12/10/2013

Psicólogos e movimentos sociais propõem Dia das Crianças sem Consumismo


O Dia das Crianças é uma das ocasiões que mais aquecem o comércio brasileiro. No ano passado, ficou atrás apenas do Natal. O impacto dessa prática de associar a data ao consumo de produtos infantis, no entanto, ainda não recebe a atenção merecida. O Movimento Infância Livre de Consumismo (MILC) e o Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana, são alguns dos que pregam a defesa das crianças das artimanhas do mercado. Esses movimentos, vale ressaltar, deixam claro que não são contra o consumo ou o papel dos pais na educação dos filhos. Eles são contra o consumismo - aquele desejo compulsivo de consumir sem necessidades práticas efetivas - e o impacto disso nas gerações futuras e no meio ambiente. A campanha "Dia das Crianças Livre de Consumismo", do MILC, já conta com mais de 17 mil likes no Facebook.
Enquanto isso, a publicidade infantil segue sem regulamentação. Um Projeto de Lei (PL 5921/2001) está na Câmara há 12 anos e continua sem definição concreta, correndo o risco de esperar mais uma criança crescer para ser aprovado, ou nem chegar a isso. O fato, corroborado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), é que até os 12 anos nenhuma criança tem capacidade de discernir, na televisão, por exemplo, o que é publicidade e o que é programação. Seria necessário, portanto, um controle da atividade publicitária voltada à infância, controle realizado hoje no Brasil apenas pelo próprio mercado. O impacto dessa liberdade, considerando que a publicidade brasileira é tida como uma das mais eficientes do mundo, é sério e gera obstáculos para a construção da cidadania, como reforça Roseli Goffman, conselheira do CFP. 
Para a co-fundadora do MILC, Ana Claudia Bessa, o Dia das Crianças no Brasil é voltado exclusivamente para o comércio de brinquedos, ao contrário de outros países, que aproveitam a data para levantar bandeiras de defesa da infância ou para promover um maior tempo com a família. De fato, apesar de ter sido criado por aqui na década de 1920, a data comemorativa só emplacou e fez sucesso nos lares brasileiros três décadas depois, com o lançamento de uma campanha da Johnson & Johnson, em parceria com a fábrica de brinquedos Estrela, que buscava aquecer as vendas das duas empresas.
"O Dia das Crianças é uma data exclusivamente comercial, que busca levar as pessoas a consumir sem motivo. O que nós buscamos, então, é um contraponto, para que olhemos para a criança sem dar ênfase ao consumismo. Vamos aproveitar o dia para oferecer outro tipo de presente, vamos passear, dar atenção, fazer uma coisa diferente. Existem outros valores que não os bens materiais", alerta Ana Claudia.  
A psicóloga Roseli alerta para o fato de que é na infância que são formados os hábitos, que serão determinados na vida adulta. Se uma criança é estimulada todo o tempo para o consumismo, a tendência é que ela se torne um adulto com um consumismo "semi-desenfreado". O problema para o CFP não seria o consumo ou a atuação da publicidade, "não temos nada contra a publicidade", mas a formação de uma sociedade que incentiva o supérfluo e as relações superficiais. "A sociedade atual valoriza mais comprar um brinquedo que a criança vai usar um único dia do que um passeio. Antigamente, no domingo, as crianças iam à praça, ao jardim. Hoje, elas vão ao templo do consumo (shopping)".
Regulamentação da publicidade infantil, luta que já amadureceu e não saiu do papel
Uma das principais lutas do MILC e do Alana é a aprovação do Projeto de Lei 5.921/2001, que regulamenta a publicidade voltada ao público infantil. Em todos os países democráticos, a publicidade dirigida à criança tem uma regulamentação. Roseli acredita que o empecilho para aprovação da lei são as grandes corporações de mídia, que "impedem que os avanços democráticos se deem no Congresso". O PL chegou há mais de 20 dias à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, mas esta ainda não escolheu seu relator, processo que costuma demorar menos de cinco dias.
Conforme explicou o presidente da comissão, Décio Nery de Lima (PT-SC), como se trata de um PL de grande importância, muitos deputados demonstraram interesse em ser os relatores, mas que, conforme a sensibilidade do tema, é preciso escolher com calma o relator. Caso não haja consenso, ele mesmo viria a ser. A comissão, no entanto, ainda não tem prazo para apresentar o tão esperado nome.
Para o autor do projeto, Luiz Carlos Jorge Hauly (PSDB/PR), que retornou ao Congresso há poucos dias, o PL é um dos mais importantes para a formação da cidadania brasileira. Ele reforça os malefícios das propagandas aos menores de 12 anos. "A televisão é o maior instrumento de comunicação da história da humanidade, influenciando nas vidas, nas famílias, tanto que é uma das principais ferramentas das campanhas políticas. Enquanto a lei não é aprovada, uma criança é influenciada pelo consumismo e pela propaganda mais bem elaborada do mundo".
O Conselho Federal de Psicologia desenvolveu, inclusive, uma cartilha para o fim da publicidade dirigida às crianças. "Fazer isso com as crianças é pura covardia, já que elas não têm capacidade crítica. A sociedade capitalista investe em valores econômicos, mas não em valores éticos. Eu acho que [o atraso da aprovação do PL na Câmara] é uma piada com a opinião pública. Se os pais não conseguem investir em em fundamentos e valores durante a infância, depois fica muito mais complicado. A família não tem culpa de criar um consumista. Não tem como impedir que os comerciais cheguem até a criança. Isso é uma covardia para o processo civilizatória", declarou Roseli.
Gabriela Vuolo, coordenadora de Mobilização do Instituto Alana, reforça ainda a presença cada vez mais constante em diferentes meios, como nas histórias em quadrinhos e até no teatrinho apresentado na escola. Uma das ações do instituto para combater o consumismo, que acabou chegando a outros países neste ano, como a Austrália, é a feira de troca de brinquedos. O objetivo seria justamente apontar para o perigo da acumulação e a possibilidade de adquirir brinquedos por outras formas que não sejam a compra. Durante a feira, são as próprias crianças que negociam o que querem oferecer e o que desejam para si, e ainda exercitam o desapego e trocam experiências.

Reportagem de Pamela Mascarenhas

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