02/06/2015

Comércio virtual de animais selvagens burla proibição internacional e ameaça espécies em extinção


Em vários mercados virtuais é possível encontrar animais selvagens – ou partes deles – à venda. São canais livres para a venda de espécies ameaçadas ou protegidas, tanto disfarçada quanto abertamente anunciada, violando a legislação norte-americana e vários acordos internacionais. O tráfico ilegal online de animais em risco de extinção está crescendo, e os esforços para controlá-lo têm se mostrado escassos e ineficazes.
O tráfico de produtos de origem animal pela Internet vem acelerando o processo de extinção de várias espécies há mais de uma década. Em 2004, o Fundo Internacional para o Bem-estar Animal (IFAW) deu início a uma investigação chamada "Flagrado na Internet", que documentava um enorme mercado online de espécies vivas em risco de extinção ou protegidas, bem como de suas partes, incluindo elefantes, rinocerontes, tartarugas marinhas, tigres, leões, falcões, gorilas, papagaios e servais.
Três anos mais tarde, outra investigação da IFAW, "Leiloando a extinção", focou-se no eBay no Reino Unido, EUA, Austrália, Canadá, Holanda, Alemanha, França e China. A IFAW relatou que "dos [2.275] itens que investigamos, mais de 90% desrespeitava as políticas sobre venda de marfim dos respectivos sites do eBay".
Qualquer pessoa ou empresa norte-americana que ajude a vender animais selvagens ou partes de animais selvagens ilegalmente, sejam eles obtidos em qualquer país, pode ser processada por violação criminosa da lei Lacey, que proíbe o comércio destes itens. Outra investigação do IFAW, "Matando com o teclado", de 2008, revelou a existência de 5.159 anúncios de marfim de elefante em 7.122 links hospedados em oito países, com 4.304 deles oferecidos através do eBay. Quase imediatamente após a divulgação do relatório, a empresa baniu a venda de marfim de seus sites.
O eBay é um dos poucos sites se esforçando para eliminar o tráfico de animais selvagens em sua plataforma de vendas, excluindo anúncios de produtos ilegais – mas apenas os poucos sobre os quais a equipe é notificada ou capaz de localizar.
Produtos de marfim são os itens de origem animal mais populares nos mercados virtuais, a despeito da proibição internacional da venda de marfim, acordada pela Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (CITES, na sigla em inglês), firmada por 180 países. A Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos estima que 100 mil elefantes tenham sido mortos ilegalmente por caçadores entre 2010 e 2012, principalmente para satisfazer a demanda por marfim de novos ricos chineses. Neste ritmo, os elefantes poderão ser extintos dentro dos próximos vinte anos.
Em menos de dez minutos de busca, eu encontrei o que pareciam ser cerca de cinco objetos de marfim no eBay. Relatei isso a Ryan Moore, gerente-sênior de assuntos corporativos internacionais do eBay. Quatro destes anúncios foram confirmados e excluídos. Uma semana mais tarde, encontrei um anúncio de venda da borboleta Rainha Alexandra, espécie ameaçada e globalmente protegida, a maior borboleta do mundo, com asas que chegam a mais de 30 centímetros e, no caso dos machos, cores iridescentes (amarelo, azul e verde). A Rainha Alexandra é o Santo Graal dos colecionadores. No dia seguinte, o anúncio havia sumido.
Excluir os anúncios, no entanto, não dá conta do problema. Embora o eBay tenha criado filtros que identificam palavras como "marfim", os vendedores costumam dar um jeito de contorná-los. Primeiro, chamam o marfim de "fauxivory", falso-marfim. Quando os filtros começaram a ser capazes de identificar o truque, passaram a chamá-lo de "osso bovino" – até que o termo também passou a ser incluso na filtragem. Sempre que o eBay programa um novo falso nome em seus filtros, os vendedores inventam outro.
Cidadãos como eu – e mesmo as grandes ONGs – têm suas investigações dificultadas pelo fato de que podem apenas sinalizar o que é ilegal ou parece ser. Não podemos produzir provas reais comprando os objetos, já que isso seria violar a legislação norte-americana e internacional.
Não foi este o caso do agente aposentado do Serviço de Vida Selvagem e Peixes dos Estados Unidos (USFWS, na sigla em inglês), Ken McCloud. Antes de deixar seu cargo em 2007, McCloud cuidava das investigações sobre o eBay conduzidas na agência. Em 2011, McCloud obteve permissão de seus antigos colegas para comprar artigos de origem animal contrabandeados através do eBay.
"Eu comecei a encomendar itens ilegais oferecidos a partir de outros países, cujos vendedores já haviam sido notificados pelo eBay", disse ele. "Escrevia para os vendedores e perguntava: 'Isso é ilegal? Vamos nos meter em alguma confusão por causa disso?'. Eles escreviam de volta dizendo: 'Não se preocupe; fazemos isso o tempo todo. Nós temos contatos na alfândega [dos EUA]'. Quando eu costumava trabalhar disfarçado para me aproximar dos muito mais bem informados caçadores e traficantes nos EUA, levava pelo menos um mês para obter a confiança deles. O pessoal que vende pelo eBay entrega o jogo assim que eu demonstro a menor preocupação. Eles me deram exemplos de como subornavam as pessoas. Tudo o que comprei veio com etiquetas falsas".
Quando representantes do eBay viram a coleção de itens contrabandeados através do site e obtidos por McCloud, eles "ficaram chocados e aterrorizados", conta Ken White, presidente da Peninsula Humane Society & SPCA, organização em que trabalhava McCloud durante a investigação. Pouco depois, os representantes do eBay passaram a treinar seus funcionários a identificar o comércio de animais em risco de extinção.
Até meados de 2014, McCloud enviava periodicamente ao eBay listas com várias páginas de anúncios de itens ilegais, encontrados por ele e seus colaboradores no site, bem como das leis específicas sendo violadas. À medida que as listas de McCloud chegavam, o eBay excluía muitos deles. Mas os esquemas para enganar a filtragem continuavam.
"Pelo que sabíamos, o eBay estava contente em nos ajudar a tornar seu site um lugar melhor", diz White. "Mas não permitiam que falássemos sobre o problema para a imprensa ou que solicitássemos financiamento por outros meios, algo que acredito que conseguiríamos. Eventualmente, ficamos sem dinheiro e tivemos que acabar com o programa.”
O Serviço de Vida Selvagem e Peixes dos EUA não conta com um departamento de crimes virtuais, mas os resultados apresentados pela IFAW inspiraram a agência a dar início a investigações em 2011 e 2012, chamadas, respectivamente, Operation Cyberwild e Operation Wild Web.
Nesta última, agentes de 16 estados norte-americanos e do Cingapura, da Tailândia e da Indonésia vasculharam a internet por duas semanas. A equipe não foi atrás dos próprios sites; na verdade, visaram os traficantes, realizando 154 prisões. Os crimes incluíam diversos tipos de venda, de peles de tigre, leopardo e jaguar até dentes de baleia; marfim de morsa e de elefante; espécies aquáticas invasivas e perigosas, como piranhas e bagres andarilhos; cobras vivas e aves migratórias.
O estado da Flórida, que participou deste primeiro esforço e possui uma unidade de crimes virtuais, gostou tanto do resultado que repete a operação a cada oito meses.
A proibição do marfim imposta pelo eBay teve resultados mistos. Em 2013, a IFAW descobriu que anúncios para produtos de origem animal proibidos na Austrália, negociados em sua maioria por meio do site, aumentaram em 266% desde 2008. Em 2014, um relatório documentou um aumento de 48% em itens aparentemente feitos de marfim, oferecidos pelo eBay do Reino Unido. Por outro lado, a chefe da equipe de crimes virtuais da IFAW, Tania McCrea-Steele, relatou que "a proibição do marfim tem funcionado bem nos sites do eBay do Canadá, Alemanha, França, Bélgica e Holanda".
Este progresso não contribui tanto em nível global, e as medidas voluntárias de controle por parte dos próprios sites não parecem ser a solução. No ano passado, a IFAW observou 28 mercados online em 16 países. Em apenas seis semanas, a organização encontrou anúncios de 33 mil itens provenientes de animais ameaçados. Cerca de um terço dos itens eram de marfim.
Qual seria, portanto, a solução? Escritórios regionais do Serviço de Vida Selvagem dos EUA têm discutido a possibilidade de processar o eBay por sua plataforma permitir esse tipo de comércio. A principal maneira de o Serviço atuar judicialmente – processo por infração da lei Lacey – provavelmente se tornaria ineficaz contra uma empresa que tenta, embora sem sucesso, excluir itens ilegais. De acordo com Joe Johns, chefe de crimes ambientais do escritório da Promotoria dos EUA na Califórnia, o processo de acordo com as provisões de contravenção da lei Lacey – que requerem apenas a prova de negligência, e não o conhecimento ou a intenção – pode ser bem-sucedido. Mas essa medida não resolveria o problema.
Para salvar espécies ameaçadas, os países da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (CITES) precisam ir além dos processos por infração do acordo contra os mercados online mais nocivos. Considerando a gigantesca quantidade de partes de animais selvagens disponíveis no eBay, um dos poucos sites que tem se esforçado por manter algum controle, podemos apenas imaginar como funciona o tráfico naqueles que não o fazem.

Reportagem de Ted Williams | Yale Environment 360 | São Francisco
Tradução: Henrique Mendes
fonte: http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/40567/comercio+virtual+de+animais+selvagens+burla+proibicao+internacional+e+ameaca+especies+em+extincao.shtml
foto:https://saladeprensaambiental.wordpress.com/2011/08/

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