Tatiane Fernandes, de 29 anos, acabou de chegar do Egito graças a uma passagem que a Embaixada brasileira no Cairo precisou pagar para tirá-la do país. Após sete meses tentando namorar “em paz” com um egípcio que conheceu na Internet, Tatiane acabou dormindo em um carro, recusada pela família dele e sem uma moeda no bolso. "Vendi tudo o que tinha em casa a preço de banana, abri mão de muitas coisas, deixei minhas duas filhas aqui por um relacionamento pela Internet, mas [a realidade] não é sempre o que parece. Fui roubada, ameaçada, dormi com ratos, cheguei a sofrer de depressão e tive um derrame que paralisou a metade do meu rosto. Amo meu marido, mas foi muito sofrimento".
Casos como o de Tatiane têm se multiplicado nos últimos anos por conta da popularização das redes sociais. O Itamaraty não tem dados sobre o fenômeno, mas alerta para o alto número de casos. Há países, como o Egito, onde sobram os relatos do tipo. "São tantos que nem se imagina. Só neste ano já ajudei 50 mulheres, ", relata Sandra Fadel, líder comunitária brasileira no Cairo. “Antes da revolução contra o presidente Morsi havia ainda mais”, completa.
O Ministério das Relações Exteriores e a Polícia Federal alertavam, conjuntamente, nos seus sites sobre a tendência após receberem “numerosas queixas de cidadãs brasileiras vítimas de roubos, fraudes e violência cometidos por cônjuges estrangeiros que conheceram pela internet e com os quais tiveram pouco ou nenhum convívio presencial antes do casamento". Mesmo assim, os grupos nas redes sociais onde brasileiras procuram marido do outro lado do mundo são atualizados diariamente.
Pelos relatos que chegaram ao Itamaraty, já foi identificado o caso mais comum. A vítima, na casa dos 40 anos, é de classe média e média-baixa, e já teve um casamento anterior. Elas iniciam relacionamentos com homens da Ásia, Oriente Médio e inclusive da África com os quais se casam, por procuração ou presencialmente.
"Destes relacionamentos podem surgir dois problemas: um é o do estrangeiro pleiteando o visto para vir para o Brasil, e em alguns casos ele entra no país e nunca mais dá notícias à mulher, e o outro é quando ela vai para o país estrangeiro e acaba tendo graves problemas de adaptação, violência ou até fraude", explica Marcelo Ferraz, assessor da Divisão de Assistência Consular do Itamaraty.
A maioria das histórias de amor nasce do mesmo jeito: por meio do tradutor do Google. O que começa como um bate-papo rapidamente torna-se um romance, principalmente quando se refere aos homens da cultura islâmica. “Eles te pedem em casamento no segundo dia", conta Tatiane, que mora em Taubaté, no interior de São Paulo, uma cidade de 280.000 mil habitantes.
Fadel, voluntária do Cairo, reconhece que essa proposta é sedutora para o public feminino. "Elas se encantam quando eles falam de compromisso, quando escutam essa promessa de proteção... É como um sonho de princesa. Só que, depois, se revela apenas como uma forma de controle", conta Fadel. "A última menina que ajudamos veio até aqui sem falar uma palavra de inglês –comunicava-se com o namorado pelo tradutor da internet e por gestos- e com 500 dólares, quando a diária em qualquer hotel vagabundo não é menos de 50 dólares. ", lembra. “ Ela pensou que a família dele daria hospedagem, mas na cultura islâmica isso é uma vergonha. É preciso ter um mínimo de noção para iniciar uma aventura assim”, recomenda.
Tatiane chegou ao Cairo ainda com menos dinheiro que isso, convencida a realizar seu sonho de viver conforme o Islamismo, religião a que se converteu dois anos atrás. Antes de conhecer a quem chama de marido, já havia se relacionado vritualmente com o irmão dele. O romance acabou depois que o pretendente ficou noivo de outra, e abandonou as conversas intermináveis pelo Skype. Foi aí que Islam, atual namorado da Tatiane, entrou em cena. Após dois anos de bate-papos noturnos -"havia noites que ficávamos sem dormir", conta ela- começaram a falar de planos para o futuro.
"Resolvi ir para lá conhecê-lo, tentar, ver se podia dar certo. Tinha uma passagem para permanecer um mês. Ou voltava em seguida ou ficava definitivamente", conta Tatiane, que se veste com véu e frequenta a mesquita de Taubaté, junto com a filha mais velha.
A recepção da família de Islam, cujos pais já faleceram, não foi precisamente uma festa de boas-vindas. "Quando cheguei, o irmão, com quem eu me relacionei, tinha mostrado para todo mundo fotos e vídeos íntimos dos nossos encontros virtuais. Foi um drama, meu marido apanhou muito dos seus irmãos. Eu fui ameaçada com fotos de mulheres queimadas com ácido", lembra. Por conta desse primeiro episódio, Tatiane foi agredida pelo seu namorado pela “primeira e última vez”, assegura. "Ele não é como o resto, ele tem se comportado muito bem comigo e cuidado de mim", afirma.
Mas, na primeira semana, Tatiane foi expulsa das casas dos parentes do namorado e proibida de se encontrar com ele. "Também roubaram a prata que eu levei, dinheiro, minha lingerie, roupas, os documentos que eu arrumei aqui para me casar no religioso, quebraram meu computador... Pedi socorro à embaixada quando já não tinha nada e havia uma semana que dormia num carro". Enquanto contava sua história, o celular de Tatiane não parava de tocar, com mensagens vindas do país do Nilo, perguntando onde ela estava. “Não sei o que eu farei, não sei se eu vou voltar, não me arrependo de ter ido, mas dou esta entrevista para que outras mulheres pensem antes de fazer o que eu fiz”.
Reportagem de María Martín
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