O número de migrantes
internacionais continua a crescer inexoravelmente, mesmo em vista da
multiplicação de relatos sobre trabalho escravo. O número de pessoas que vivem
e trabalham fora de seus países de origem chegou ao recorde de 232 milhões de
pessoas – que geram mais de 400 bilhões de dólares anuais em remessas de
recursos. A cifra também não param de crescer. Ela já é, segunda a ONU, quase
quatro vezes maior que a ajuda ao desenvolvimento prestada pelos países ricos
aos mais pobres,
Os rios de dinheiro que fluem
para os países em desenvolvimento – entre eles, Índia, Bangladesh, Marrocos,
México, Sri Lanka, Nepal, Egito e Filipinas – é um dos efeitos mais positivos
da imigração. Mas o que é benção para alguns, torna-se calamidade para outros.
No lado obscuro, estão a contínua exploração dos imigrantes, em especial no
Oriente Médio, os baixos salários, o cuidado médico inadequado e condições
atrozes de trabalho.
Jaseph Chamie, um ex-diretor da
Divisão de Populações da ONU que escreveu vastamente sobre migrações
internacionais, afirmou à Agência IPS que embora haja condenação internacional
do trabalho “escravo” de estrangeiros, é difícil fazer valer as normas de
proteção, porque o trabalho é em geral realizado em residências e pequenas
empresas. Uma estratégia para enfrentar o problema é a Convenção para Trabalho
Doméstico da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que entrou em vigor
no mês passado.
Ao falar na abertura de um
encontro de alto nível sobre imigração internacional e desenvolvimento, Abdelhamid
El Jamri, diretor do Comitê sobre Direitos dos Trabalhadores Migrantes (CMW, em
inglês), frisou nesta quarta-feira (2/10) que os migrantes não são mercadorias.
“Mudar os padrões de migração, enfrentando a exploração e as discriminações
enfrentadas por eles em ramos como agricultura e construção civil tornou-se
mais crucial que nunca”, disse ele.
A Convenção Internacional sobre
os Direitos dos Imigrantes e suas Famílias (ICRMW, em inglês) é um dos tratados
internacionais mais importantes sobre direitos humanos. No entanto, embora
tenha sido aprovada há dez anos, ela foi ratificada por apenas 47 dos 193
países-membros da ONU. Nenhum dos grandes destinos de imigrantes – Estados
Unidos, países da União Europeia e nações do Golfo Pérsico, onde milhoes de imigrantes
vivem e trabalham – a endossou, até agora.
Indagado sobre o encontro de
alto nível da ONU, marcado para 3 e 4 de outubro, Joseph Chamie afirmou que
devido às realidades políticas atuais e aos contínuos atritos entre países que
importam e exporatam mão-de-obra, “é improvável que o evento resulte em algo
além de palavras”
A divisão aguda entre os dois
lados, disse ele, relaciona-se a temas como reunificação das famílias, direitos
dos imigrantes, trabalhadores indocumentados e responsabilidade partilhada. Kul
Gautam, um nepalês que foi secretário-geral assistente da agência da ONU para a
infância (Unicef), afirma que as rendas dos imigrantes são hoje a principal
fonte de renda nacional em seu país. As remessas equivalem a cerca de 25% do
PIB do país. Dos 400 mil jovens adultos que entram no mercado de trabalho a
cada ano, cerca de 300 mil procuram imigrar. A maior concentração deles está no
Qatar e na Malácia (cerca de 400 mil em cada país).
Gautam critica o tratamento
áspero dispensado aos imigrantes, em especial nos países do Golfo Pérsico. Ele
afirma que as denúncias mais recentes de escravidão contemporânea em massa
referem-se ao Qatar – um dos países mais ricos do mundo, que empre
trabalhadores nepaleses na construção da infra-estrutura para a Copa do Mundo
da FIFA, em 2022. Uma reportagem investigativa recente do jornal britânico The Guardian descreve um quadro dramático, de milhares
de trabalhadores forçados a condições inumanas, sem receber pagamento por
longos períodos e desprovidos de equipamento de segurança. O governo do Nepal
anunciou esta semana que 70 imigrantes nepaleses morreram nas obras da
Copa-2022, nos últimos dois anos.
Em relação ao endurecimento das
normas internacionasi, Gautan afirmou: “é difícil dizer se o diálogo de alto
nível [desta semana] terá impacto significativo. Mas seria necessário”. No
Nepal, pouquíssimas pessoas fora informadas do encontro, ele lembrou,
acrescentado: “duvido que a delegação do país esteja preparada e tenha
propostas concretas”. Mas também frisou: “Penso que, no Nepal e em diversos
outros países, a imigração é um tema mais importante, para o desenvolvimento,
que o comércio, a ajuda internacional ou o investimento direto.
Para fazer justiça, prosseguiu
Gautan, o governo do Qatar não é o único a praticar ou acobertar condições
semelhantes às de trabalho escravo. Empresas privadas, contratantesa e
intermediários são os principais responsáveis por tais práticas desumanas.
Indagado sobre possíveis ações da ONU para prevenir tais abusos, Joseph Chamie
. Afirmou que o tema não está entre as principais prioridades das Nações
Unidas. Em contraste com outros temas globais, como infância, comércio,
meio-ambiente, finanças, mulheres e idosos – todos eles, foco de conferências
globais – a migração internacional é “uma criança rejeitada”.
“Por enquanto, e no futuro
previsível, é um tema fora do sistema ONU”, prosseguiu. Perguntado sobre as
razões para tanto, afirmou: “Os países de destino dos imigrantes, especialmente
os mais ricos, não desejam ver o tema tratado pelas Nações Unidas”.
Reportagem de Thalif Deen, na Agência IPS | Tradução:Antonio
Martins
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