargo e de direitos políticos. As três penas podem ser aplicadas juntas. De novembro de 2014 a outubro de 2015, foram 221 multas, 208 ressarcimentos e 182 direitos políticos cassados. Grande parte dos administradores responde ao processo apenas na área civil. No entanto, o Ministério Público tem a prerrogativa de apresentar denúncia também na área penal.
O presidente do TJ-SP, Paulo Dimas Mascaretti, afirmou que, diante das inúmeras ações contra agentes públicos e contra aqueles que se beneficiam da improbidade administrativa, os juízes “têm um compromisso claro e diuturno no combate a todo e qualquer crime, principalmente os crimes contra a administração pública”. Não defende, entretanto, a ideia de especializar varas e câmaras do tribunal para julgar apenas casos de improbidade. Para o presidente da corte, as 13 câmaras da Seção de Direito Público que julgam esses casos são suficientes.
Presença de dolo na conduta dos prefeitos acusados é um dos principais pontos verificados por juízes e desembargadores após constatada a irregularidade. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/1992) trata em dois momentos da conduta dolosa. Em seu artigo 5º, prevê que se houver lesão ao patrimônio público, de forma dolosa ou culposa, deve haver ressarcimento integral do dano. O artigo 10º diz que constitui ato de improbidade qualquer ação ou omissão, culposa ou dolosa, que enseje prejuízo, desvio, apropriação ou dilapidação de bens.
Na prática, a aplicação ao pé da letra da lei depende do perfil do julgador. Primeira e segunda instâncias podem ter entendimentos diametralmente opostos em muitos casos. Foi absolvido em segunda instância ex-prefeito de Botucatu que deixou de investir percentual mínimo nas áreas de educação e saúde. Na decisão da 6ª Câmara de Direito Público, destacou-se que os percentuais não investidos foram mínimos. A ação, baseada em parecer do TCE desfavorável à aprovação das contas, mostrou que não foram aplicados 2,8% dos recursos arrecadados com impostos, 0,4% dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica, Fundeb, e 2,8% dos recursos para a saúde.
Segundo o relator, Sidney Romano dos Reis, deixar de investir o percentual mínimo, por si só, não configura afronta à lei. É preciso, afirma, prova nos autos de dolo ou má-fé ou ainda prejuízo aos cofres públicos. Em primeira instância, o ex-prefeito teve suspensos seus direitos políticos, ficou proibido de contratar com o poder público e foi condenado a pagamento de multa. O município havia sido obrigado a incluir no próximo orçamento as parcelas não investidas durante a gestão do ex-prefeito.
O juiz Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, da 1ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, concorda que nem todo ato de improbidade administrativa deve ser punido, visto que muitas vezes quem ocupa o cargo de prefeito não tem experiência com administração pública e não pratica irregularidades com dolo ou para enriquecimento ilícito. Há muitas cidades em que não há estrutura adequada de assistência jurídica. “Acredito que para a condenação tem de haver conduta dolosa ou negligência grave. Quer dizer, toda a intenção de efetivamente cometer o ilícito, causar o prejuízo”, disse em entrevista ao Anuário da Justiça.
Foi ele quem condenou, em janeiro de 2014, a ex-prefeita de São Paulo e hoje senadora Marta Suplicy. Ela foi denunciada pelo MP por ter contratado ONG sem licitação. Foi condenada a perda de direitos políticos e ao pagamento de multa, além de ter sido proibida de contratar com o poder público. Segundo o juiz, em alguns casos existem de fato empresas especializadas, como em perfuração de petróleo, e não há muitas opções para o serviço qualificado no momento da licitação. Mas não foi o que entendeu no caso de Marta Suplicy, que contratou ONG da qual foi fundadora. A sentença foi revertida, em setembro de 2015, pela 2ª Câmara de Direito Público. Para o colegiado, a contratação atendeu aos requisitos legais para dispensa de licitação, não havendo ilegalidade. “Há de se observar que o próprio contratado noticiou a baixa adesão do público-alvo ao projeto desenvolvido, indicando redução de seus custos e consequente diminuição do valor contratado em 52,5%, que resultou no aditamento ao contrato original”, afirmou em seu voto o relator, Carlos Violante.
Marta Suplicy também foi acusada de uso indevido de recursos públicos para fazer propaganda de obras feitas pela Prefeitura de São Paulo em sua gestão de forma excessiva e desproporcional. Para divulgar a construção dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) teria gastado R$ 5 milhões. Em janeiro de 2015, a 3ª Câmara de Direito Público manteve a sentença na qual a ex-prefeita foi condenada a pagar multa de 20 vezes o último salário recebido à frente da administração. No período de novembro de 2014 a outubro de 2015, a multa foi a punição mais aplicada pelo TJ-SP.
Tatuí foi o município que mais teve ações de improbidade administrativa no período pesquisado. Só o ex-prefeito Ademir Signori Borssato respondeu a sete processos. Foi condenado em cinco ações; em outras duas, absolvido. As condenações foram por pagamento a empresa sem que o serviço fosse prestado; processos licitatórios fraudulentos; e contratação de empresas sem licitação. Os desembargadores entenderam que houve dolo e enriquecimento ilícito e que os princípios que regem a administração pública foram ignorados. As penas foram: multas; ressarcimento ao erário; e, em cinco ações, perda dos direitos políticos. Somadas, o ex-mandatário terá de ficar mais de 30 anos longe do poder público. Nos dois casos em que foi acusado de ser responsável por loteamento irregular, foi absolvido.
A cidade de Analândia também está entre as que mais ex-prefeitos respondem por improbidade. Em um dos casos, José Roberto Perin teve direitos políticos suspensos por 4 anos por uso da máquina pública para obter votos e eleger seu sucessor na prefeitura, primo seu. Os eleitores eram “beneficiados” ao abastecer o carro. Em maio de 2015, o TJ manteve suspensão de seus direitos políticos por entender que, ainda que Perin tivesse se utilizado do próprio patrimônio para custear gastos com o combustível fornecido de graça aos eleitores, já que não ficou provada a origem do financiamento, agiu em violação aos princípios da moralidade e impessoalidade, em afronta aos deveres de honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições.
Contratações sem concurso público ou licitação são os principais tipos de acusação em ações de improbidade e também os principais motivos para condenação. Segundo o procurador-geral de Justiça, Márcio Elias Rosa, a escalação de funcionários para exercer atividade técnica, sem atribuição de chefia e sem concurso público, é instrumento de política local. Por isso, além das ações de improbidade, têm sido recorrentes ações diretas de inconstitucionalidade contra normas municipais que criam esse tipo de cargo. Só em 2015, foram ajuizadas 350. E o tribunal julgou 114 ações desse tipo.
Em Americana, o problema apontado pelo MP foi que o ex-prefeito Diego de Nadai manteve 233 funcionários comissionados, mesmo depois de o TJ ter declarado inconstitucionais as leis que criaram os cargos. Em 2009, quando liminar obrigou a demissão imediata desse quadro, De Nadai conseguiu aprovar na Câmara de Vereadores lei com nomenclaturas diferentes. A nova norma também foi considerada irregular pela corte, e o então prefeito enviou outro projeto de lei ao Legislativo para voltar a mudar os nomes dos cargos sem demitir os comissionados.
A contratação de advogados sem licitação ou concurso também tem gerado preocupação no MP. Em 2015, foram julgadas 31 ADIs contra normas que permitem a contratação de advogados públicos sem concurso para trabalhar na prefeitura. De novembro de 2014 a outubro de 2015, 16 prefeitos e ex-prefeitos responderam a ações de improbidade por esse motivo. Treze deles foram condenados.
O tema divide os desembargadores do TJ-SP. Em abril de 2015, a 1ª Câmara de Direito Público absolveu o ex-prefeito de Paranapanema João Carlos Luz Ravacci Menck por ter contratado sem licitação serviços de advogados. Para o colegiado, o trabalho foi prestado e não houve dolo nem lesão ao erário. Já a 8ª Câmara condenou o ex-prefeito de Jacareí Marco Aurélio de Souza porque ele nomeou 14 profissionais da área jurídica sem concurso. Teve de pagar multa de 20 vezes o valor do salário que recebeu como prefeito.
Em julho de 2015, a 11ª Câmara de Direito Público condenou o ex-prefeito de Itapeva Antônio Guilherme Brugnaro por contratar escritório de advocacia sem licitação. Teve de ressarcir o erário em R$ 175,9 mil. Na 10ª Câmara de Direito Público, a ex-prefeita de Iguape Maria Elizabeth Negrão Silva foi absolvida depois de ter nomeado três assessores jurídicos sem concurso público. Os desembargadores chegaram à conclusão de que não houve dano ao erário e inexistiu dolo. Apesar de não haver consenso, prevalece o entendimento de que advogados e escritórios devem ser contratados por meio de concurso e licitação.
Serviço
Editora: ConJur
Páginas: 442 páginas
Preço: R$ 40
Onde comprar exemplares: Livraria ConJur
Reportagem de Lilian Matsuura, Thiago Crepaldi e Claudia Moraes
fonte:http://www.conjur.com.br/2016-fev-28/cada-dez-cidades-sp-quatro-prefeitos-condenados
foto:http://www.visaooeste.com.br/charge-da-semana-5/
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