Quem observa as movimentações do mercado financeiro nos países emergentes neste mês de agosto pode ficar com a impressão de que o mundo voltou algumas décadas no tempo - para uma época em que Ásia e América Latina eram apenas vistos como lugares de ganhos rápidos e altos riscos.
As regiões que na última década conseguiram registrar crescimento econômico em percentuais acima do mundo desenvolvido sofreram neste mês fortes oscilações nos mercados financeiros.
As moedas da Índia, Indonésia e Tailândia desabaram na comparação com o dólar, atingindo o menor nível desde 2009. Com exceção da China, as bolsas de valores asiáticas perderam em poucas semanas quase todos os ganhos do ano.
No Brasil, as autoridades monetárias anunciaram um plano multibilionário para conter a queda do real diante dólar, que já atingiu o patamar mais baixo dos últimos cinco anos.
O "mês do desgosto" fez com que muitos economistas e publicações especializadas passassem a se debruçar sobre uma questão: o mundo emergente está rumando para uma crise? Ou ainda: com que força essa turbulência financeira vai chegar à economia real?
Descolamento 'às avessas'
Em 2008, muitos economistas debatiam a tese do "descolamento" - a ideia de que o mundo emergente estava imune à grave crise que começava a atingir os países desenvolvidos. Com o tempo, economias como China e Brasil também desaceleraram o seu ritmo, e a tese perdeu força.
No entanto, a ideia voltou à discussão no último mês, mas agora com notícias de recuperação econômica na Europa e nos Estados Unidos, e turbulências nos mercados emergentes.
"Isso [o 'descolamento'] certamente é o que os números mostram. A Europa parece estar se recuperando e os números saindo dos Estados Unidos são surpreendentemente bons", disse Markus Jaeger, analista de risco global do Deutsche Bank Research, à BBC Brasil.
"Você tem dificuldades de achar alguma economia emergente que está com bom desempenho. Todos esses países estão com desempenho abaixo do potencial. Imagino que isso é uma espécie de 'descolamento às avessas', mas temos que esperar para ver o quão sustentável essas recuperações serão e o que acontecerá nos mercados emergentes. Mas certamente houve um ajuste nas expectativas."
Tsunami recuando
Ironicamente, é justamente a recuperação nos países desenvolvidos que provoca a instabilidade no mundo emergente neste momento.
No ano passado, o Banco Central americano havia anunciado o maior programa de estímulo financeiro da sua história, prometendo mantê-lo até que o índice de desemprego do país caísse. O programa de "afrouxamento quantitativo" (QE3), como é conhecido, inundou o mundo emergente com dólares, provocando uma queda na cotação das moedas nacionais.
Na época, houve protestos entre os emergentes contra os efeitos dessa política, que afetou a moeda, os custos e a balança comercial de vários países. As autoridades brasileiras chegaram a acusar uma "guerra cambial" e um "tsunami financeiro". Apesar dos protestos, muitas economias conseguiram se ajustar e continuar crescendo.
Agora que a economia americana parece estar se recuperando, o programa de estímulo será encerrado. A grande dúvida é sobre quando isso vai acontecer. Especula-se que o QE3 pode terminar em setembro, em dezembro ou talvez só no próximo ano.
O mero anúncio de que haverá uma mudança - sem qualquer alteração ainda na política monetária americana - já provocou toda essa turbulência recente nos países emergentes.
Os investidores estão se antecipando ao que esperam que vai acontecer. Com o fim do QE3, haverá menos dólares em oferta no mundo. Além disso, a recuperação dos Estados Unidos fará com que muitos investimentos migrem de volta para o país, descapitalizando os mercados emergentes.
Com a onda do "tsunami financeiro" recuando de volta para os Estados Unidos, o rastro deixado nos países emergentes é de moedas nacionais desvalorizadas, menos investimento externo, menos capital nas bolsas de valores, custos de importação mais altos e possível inflação.
Longo prazo
Mas nem todos veem com pessimismo esse novo momento.
Um editorial do jornal britânico Financial Times afirma que "as transformações econômicas nos países emergentes [nas últimas décadas] são profundas demais para que possam ser desfeitas por uma mera tempestade nos mercados". O jornal destaca que os países aprenderam as lições de crises passadas, como a asiática dos anos 1990, e acumularam reservas para lidar com momentos de grande saída de capitais.
Há quem veja na crise até mesmo uma oportunidade.
Markus Jaeger, do Deutsche Bank, diz que os emergentes podem ter perdas no curto prazo com a atual volatilidade, mas ganhos no longo prazo.
"Existe um perde-e-ganha. Por um lado, as condições financeiras ficarão mais apertadas nos mercados emergentes. Mas por outro lado, isso estará acontecendo em um contexto de crescimento mais vigoroso e mais sustentável nos Estados Unidos", explica Jaeger.
"No curto prazo, provavelmente é negativo, com toda essa insegurança em relação à moeda do Brasil e da Índia, e com todas as potenciais intervenções e um potencial aumento nas taxas de juros. No longo prazo, o crescimento econômico dos Estados Unidos deve dar uma contribuição mais forte e positiva ao crescimento nesses países."
O analista sênior da Economist Intelligence Unit (EIU) para a América Latina, Robert Wood, concorda.
"Eu acho que o que estamos vendo, essa volatilidade não só da moeda, mas de ações e preços, nesta fase, é que há algo positivo em tudo isso", disse Wood à BBC Brasil. "É porque a economia americana está mais forte, com previsão de crescer 1,6% este ano, ganhando momento, e podendo chegar perto de 2,5% no ano que vem."
América Latina
Ele acredita que o México é o país que pode mais se beneficiar, no longo prazo, com a recuperação americana, dadas as relações próximas entre as duas economias. Mas o Brasil também pode ter um impulso.
"Muito do que acontece na América Latina depende de México e Brasil, que respondem por 60% da economia da região."
Em tese, a desvalorização do real fortalece os exportadores brasileiros, já beneficiados com a recuperação dos Estados Unidos. Mas há riscos embutidos.
"Uma desvalorização da moeda é bem-vinda até uma certa medida pelos exportadores, mas um aumento muito brusco prejudica a inflação", diz Wood.
"Na visão da EIU, os países emergentes estão passando por um grande teste, mas ainda há muitas oportunidades. As economias da América Latina provavelmente conseguirão superar esses desafios."
O analista do Deutsche Bank ressalta que a instabilidade atual mostrou que o mundo de hoje é muito diferente do de dez anos atrás, e que os emergentes estão mais resistentes aos choques que vêm de fora.
"Olhando para os mercados emergentes hoje, é difícil achar uma economia que esteja vulnerável do ponto de vista sistêmico à saída de capitais. No final dos anos 1990, ou até mesmo em 2002 no Brasil, estes choques geralmente derrubavam as economias, desencadeando crises financeiras e econômicas", diz Jaeger.
"A crise de 2008 mostrou que esses países conseguem resistir até mesmo a choques enormes. Nos últimos cinco anos, isso não mudou. Os países conseguem navegar pelos choques, deixando suas moedas se desvalorizar, e depois disso a vida segue."
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigada pela visita e pelo comentário!