Ribeirão das Neves (MG) foi o primeiro município brasileiro a firmar uma PPP para a construção e a administração de um presídio; especialistas dizem que tal modelo serve apenas para que empresários lucrem em cima de cada preso.
O Brasil hoje ocupa a terceira posição no ranking dos países que mais prendem no mundo. Com uma população carcerária que ultrapassa 715 mil pessoas, o país perde apenas para os Estados Unidos e a China. As constantes denúncias de tortura e maus-tratos sofridos pelos presos, além das inúmeras tentativas de fuga e rebelião, levaram alguns estados brasileiros a optar pela privatização do sistema prisional.
Um deles é o presídio de Ribeirão das Neves, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte (MG), o primeiro município brasileiro a firmar uma parceria público-privada (PPP) para a construção e a administração de uma penitenciária.
Em 2013, o complexo de cinco unidades começou a ser construído sob um orçamento de R$ 280 milhões. A parceria entre os Gestores Prisionais Associados (GPA) e o estado mineiro, firmada ainda sob o mandato de Aécio Neves, em 2009, prevê assistência médica, jurídica e odontológica, com funcionários contratados pela própria empresa. Para cada preso, ela recebe por mês R$ 2,7 mil do Estado. Entretanto o valor do consórcio pode sofrer descontos a cada denúncia de violação de direitos, ou tentativa de rebelião ou fuga dentro dos muros da prisão.
À primeira vista, a ideia parece promissora. Os estados gastam hoje cerca de R$ 1,8 mil por mês para cada indivíduo encarcerado, que está ainda sujeito à violência, ao abuso de poder e à tortura dentro dos presídios, de acordo com denúncias recebidas por entidades de Direitos Humanos.
Porém, para o advogado e coordenador do Programa de Justiça da Conectas, Rafael Custódio, a privatização do sistema carcerário brasileiro é um "caminho sem volta". Para ele, o Governo tem se mostrado disposto a firmar parcerias com empresários que querem apenas “lucrar em cima de cada preso.”
"Guiado pela lógica neoliberal, travestida de política de segurança pública, o Estado delega às empresas privadas a privação de liberdade de um cidadão. Não há sinais de que o sistema prisional melhore. A política de encarceramento só aumenta, e as reformas visam mais punição e investimentos em segurança pública”, lamenta.
O advogado também desconstrói o lema “menor custo, maior eficiência”, cunhado pela penitenciária privada de Ribeirão das Neves. Para ele, o Judiciário, "que segue as leis criadas por um Legislativo cada vez mais conservador", criminaliza a pobreza.
"Cada vez mais jovens negros, pobres e sem antecedentes criminais vivem atrás das grades. A privatização desse sistema não resolve o problema, mas o agrava. O presidiário torna-se um produto para empresas privadas. Além disso, a seletividade por cor e estrato social, tão presente nas prisões públicas, é repetida nas penitenciárias privadas. Ribeirão das Neves dá certo não porque o modelo funciona, mas porque os presos foram previamente filtrados”, explica.
Segundo Custódio, os presos da penitenciária mineira, por cumprirem pena há tempos, já estão adaptados ao sistema prisional. A instituição, porém, atribui o bom comportamento ao sistema adotado na prisão. Além disso, o advogado afirma que, “mesmo dentro dos muros da primeira prisão privada da América Latina, ocorrem maus-tratos e tortura aos presidiários”.
Superlotação
De acordo com dados da Conectas Direitos Humanos, o déficit de vagas hoje no sistema prisional brasileiro ultrapassa 200 mil. Os números também mostram que aproximadamente 25% da população carcerária brasileira é composta por pequenos traficantes enquadrados na Lei de Drogas, enquanto outros 41% ainda aguardam julgamento – os chamados presos provisórios. Outros 27 mil presos têm direito ao regime semiaberto e, somando-se os dados de prisão domiciliar e os mandados de prisão, os números alcançam a marca de um milhão.
A entidade ainda alerta que o endurecimento do combate às drogas levou a um aumento de 320% no número de presos, superlotando as prisões do país. A dificuldade de acesso à Justiça também é um problema enfrentado pelos encarcerados. Segundo a Conectas, há apenas 5 mil defensores públicos para uma população que supera os 715 mil presos. Em contrapartida, há 12 mil juízes e 10 mil promotores no Brasil.
Ironicamente, a parceria público-privada do presídio mineiro fornece aos presos advogados contratados pela própria empresa para apurar as possíveis violações dentro da penitenciária.
Fundo mal utilizado
Há, entretanto, o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), criado em 1994, para financiar medidas de aprimoramento e modernização dos presídios brasileiros. Até 2011, o Funpen arrecadou cerca de R$ 3 bilhões, que foram distribuídos entre governos estaduais, municipais e ONGs.
Dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) mostram, no entanto, que nos últimos três anos o governo recebeu de volta cerca de R$ 135 milhões repassados às outras instâncias.
Descaso e irregularidades nos projetos são as principais causas para o mau uso da verba, segundo Marcos Fuchs, diretor executivo do Instituto Pro Bono. Para ele, questões político-partidárias também interferem no repasse do dinheiro.
“O dinheiro do governo federal não é aceito pelo governo estadual de outro partido, por exemplo, que alega que são os municípios que não querem receber”, explica Fuchs, que também é diretor adjunto da Conectas Direitos Humanos.
Apesar de existir um fundo "mal utilizado" destinado à manutenção das prisões, a privatização do cárcere ganha cada vez mais adeptos. Fuchs afirma que isso se explica pela força que as empresas têm ganhado para manter seus interesses comerciais.
"As administradoras exploram, ainda, a mão de obra forçada, ignorando direitos trabalhistas e lucrando em cima dos presos. Vira um negócio interessantíssimo aumentar o encarceramento em massa. Mas preso não é objeto de contrato”, complementa.
Reportagem de Harumi Visconti
fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/30231
foto:http://www.sensacionalista.com.br/2013/08/23/preso-de-bangu-
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