Sob a ditadura brasileira que passou à história como militar, quatro em
cada dez torturadores atuantes na repressão política eram civis -
integravam as polícias estaduais, a Polícia Federal ou algum outro órgão
não castrense. Levantamento feito pelo Estado na lista
oficial de torturadores do Projeto Brasil Nunca Mais mostra que, de 439
acusados de infligir torturas contra presos políticos que puderam ser
identificados por apelido, nome de guerra ou nome completo, pouco mais
da metade (229, equivalentes a 52,16%) integrava as Forças Armadas ou as
Polícias Militares; 174 (39,63%) eram civis; e 36 (8,2%) não tiveram
identificado seu vínculo.
Um exame mais restrito, focado apenas nos torturadores que puderam
ser plenamente identificados por nome completo e cargo, tem resultado
semelhante. Nessa amostra mais detalhada, com 238 identificados, os
militares são 130 (54,62%); os civis, 101 (42,43%); e os de vínculo
desconhecido, apenas 7 (2,94%). Nesse recorte, a corporação que mais
torturou foi o Exército: eram seus oficiais e praças 38,65% (92) dos
acusados por presos políticos de tortura (e 70,76% dos militares
acusados de torturadores). Em segundo lugar nessa contagem, ficaram as
Polícias Civis, com 74 acusados (31%). Outras instituições ficaram bem
atrás dos dois líderes nessa contagem de torturadores totalmente
identificados. As Polícias Militares, por exemplo, aparecem com 19
acusados.
"Competição gera tortura", diz a pesquisadora norte-americana Martha
Huggins, da University of Tulane e autora de trabalhos sobre os
torturadores brasileiros como Trabalhadores da Violência: Torturadores e Assassinos Brasileiros (Emp. UnB, 2002), e Polícia e Política: Estados Unidos/Brasil (Cortez,
1998). "Existia forte competição entre as forcas de segurança, como
Exército, Polícias Civis e Militares, Oban (Operação Bandeirante),
DOI-Codi, durante a ‘guerra suja’ brasileira. O ‘ganhador’ em tal
competição era a força que conseguia a informação rápida sobre o
‘terrorista’ e a localização dos seus associados. A Polícia Civil tinha
função burocrática e grande prática em conseguir informação rápida."
Antes da ditadura, já existiam no Brasil órgãos civis de vigilância
política, como os Departamentos (ou Delegacias) de Ordem Política e
Social, vinculados às polícias estaduais. O regime militar criou em 1967
a Polícia Federal, uma corporação civil fortemente voltada para a
repressão política. Depois do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), em 13 de
dezembro de 1968, e com o recrudescimento das ações de guerrilha urbana,
porém, a repressão civil se subordinou mais fortemente ao comando dos
militares.
A partir de 1969, por meio da Operação Bandeirante, em São Paulo,
depois pelos Destacamentos de Operações de Informações-Centros de
Operações de Defesa Interna (DOI-Codis) - que centralizaram
regionalmente a repressão sob comando do Exército -, civis se
subordinaram mais diretamente à ditadura. A maior parte das denúncias
contra torturadores se concentrou na primeira metade dos anos 70,
durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, considerado o
mais fechado e sangrento do período ditatorial.
"Foi fácil usar as Polícias Civis para interrogar e torturar, porque
elas já tinham muita prática nessa área", afirma Martha. "Os policiais
civis tinham uma posição burocrática legitimada para fazer
interrogatórios e porque tiveram uma história de torturar."
Paralelamente ao envolvimento civil nas torturas, destaca-se na
análise do perfil dos torturadores brasileiros a alta proporção de
oficiais entre os militares. Pouco menos de um terço dos torturadores
ligados à Marinha, Exército, Aeronáutica e Polícias Militares, entre os
que foram identificados por nome completo (ou nome de guerra) e patente,
era praça (ocupava posto de soldado, cabo, sargento ou suboficial). Os
demais eram 125 oficiais. Desses, 85 (68%) ocupavam postos de capitão a
tenente-coronel ou seus equivalentes na Marinha (capitão-tenente,
capitão de corveta e capitão de fragata) e na Aeronáutica. São citados
como torturadores 12 coronéis (ou seu equivalente naval, capitães de mar
e guerra) e até dois oficiais generais.
Reportagem de Wilson Tosta
fonte:http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,entre-os-torturadores-40-eram-civis,1146345,0.htm
foto:http://mariadapenhaneles.blogspot.com.br/2013/10/a-ditadura-mascarada-e-violencia-dos.html
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