Nos últimos meses, o assunto murchou,
por assim dizer, nas conversas do dia a dia. Mas o problema da crise hídrica,
especialmente em São Paulo, está longe de ser resolvido. As chuvas que caíram
na última semana na capital paulista não alteraram o quadro alarmante. Até
agosto de 2014, o nível dos principais reservatórios que abastecem a região
metropolitana de São Paulo estava em 23,5%. Hoje, chega a no máximo 21,1%.
Responsável pelo atendimento de 5 milhões de pessoas, o Sistema Alto Tietê
atingiu em agosto o nível mais baixo desde 2003, de 13,8%. No último dia 3 de
setembro, o volume útil do maior reservatório que abastece o Estado do Rio de
Janeiro, o de Paraibuna, chegou a 0,83%. Um ano atrás, estava em 11%. A
conclusão é - para usar um termo incontornável - cristalina: não há como deixar
de economizar água.
O
aproveitamento da chuva para irrigar jardins ou limpar áreas comuns reduz o
consumo em 26%. A instalação de hidrômetros individuais derruba o valor da
conta de água em até 56%. Contudo, independentemente dessas estratégias, é
imperioso lançar mão de outro recurso: o reúso.
É verdade que, a partir da
crise, foi disseminada a prática de reutilização da água do banho e da máquina
de lavar para alguns fins específicos, como a descarga sanitária. No entanto,
uma vez derramada na rede de esgoto, o entendimento é que aquela água havia se
tornado inaproveitável. Nada mais equivocado. Com o tratamento adequado do
esgoto, um estabelecimento comercial de grande porte, como um shopping center,
pode reaproveitar tão bem a água que o consumo tenderá a cair até 50%.
O
reúso é largamente empregado, por exemplo no Estado americano da Califórnia,
onde a escassez abriu a possibilidade de levar água "da privada para a
torneira", como os técnicos costumam dizer. De acordo com a legislação
local, é permitida a chamada potabilização indireta. Funciona da seguinte
maneira: a água tratada é misturada com a das bacias subterrâneas e depois
passa para o sistema de abastecimento comum. "Escutamos pessoas dizendo
que não querem beber água da privada. Depois de passar por três estágios de
purificação, porém, ela sai mais limpa do que a água que não é de reúso e chega
a sua casa", comparou o americano Henry Vaux, professor de economia dos
recursos da Universidade da Califórnia.
Para motivar a população, Bill Gates,
fundador da Microsoft, o homem mais rico do mundo, gravou um vídeo no qual
aparece bebendo água produzida em uma estação de tratamento de esgoto. A
Fundação Bill & Melinda Gates pretende distribuir miniusinas de tratamento
por toda a África.
Em
dezembro do ano passado, um projeto enviado à Sabesp pelo professor de
hidrologia Ivanildo Hespanhol, da Universidade de São Paulo, defendeu o
tratamento de esgoto para solucionar a crise hídrica - e, de quebra, despoluir
os rios. Com previsão para entrar em operação daqui a dez anos, ao custo de 3
bilhões de reais, o sistema abasteceria 3,5 milhões de pessoas.
De qualquer
forma, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, no Brasil as ações em
torno do reúso de água não levam em conta a possibilidade de consumo. O emprego
aqui é mais comum em processos industriais, geração de energia, irrigação,
jardinagem, limpeza etc. Diferentemente do que se observa na Califórnia, a
legislação brasileira não deixa claro o que é permitido ou não nessa frente. De
acordo com o advogado Vinicius Vargas, do escritório Barros Pimentel, a lei de
saneamento fala sobre água potável, mas não sobre reciclagem. "O
saneamento é um serviço público e por isso deve ser especificado em lei para
que os agentes possam seguir a mesma fórmula", explica ele.
Segundo
o engenheiro hídrico Thiago de Oliveira, da fornecedora de água de reúso
General Water, a prática, na realidade, já existe no país - "Só não é
assumida". Oliveira afirma que um exemplo claro disso é a Represa
Guarapiranga, na região metropolitana de São Paulo, rodeada por esgotos
irregulares. "Pouco se fala sobre ela, mas 15% do nível da represa é o
próprio esgoto voltando para o tratamento", garante. O engenheiro diz
também que a General Water já produziu água potável. "Nos nossos testes,
tivemos o mesmo nível de pureza da água que é distribuída para consumo."
Desde o início da crise, a empresa viu a procura pelo seu serviço crescer 100%
e teve 30% de aumento no número de clientes. Entre eles, há até um centro
administrativo que, com reúso de água e poços artesianos, se tornou totalmente
independente da rede pública. A Aquapolo, parceria entre a Odebrecht e a
Sabesp, fornecedora do mesmo serviço, abastece o polo petroquímico da região do
ABC Paulista, produzindo um volume equivalente ao necessário para o consumo de uma
cidade de 500 000 habitantes. Com isso, as empresas da área de Mauá economizam
50% do valor que pagavam antes por água potável.
Para
Thiago de Oliveira, aceitar estações de tratamento de esgoto "é adotar um
novo modo, mais consciente, de lidar com os recursos hídricos". Ele
observa que o modelo atual mantém a mentalidade no Império Romano, quando se
construíam extensos aquedutos para buscar abastecimento em lugares distantes
com nascentes puras.
O cenário do momento, entretanto, argumenta Oliveira,
"pede que a nossa política para o meio ambiente se espelhe no exemplo de
Londres, onde o Rio Tâmisa, cuja despoluição levou 150 anos, hoje é povoado por
125 espécies de peixe e voltou a receber os esportes náuticos".
Curiosamente,
ao mesmo tempo em que, no Brasil, é grande a resistência à reutilização de
água, a reciclagem do lixo já faz parte das políticas públicas. Segundo
Gabriela Yamaguchi, gerente de campanhas do instituto ambiental Akatu, "a
água está em outro capítulo da cultura do brasileiro; a reciclagem ficou
restrita à categoria das embalagens, por exemplo". E conclui: "Pelo
menos, ao reciclá-las, também estamos economizando água". Diante dos
números da crise hídrica atual, será prudente não demorar a entrar de vez no
próximo capítulo.
Reportagem de Jennifer Ann Thomas
fonte:http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/reuso-a-tecnica-que-poderia-diminuir-o-consumo-de-agua-em-50
foto:http://odia.ig.com.br/niteroi/2014-10-18/infografico-sistema-de-reuso-da-agua.html
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