Aos 78 anos de idade, o professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, Fabio Konder Comparato, é um ativista daquilo que Boaventura de Sousa Santos chamou de "democratização da democracia".
Ao longo de sua vida, Comparato atuou em algumas das causas de grande expressão, como o impeachment do ex-presidente Collor e a privatização da Vale do Rio Doce. Também produziu propostas normativas densas e inovadoras, a começar pelo Muda Brasil – um projeto de Constituição publicado pela Editora Brasiliense em 1987 –, que trazia uma das primeiras propostas para a regulação dos meios de comunicação na transição para a democracia. E não se cansou de intervir em debates públicos importantes, reivindicando a adoção de uma forma verdadeiramente social de controle do judiciário, ao invés do controle de cúpula adotado com a criação do Conselho Nacional de Justiça, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2003; e reagindo duramente contra o uso da expressão "ditabranda" pela Folha de São Paulo.
Em todas essas ocasiões e iniciativas, pode-se encontrar um fio condutor comum guiando o pensamento e a ação de Comparato: o desejo de que o exercício do poder seja exercido cada vez mais pelo povo, dando força normativa a um dos principais elementos definidores das ordens constitucionais modernas, qual seja, a soberania popular (CF 1988, art 1o, parágrafo único).
Em uma breve entrevista à editoria de Princípios Fundamentais da Carta Maior, conduzida a propósito da cobertura dos 50 anos do golpe de 1964 e dos desafios colocados para a nossa transição para a democracia, ele destaca algumas de suas de suas propostas recentes para o aperfeiçoamento do nosso sistema político e faz críticas diretas contra a manutenção da lei da anistia pelo STF.
Carta Maior: Para começar, poderíamos falar um pouco de sua experiência pessoal na transição entre a ditadura e a democracia no Brasil?
Fabio Konder Comparato: Lamento dizer que o regime político atual não é uma democracia, pois a soberania não pertence e nunca pertenceu ao povo.
Minha reação contra a atual farsa democrática instaurada com a Constituição de 1988 começou muito tarde, quando passei a atuar no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em 2004. Naquele ano, elaborei um anteprojeto de lei, dando ao povo a iniciativa de plebiscitos e referendos sem a necessidade de autorização prévia do Congresso Nacional. Este anteprojeto foi transformado no Projeto de Lei nº 4.718/2004 da Câmara dos Deputados, que ainda está em andamento.
No ano seguinte, redigi aquela que seria a Proposta de Emenda Constitucional nº 73/2005 do Senado Federal, apresentada pelos Senadores Eduardo Suplicy e Pedro Simon, instaurando o recall, ou referendo revocatório de mandatos eletivos. Em 2006, elaborei aquele que seria o Projeto de Lei nº 6697/2006 da Câmara dos Deputados, criando a ação popular, ou seja, uma ação que pode ser proposta por qualquer cidadão nos casos de improbidade administrativa.
Carta Maior: Partindo dessa experiência, mas também de seu notável conhecimento de direito público, como o senhor avalia o alcance da "lei da anistia"?
Fabio Konder Comparato: A lei de anistia de 1979 foi resultado de um pacto entre as Forças Armadas e os grupos que exerciam a soberania antes do golpe de Estado de 1964 – ou seja, os titulares do poder econômico privado e os agentes políticos conservadores – objetivando garantir a impunidade dos responsáveis pelos crimes de terrorismo de Estado durante o regime de exceção. No entanto, desde o julgamento dos criminosos nazistas pelo Tribunal Internacional de Nuremberg, em 1945, tais crimes são qualificados como de lesa-humanidade. Nesse sentido, são insuscetíveis de prescrição e anistia.
Carta Maior: Alguns dizem que o Brasil avançou na efetivação do direito à memória e à verdade, em especial com a criação de uma Comissão Nacional da Verdade, a qual tem ajudado a revelar a ocorrência de mortes e torturas, bem como o paradeiro de vítimas até então tidas como desaparecidas. Na sua visão isso diminuiria a importância da responsabilização dos autores daqueles crimes?
Fabio Konder Comparato: A Comissão Nacional da Verdade foi criada pelo governo da Presidente Dilma Rousseff, quando se percebeu que a Corte Interamericana de Direitos Humanos certamente condenaria o Brasil no Caso Gomes Lund e outros v. Brasil, relativo à Guerrilha do Araguaia. Ela tem feito um levantamento importante dos crimes do regime empresarial-militar, mas sempre no quadro da vigência da impunidade, estabelecida pela auto-anistia da Lei nº 6.683, de 1979.
Carta Maior: Assim que foi nomeado para uma cadeira do STF, o Ministro Luís Roberto Barroso deu uma entrevista reconhecendo a possibilidade, "em tese", de revisão da lei de anistia. É possível esperar a retomada desses debates e a mudança de orientação do STF a esse respeito?
Fabio Konder Comparato: No meu entender, os defensores de direitos humanos não devem se preocupar sobre se o Supremo Tribunal Federal vai ou não modificar sua orientação a respeito da lei de anistia. Se o Tribunal mantiver sua orientação contrária ao que prevê o sistema internacional de direitos humanos, será inevitável que o Estado Brasileiro seja sancionado.
Reportagem de Fábio de Sá e Silva
fonte:http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Principios-Fundamentais/Fabio-Konder-Comparato-Manutencao-da-lei-da-anistia-gerara-sancoes-ao-Brasil/40/30616
foto:http://futuro9.blogspot.com.br/2010/05/ditadura-militar-no-brasil-america.html
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