16/01/2016

Donos do litoral argentino: com aluguel de cadeiras e guarda-sóis, empresários e magnatas controlam praias

Cerca segrega pagantes de não pagantes; se turista quiser descansar na areia, tem que alugar utensílios dos balneários, que saem em torno de R$ 350 por dia, ou ficar na estreita faixa em que o acesso é gratuito.




Os donos do litoral argentino são contados com os dedos de uma das mãos. Um punhado de cinco sobrenomes — Shaw, Altieri, Stinfale, Aldrey Iglesias e Peralta Ramos — divide as extensas praias rodeadas de dunas e formações rochosas, cassinos, casas noturnas, empreendimentos hoteleiros e até imobiliárias. O paraíso do verão local não é apenas o lugar escolhido pelos argentinos para descansar da rotina em frente ao mar. É também a Meca onde os homens ricos se tornam ainda mais ricos a cada verão e, não por acaso, voltam anualmente em busca de mais.
Para o imaginário popular, Pinamar deve seu nome a seus magníficos pinheiros. Uma verdade pela metade. Apesar de os pinheiros serem a característica mais elogiada da região balneária, Pinamar é a única cidade da Argentina que herdou o nome de uma empresa: “Pinamar S.A.”, criada pelo arquiteto Jorge Bunge em sociedade com Valeria Guerrero Cárdenas Russo, e que há cinquenta anos está nas mãos de Jorge Enrique Shaw. De fato, os bosques de pinheiros tão característicos do município nem sequer são da região. Foram importados da Austrália em meados do século XX e foram plantados como uma forma de fixar a areia indomável das imponentes dunas.
A Pinamar S.A. foi a responsável pela plantação de mais de seis milhões desse tipo de árvore. Criada em 1943, denomina-se “a empresa do ramo imobiliário mais importante do país”. É proprietária de uma ilha de golfe, vários bairros, lagos, campos de polo, tênis e futebol, uma das galerias comerciais mais importantes da cidade e Playas Hotel, o primeiro local para hospedagem.
No início do século XX, Mar del Plata recebia alguns poucos turistas que chegavam de trem ou por velhas estradas de terra. O esforço valia a pena: praias afastadas e incipientes construções com estilo europeu tornavam o lugar tão exclusivo como as bem localizadas praias no sul da França. Com o acesso das classes populares às férias, aquela classe poderosa teve que se deslocar para balneários mais afastados do centro.
Até a praia foi vendida
Para não se assar no sol de janeiro no balneário Bahía Varese, o turista que quiser uma barraca com quatro cadeiras deve pagar 700 pesos (R$ 200) por dia, enquanto o guarda-sol sai por 480 pesos (R$ 140). Há 440 barracas e 50 guarda-sóis: o faturamento da concessionária beira 308 mil pesos (R$ 90 mil) por dia.
No caso particular dos balneários, Mar del Plata mostra ser uma exceção. Em janeiro de 2015, a revista digital Ajo lançou uma luz sobre o que poucos no país sabem: a existência de praias particulares, que abrigam cerca de 30 balneários. As terras que foram adquiridas por Jacinto Peralta Ramos, filho do fundador de Mar del Plata, têm 120 hectares e se estendem por seis quilômetros desde Punta Cantera até as falésias.
A exploração corre por conta da empresa Playas del Faro, formada por quatro sociedades cujos acionistas são descendentes de Peralta Ramos. Durante a temporada de 2015, a arrecadação de taxas reportou a essa empresa 20 milhões de pesos (R$ 5,8 milhões), contra os oito milhões (R$ 2,3 milhões) arrecadados pelo município de General Pueyrredón por explorar suas 36 Unidades Turísticas Fiscais.
Há várias denúncias de moradores na Defensoria Pública dessa cidade por atos de intimidação nas mãos de seguranças particulares e até de policiais buenairenses. Uma moradora contou que foi convidada a se retirar da praia, mas depois de muita insistência foi permitida sua permanência em troca de não abrir seu guarda-sol colorido.
Ou seja, nas praias das proximidades de El Faro, para abrir um guarda-sol ou olhar o horizonte, é preciso pagar. Caso contrário, você deve desviar-se das estacas para poder pousar os pés na água na ínfima faixa costeira restante, sempre e quando a maré lhe permitir.
Por um grão de areia
“A assembleia surgiu em 2010 e nasceu diante da eventual privatização de uma região do sul de Mar del Plata chamada San Jacinto, único espaço público que abrange desde a estrada até o mar e ocupa sete hectares”, diz Emiliano Zubirí, integrante do Verde Mundo, um grupo de cerca de 50 pessoas que lutam para que esse e outros espaços sejam públicos. “É uma faixa com dunas e uma praia de 700 metros que ficou no meio das demais, concedidas aos Peralta Ramos durante o governo de Lanusse. Por sorte, conseguimos que um pedaço da reserva ficasse intocável, já que era o único trecho público que fica em uma área onde não deixam você colocar guarda-sóis, e a faixa de água aproveitável  para o público é escassa.”
Zubirí confirma a existência de pessoal de intimidação e amplia o trabalho da assembleia: “Há policiais e também seguranças. Até agora não existe nenhuma causa judicial em andamento, porém consideramos que estamos ganhando a discussão mediante um incansável trabalho de difusão e às custas de nos juntarmos. Pedimos à prefeitura um plano de trabalho para que as Unidades Turísticas Fiscais (os balneários) sejam distribuídos de outra forma e não como é hoje, onde 70% dos benefícios são para os particulares. Também solicitamos que as praias públicas sejam de gestão comunitária e que sociedades de fomento e ONGs, por exemplo, participem”.
Existe, além disso, o grupo “En defensa de las playas públicas” (em defesa das praias públicas em tradução livre), presente nas redes sociais, que se reúnem com o slogan: “cercar uma praia é a mesma coisa que cercar uma praça”.
Os números da temporada:
• 400 mil pesos (R$ 115 mil) é a taxa anual paga pelos balneários em Pinamar;
• 72 é a idade da empresa Pinamar S.A., 35 anos a mais do que o município homônimo;
• 2,4 milhões pesos (R$ 700 mil) é o valor que o complexo Pueblo Límite, em Gesell, pode faturar em uma noite apenas com bebidas;
• 80% da ocupação é a estimativa para o verão no litoral;
• 30 é a quantidade de praias particulares na região sul de Mar del Plata;
• 600 pesos (R$ 180) por dia é o custo médio de uma barraca em Mar del Plata;


Reportagem de Deborah Maniowicz e Jorge Repiso | Buenos Aires | Veintitres
Tradução de Mari-Jô Zilveti
fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/42856/donos+do+litoral+argentino+com+aluguel+de+cadeiras+e+guarda-sois+empresarios+e+magnatas+controlam+praias+de+buenos+aires.shtml
foto: reprodução facebook

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