04/02/2014

“Equidade não é tratar cada aluno e cada centro da mesma forma”

Andreas Schleicher, director do Relatório PISA da OCDE, diz que a educação pode melhorar com menos dinheiro e melhores professores.



Andreas Schleicher (Hamburgo, 1964), vice-diretor de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e diretor do relatório de referência internacional PISA – que avalia o nível dos alunos de 15 anos – é o intelectual ao qual o ministro da Educação espanhol, José Ignacio Wert, recorre constantemente para defender no Congresso ou em entrevista coletiva a sua reforma educacional. Ambos compartilham da opinião sobre a necessidade de avaliações externas ou as sinergias com o mundo empresarial, mas Schleicher também se preocupa com o progresso a um sistema de maior qualidade, sem comprometer a equidade. O pesquisador abriu no domingo a Semana da Educação da Fundação Santillana.
Pergunta. O senhor falará em Madri sobre as forças e fraquezas do sistema educativo espanhol. Não pode antecipar algo?
Resposta. Nos últimos 40 anos, a Espanha tem feito grandes progressos em termos de integrar mais pessoas no sistema de ensino. Mas se olhar para os resultados do PISA nos últimos 10 anos, ainda há muito espaço para melhorias. O sistema não é totalmente eficiente: há muito investimento, mas os resultados não corresponderam às expectativas. O copo está meio cheio, mas não cheio.
P. Como isso afeta o mercado de trabalho?
R. Há muitos graduados desempregados que procuram trabalho e ao mesmo tempo muitos empregadores que dizem que não encontram o perfil adequado. Há um desequilíbrio entre as necessidades da sociedade e o que a escola oferece. É preciso investir nela. A educação de hoje é a economia de amanhã. A Espanha tem um sistema universitário desenvolvido, mas é preciso criar mais variedade na oferta de talentos.
P. Como pode ser feito?
R. A Espanha tem uma alta taxa de evasão escolar. [Os alunos] ficam entediados, não sentem que o que aprendem na escola se aplica à sua vida atual e futura. Se você gerencia um supermercado e diariamente de cada 100 clientes 30 saem sem comprar nada, muda-se o inventário. É aí que as escolas estão erradas, pois estão muito preocupadas com um currículo prescritivo.
P. Como o senhor destaca, há muito desemprego entre os jovens, inclusive entre os graduados. Como as pessoas podem ser motivadas?
R. Há explicações no lado da demanda, da flexibilidade do mercado de trabalho. Mas o principal é dispor das qualificações adequadas. Ainda temos a mentalidade de: “Aprendo para trabalhar em um emprego”. E deveria ser: “Aprendo para criar um emprego. Faço parte da futura economia, não me limito a preencher um vazio já existente”. As escolas devem fomentar este tipo de espírito empresarial.
P. O senhor insiste na diferença entre o conhecimento e sua aplicação.
R. Os espanhóis se dão muito bem ao reproduzir o que aprenderam, mas muitas vezes têm dificuldades de extrapolar e usar seus conhecimentos em diferentes condições. Por que é um problema? Isso pode ser visto no mercado de trabalho. A economia já não paga às pessoas pelo que elas sabem, para isso existe o Google. Pagam por aquilo que são capazes de fazer com o conhecimento.
P. O último Relatório PISA destaca uma estagnação da Espanha na década passada, apesar de um aumento de 35% do investimento na educação. Desde 2010, esse investimento caiu. Podemos fazer mais com menos?
R. Comparações internacionais mostram que é possível. Na Espanha, grande parte dos gastos foi destinada a aulas menores. Os sistemas de ensino com excelentes resultados e pouco investimento dão prioridade à qualidade dos professores. Um bom sistema educacional deve buscar como garantir que os mais necessitados tenham os melhores professores. Na Espanha não há perspectivas para os docentes. É preciso proporcionar um verdadeiro plano de carreira, que possam se tornar professores de professores, por exemplo. A profissão deve ser dona de seus padrões, com muita autonomia e colaborações entre professores e escolas.
P. O Congresso aprovou uma nova reforma educacional. Como o senhor avalia?
R. Acho que as intenções das reformas são todas importantes. A questão é como implementá-las. Percebe-se a lei como o produto final, mas é só o começo, estabelece o marco.
P. A reforma recupera as revalidações no ESO (Educação Secundária Obrigatória) e Bacharelado. Não teme que amplie o problema do abandono escolar?
 R. Eu acho que o novo sistema de avaliação é um passo muito importante. Não se pode melhorar sem uma avaliação. Os que mais sofrem com a falta de avaliações são crianças de famílias desfavorecidas, porque ninguém sabe em que ponto estão. A questão de quais os fatores que acompanham estes testes é pertinente. Não podemos criar barreiras para os alunos. Ter exames rígidos, muito rigorosos e muito focados é muito importante, mas devem ser acompanhados de iniciativas para que os alunos com dificuldades atinjam essas metas.
P. [A reforma] também introduz mudanças nos programas a partir do 3º ano da ESO. Há consenso sobre a idade mínima para escolher programas?
R. Os programas nunca deveriam ser fixos; um estudante nunca deveria ter que tomar uma decisão que não possa ser revertida. É preciso ter uma educação que está sempre aberta, sempre dá outra oportunidade. Se essas opções são permanentes, podem ir contra os estudantes. E, novamente, prejudicam os estudantes de famílias humildes.
P. Em resumo, existe um modelo mágico?
R. Há muitos caminhos em direção ao sucesso! Todos têm altas expectativas para cada estudante, padrões muito elevados, sistemas de avaliação muito fortes e, com o tempo, muito apoio. Na Espanha se continua pensando que é preciso tratar cada aluno, cada escola, cada professor da mesma forma e que isso é equidade. Não é. Equidade é investir os recursos apropriados onde são necessários.

Reportagem de Ana Teruel
fonte:http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/02/actualidad/1391367495_762835.html
foto:http://crateus.ce.gov.br/capa/educacao/

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