Astrólogos usam análise gráfica e big data para construir ferramentas que antecipam movimentos de mercado; há quem acredite nas previsões — e até mesmo conduza seus negócios com base no alinhamento dos planetas.
“A única função das previsões econômicas é fazer com que a astrologia pareça respeitável”, disse certa vez o economista canadense John Kenneth Galbraith. O que acontece, então, quando as duas “disciplinas” se misturam? A astrologia financeira é um negócio em expansão, que em suas versões mais pretensiosas usa técnicas de big data e análise gráfica para correlacionar os movimentos dos mercados e dos astros. O negócio é tão rentável que não raro analistas americanos abandonam a rotina extenuante das bolsas de valores para se dedicar à produção de relatórios financeiros baseados em conjuntura cósmica. No Brasil, a astrologia financeira ainda não adquiriu contornos tão elaborados. Mas alguns astrólogos já começam a desbravar esse farto mercado de investidores e empresários que buscam nos astros as respostas não só para questões sentimentais, mas também para engordar seus cofres.
“Utilizamos técnicas avançadas de pesquisa para descobrir padrões e tendências que podem ser usados para entender o presente e ter insights sobre o futuro”, diz o texto de apresentação da Merriman Market Analyst, uma consultoria americana que produz relatórios para mais de 7 000 assinantes. Seu fundador, Raymond Merriman, se autointitula analista de mercado — e não astrólogo. Ele afirma que o software que desenvolveu integra “uma combinação de ciclos financeiros, signos geocósmicos e análises de padrões de movimentação de planetas”, transformando dados em previsões “muito precisas”. A ferramenta, diz ele, serve para assessorar “investidores sérios”. Merriman, que é autor de diversos livros sobre o tema, tampouco gosta do termo 'astrologia' para cunhar suas análises — prefere a palavra 'geocósmica'. Mas, ainda que torça o nariz para o clichê do horóscopo, ele é a Susan Miller da astrologia financeira — e produz relatórios cuja especificidade impressiona. Há para todos os gostos: de análises 'geocósmicas' para as negociações de petróleo no mercado de commodities até recomendações do melhor dia da semana para comprar e vender títulos do Tesouro americano. A assinatura de um pacote de relatórios astrológicos diários sobre o mercado de ações custa 3.250 dólares por ano.
Ao lado de alguns entorpecentes e bebidas energéticas, as previsões astrológicas estão se tornando um novo vício para muitos operadores de Wall Street – a ponto de uma sessão com o badalado Henry Weingarten, da New York Astrology Center, custar nada menos que 1 000 dólares. Ex-operador, Weingarten abandonou as negociações com contratos de milho e soja para analisar a posição de Saturno em conjuntura com Mercúrio — uma combinação considerada “explosiva” para os mercados. Durante a forte desvalorização das moedas dos países emergentes, meses atrás, o site indiano GaneshaSpeaks.com fartou-se de pedidos de analistas que negociavam rúpias no mercado futuro. Ao jornal Financial Times, um dos criadores do portal, Dharmesh Joshi, afirmou que o dia em que o novo símbolo da moeda indiana foi anunciado não foi “favorável”, diziam os astros. E que isso potencializou a queda da rúpia ante o dólar.
O investidor paulistano Raymundo Magliano Neto, da Magliano Corretora, é uma ávido apreciador das previsões astrológicas na hora de fazer negócios. Em 2008, começou a receber propostas de compra de sua empresa de eventos de educação financeira, a Expo Money. Receoso, resolveu consultar seu astrólogo, Maurício Bernis, para saber se o momento era propício. O guru disse que a venda ocorreria — porém, dentro de dois anos apenas. E o comprador seria uma grande empresa de mídia. Como previsto por Bernis, nenhuma proposta foi adiante naquele ano. “Mas em setembro de 2010, um representante de uma companhia ligada à Rede Globo me ligou querendo fechar o negócio”, disse Magliano, ainda empolgado com a mira certeira do astrólogo. A empresa em questão é a Geo Eventos, criada a parir de uma joint venture do grupo RBS com a Globo. Magliano não pensou duas vezes e vendeu a companhia. Ele não revela o valor. Se os astros lhe deram uma boa ajuda com o negócio, o mesmo não pode ser dito sobre a Geo. A empresa deve ser fechada pela Globo ainda neste mês, por não dar lucro. Seu último evento ocorreu no dia 6: o sorteio das chaves da Copa do Mundo de 2014, na Costa do Sauípe.
Magliano ainda fica extasiado ao recordar o episódio — e, desde então, se tornou cliente fiel de Bernis. Ambos pretendem, inclusive, fechar uma parceria: a criação de um clube de investimentos que usa ferramentas esotéricas, como a astrologia, para potencializar seus ganhos. “Eu acredito que o interesse tenha aumentado nos últimos anos devido às constantes flutuações no mercado financeiro. O investidor precisa de mais ferramentas para tomar decisões. As antigas teorias não são mais suficientes”, diz o astrólogo, cuja carteira de clientes fixos conta com 50 pessoas.
Enquanto ferramentas de data crunch, como a desenvolvida por Raymond Merriman, não chegam ao Brasil, a fórmula padrão utilizada pelos gurus de investidores e empresários é o mapa astral. A astróloga Márcia Mattos explica que é possível, por meio do desenho do alinhamento dos planetas na data de nascimento do cliente, verificar tendências astrológicas para situações nada místicas, como fluxo de caixa de uma empresa, inovação, chance de crescimento e período mais favorável para contratações ou demissões. O empreendedor Emerson Ferreira lança mão do expediente para prevenir prejuízos em seu negócio. Ele conta que seu mapa astral indicava um período de renovação e mudanças profissionais no início de 2013. “Foi nessa época que meus dois sócios terminaram a nossa parceria e eu decidi comprar a parte deles”, diz Ferreira, que costuma consultar os astros até mesmo para saber o melhor período para tirar férias.
A ânsia dos empresários pelo auxílio cósmico esbarra até mesmo na “invasão da privacidade” astrológica de outros indivíduos. A astróloga Marília Girardi contou que um de seus clientes é presidente de uma grande empresa brasileira de cosméticos. O executivo, segundo Marília, não contrata sequer um funcionário com quem terá de lidar pessoalmente sem antes encomendar o mapa astral do indivíduo. O executivo, segundo a astróloga, se interessa por características como comprometimento e extrema dedicação, principalmente para os colaboradores do alto escalão. Se o mapa astral indicar que sujeito não está em momento profissional favorável ou possui uma energia astral ruim, o administrador é implacável: cancela a contratação no ato.
Reportagem de Jéssica Otoboni
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