Os populismos políticos de antigamente estão na moda. O candidato do partido de extrema direita, Frente Nacional (FN), Laurent Lopez (foto acima), colocou mais uma peça no tabuleiro dessa corrente política, ao vencer as eleições realizadas na localidade de Brignoles, no sudeste da França. A FN derrotou uma frente republicana liderada por uma candidata do partido conservador UMP. Esta vitória é um degrau a mais na direção de uma conquista que pode ser muito maior. Com um discurso velho, mas exitosamente reciclado nos medos da modernidade, o racismo e as consignas antissistema, a extrema-direita francesa está na fronteira de se converter no primeiro partido da França, acima dos chamados partidos de governo, o Partido Socialista e a conservadora UMP fundada pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy.
Há cerca de 30 anos, em 1984, a Frente Nacional irrompeu na cena política francesa após obter 10,95% dos votos nas eleições europeias daquele ano. Foi uma hecatombe. Desde lá, seu crescimento tem experimentado uma curva ascendente. Segundo uma pesquisa publicada pelo semanário Nouvel Observateur, a Frente nacional obteria hoje 24% dos votos nas mesmas eleições. O FN se situa assim dois pontos acima da direitista UMP e cinco pontos acima do Partido Socialista, atualmente no governo. A pesquisa excede em muito um quadro momentâneo porque seu resultado representa um marco: é a primeira vez na história que a extrema-direita aparece em primeiro lugar em uma pesquisa em escala nacional.
As perspectivas dos ultradireitistas são tão mais alentadoras na medida em que o horizonte eleitoral se aproxima: a partir de março do ano que vem, serão realizadas eleições municipais e europeias. Não há fórmula mágica: a extrema-direita, hoje liderada pela filha de seu fundador, Marine Le Pen, terminará por completar nessas duas eleições sua penetração em todo o espectro do eleitorado nacional.
Os analistas franceses passaram três décadas se equivocando sobre a caracterização da extrema direita: fenômeno passageiro, voto de protesto, crise da representatividade, desconfiança conjuntural, abandono dos setores populares por parte das grandes formações políticas, antieuropeísmo. A lista de argumentos nunca combinou com a explicação global. A Frente Nacional deixou de ser um partido de uma minoria para se converter no partido de todos: jovens, trabalhadores, votantes comunistas, eleitores oriundos da direita clássica, do Partido Socialista, executivos e agricultores. A época na qual só os fascistas votavam nela pertence ao caderno das anedotas. Suas ideias racistas se banalizaram em uma França rica, onde se vive com um conforto quase inigualado, onde as férias são extensas, os direitos infinitos, o Estado um protetor consequente, a educação gratuita, a saúde subvencionada pelo Estado e o seguro desemprego um benefício global.
Como assinalam Emmanuel Todd e Hervé Le Bras, no brilhante ensaio “O Mistério francês”, é como se houvesse duas Franças, uma otimista em outra depressiva. A que vota pela FN é depressiva e medrosa. A banalização das ideias da extrema-direita deve-se muito também ao comportamento dos líderes da direita. Com o objetivo de disputar votos não duvidam em assumir como suas as ideias, os ataques contra os estrangeiros e os insultos em alto tom e baixo calão contra os imigrados. O PS tampouco fica atrás: imigração, segurança e delinquência ocupam hoje o vocabulário político nacional de maneira recorrente. A agenda do FN se tornou com o passar dos anos a agenda nacional. A ofensiva violenta contra os ciganos protagonizada pelo atual ministro do Interior, Manuel Valls, não difere muito das incursões verbais da direita.
“A probabilidade de que se vote pela Frente Nacional aumenta com o nível de desigualdades”, observa Joël Gombion, cientista político e especialista na extrema-direita. Nenhuma força política de oposição foi capaz de contrapor sua influência: nem os ecologistas, eternamente enredados em suas disputas adolescentes, nem a esquerda da esquerda representada por Jean Luc Mélenchon. De maneira enganosa, frente ao consenso dirigente generalizado, a Frente Nacional aparece como a única alternativa verossímil de ruptura radical. Sua plataforma ideológica é invariável: racista, anti-elites, anti-globalização, ultra-nacionalista e antieuropeia. O coquetel funcionou como um canto de sereia em uma sociedade cheia de medos: dos árabes, dos africanos, da Europa, dos bancos, dos ciganos, da velocidade do mundo, da bolsa de valores, da noite ou de qualquer outra coisa imaginária capaz de encarnar o medo.
Neste contexto, onde tudo o que representa “o outro” infunde medo, o “leitmotiv” da extrema-direita, a “prioridade nacional”, soa como um código completo para conjurar os medos e a crise: a França para a França e os franceses. O cientista político e também especialista na extrema-direita, Jean-Yves Camus, comenta nas páginas do matutino Libération que “a prioridade nacional é a espinha dorsal que estrutura o programa da Frente Nacional”. Segundo Camus, “a Frente Nacional é a França e só França em três níveis de identidade para os indivíduos: local, nacional e de civilização”.
Desde que assumiu a direção do partido há três anos, Marine Le Pen conseguiu também reverter a demonização do movimento e inscrevê-lo no cotidiano do sistema político. Ninguém mais se escandaliza com seus discursos nem recusa participar de um debate televisivo como costuma acontecer com seu pai, Jean Marie Le Pen. A herdeira conseguiu triplicar o número de militantes (70 mil), diluir a imagem selvagem e violenta que cercava o partido e situar-se acima dos partidos tradicionais. Ela empreendeu outra batalha, recusa que a Frente Nacional seja catalogada como um partido de extrema direita e costuma arremeter contra a imprensa e ameaçar com processos judiciais quando alguém classifica o partido dessa maneira. Sua resposta consiste em dizer: não somos nem de esquerda nem de direita, somos o partido do povo.
“Do povo” quer dizer aqui contra as elites. Populista até a caricatura, a extrema direita modernizadora propõe limitar os direitos sociais exclusivamente para os franceses, retrata uma França em decadência sob o peso da imigração e do Islã e ataca as elites dirigentes. Com esse trio consegue alçar-se a alturas onde ninguém imaginava que conseguiria ir. Emmanuel Todd ressalta que a Frente Nacional “joga em duas casas ao designar dois inimigos: o inimigo de classe, a gente de cima, os ricos, os poderosos e um inimigo étnico, de baixo”. O auge da extrema direita é o sintoma de um grande desarranjo onde o debate sobre segurança e imigração pesa mais que os temas transcendentais, onde os dirigentes correm assustados atrás dos eleitores da ultra-direita imitando seus líderes, onde o modelo econômico europeu é de uma austeridade de cemitério, e as políticas econômicas não tem diferença alguma entre governos de direita ou da social democracia. O terreno é fértil: recessão, austeridade, imigração, desemprego, dúvidas sobre a identidade. A sinfonia ultranacionalista recém começa a interpretar a marcha de seu retorno triunfante.
Reportagem de Eduardo Febbro/Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita e pelo comentário!