27/08/2013

A era da Energia Extrema

Alguns anos atrás, nas vésperas das negociações climáticas em Copenhagen, a indústria dos combustíveis fósseis parecia estar na defensiva, com o crescimento da pressão para cortar as emissões de carbono. A elevação dos preços no setor energético e as dúvidas a respeito de sua capacidade em aumentar a produção de petróleo, faziam a indústria parecer um dinossauro em luta para sobreviver. Hoje, ela está na ofensiva e, longe de enfrentar restrições, empanha-se na expansão maciça da extração de combustíveis fósseis, em novas áreas do globo.
Não há melhor medida para essa mudança que a ExxonMobil, a maior empresa privada de petróleo no mundo. Em 2008, estava financiando, agressivamente, a negação da mudança climática e fazendo lobby intenso contra as restrições impostas a seu negócio. Acelere o filme para o último verão. Na esteira da caricata conferência Rio+20, o diretor-executivo da Exxon, Rex Tillerson, em palestra para o Conselho de Relações Exteriores, não apenas reconheceu a mudança climática mas também a “abraçou” dizendo que era um “problema de engenharia” e uma oportunidade de negócio.
Os fatos são alarmantes. O preço do barril de petróleo permanece nas alturas e a concentração de dióxido de carbono na atmosfera ultrapassará 400 partes por milhão este ano, pela primeira vez na história da humanidade. O que mudou radicalmente é o volume da retórica empregada para negar essa realidade. Até as ações de mera fachada estão desaparecendo. Agora, o foco está no surgimento de “planos de de planos para suposta “reparação”, por meio de tecnologias como captura e armazenagem de carbono (CSS) ou geo-engenharia, em um futuro distante.
Por trás de toda essa cortina de fumaça, há um mundo real não tão suscetível a esses truques. De um lado, o aumento constante da temperatura indica o que a mudança climática pode representar; de outro, o aumento nos custos energéticos marca o contínuo esgotamento dos combustíveis fósseis.
Mas os depósitos combustíveis fósseis não são poço de tamanho determinado, que está sendo consumido e em certo momento irá se esgotar. O uso das rochas betuminosas, as perfurações no Oceano Ártico e a extração de petróleo por fragmentação hidráulica (“fracking”) demonstram que, embora as reservas de extração mais fácil estejam acabando, existem sempre outras, mais difíceis de explorar, para substituir as primeiras, se você estiver suficientemente desesperado. Esses combustíveis fósseis de extração mais difícil vêm, entretanto, com um custo adicional – como se não bastasse a emissão de carbono.
Nestes casos, a exploração anda quase sempre de mãos dadas com a devastação ambiental. Isso é bem claro, por exemplo, na destruição causada nas florestas boreais em Alberta, Canadá, para extração em rochas betuminosas. Mas não apenas lá. Seja na passagem para a mineração a céu aberto, quando o carvão ficou cada vez mais escasso, ou no impulso para extração de petróleo em águas profundas, o resultado tem sido maior pressão sobre o meio-ambiente. Áreas cada vez maiores do planeta têm de ser destruídas para um retorno cada vez menor.
Os impactos sociais desses métodos mais extremos são igualmente perturbadores. Maior esforço direcionado à extração para fins energéticos significa maior trabalho e recursos consumidos. Na última década, o peso do setor de energia mais que dobrou na economia mundial – de menos de 5% para mais de 10%. Mercados complexos e mecanismos políticos têm ocultado a verdade por trás das manchetes: enquanto o setor energético cresce, o resto da economia é achatado e aqueles com menor poder político são os primeiros a sofrer.
Rumo aos extremos
A mudança para métodos ainda mais extremos, à medida em que se exaurem os recursos fáceis de extrair, exige uma cuidadosa consideração: onde esse processo irá acabar? Quando a energia usada na extração tender a se tornar maior que a produzida, em que momento já não poderemos falar em uma “fonte de energia”? Na prática, problemas sérios surgem muito antes de este ponto ser atingido. Imagine um mundo onde a principal fonte de energia precise de metade da energia produzida para manter em funcionamento o processo de extração. Não apenas metade de toda a economia será destinada à extração de energia, mas o nível de destruição ambiental será aterrorizante.
O Reino Unido é hoje, como quase sempre, a maior ameaça no que tange extração não-convencional de gás e petróleo (coloquialmente conhecida como fracking); de gás e óleo de xisto; de metano em jazidas de carvão (CBM, em inglês) e gaseificação de carvão subterrâneo (GCS). Esses métodos consomem enorme quantidade de energia e requerem imenso volume de recursos, como plataformas avançadas de perfuração. As características comuns incluem poços densos de perfuração horizontal, algum tipo de fraturação hidráulica ou (desidratação). As quantidades de energia produzidas em cada poço são relativamente pequenas, e o período de produção é curto.
A gaseificação de carvão subterrâneo (GCS), o método mais extremo que conhecemos até o momento, envolve atear fogo no carvão subterrâneo e trazer à superfície o coquetel tóxico produzido. O Reino Unido é o pioneiro, com 21 licenças de GCS já vendidas, em seu litoral, perto de grandes cidades como Swansea, Liverpool e Edimburgo. Algo sem precedentes: uma nova licença está à venda em terra firme, no interior de Warwickshire, próximo a Leamington Spa. Uma companhia, a Five-Quarter Energy, planeja iniciar a perfuração na costa de Northumberland nesse verão (nosso inverno).
A escala de tudo isso é raramente analisada. A característica mais fundamental do gás e petróleo não-convencionais é sua natureza dispersa. Qualquer poço irá produzir pouco gás, e apenas por curto período. É necessário que milhares de poços sejam constantemente perfurados, cobrindo a paisagem de buracos, para produzir volumes moderados de energia. O maior campo de gás convencional no Reino Unido era o de Saltfleetby, em Lincolnshire. Possuía oito poços, mas para se produzir a mesma quantidade de gás não-convencional seriam necessários centenas de poços.
Os maiores impactos de fracking incluem vazamento de metano, poluição e produção de resíduos tóxicos e radioativos nas águas; poluição severa do ar; industrialização desenfreada das áreas internas e aceleração da mudança climática. Entretanto, o debate público no Reino Unido concentrou-se em torno de um “não-problema”: se os terremotos subterrâneos induzidos por fracking podem causar dano na superfície. Nos EUA, desvia-se o foco dos problemas reais especulando se há alguma ligação entre a contaminação da água e uma forma específica da fraturação hidráulica. Oculta-se, assim, a ligação clara entre a contaminação e a extração de gás de xisto como um todo.
Esta estratégia tem, efetivamente, desviado a atenção do grande problema que causará impactos em nossa sociedade e meio-ambiente. Até mesmo o sistema acadêmico pode ser corrompido para servir a indústria: descobriu-se que estudos acadêmicos pró-fracking foram financiados secretamente por essa indústria.

A luta esquenta
Felizmente, a luta contra os métodos extremos esquenta. A vila rual de Balcombe é a próxima na linha de tiro, enquanto a Cuadrilla Resources (nome sugestivo…) procura estender sua extração de gás de xisto, de Lancashire para Sussex. Comunidades ameaçadas estão se organizando para resistir, seguindo o exemplo da Austrália, onde houve êxitos consideráveis na luta para travar os avanços da indústria. Embora as forças que se uniram contra as comunidades fossem formidáveis, as conquistas materializaram-se no recente pedido de James Hansen– um dos pioneiros no estudo da mudança climática – para que os combustíveis fósseis não-convencionais sejam deixados onde estão.
Ainda que os impactos nos países ricos parecem ser maléficos, eles tornam-se pequenos, quando comparados ao que os povos no sul do planeta enfrentam. São estes que não podem dar-se ao luxo de tomar água em garrafas de plástico e estão mais próximos das consequências ambientais. O anúncio recente de que a Essar Oil obteve permissão para perfurar 650 poços de carvão gaseificado (GCS) em Bengala Ocidental, ao norte de Kolkata, é apenas a ponta de um iceberg que se agiganta. A área é próxima à de maior densidade populacional na Índia e já sofre de problemas sérios com falta de água.
O diretor-executivo da Exxon teria dito, recentemente: “Qual o benefício de salvar o planeta, se a humanidade sofre?”. É como se o futuro da humanidade pudesse ser separado dos ecossistemas dos quais todos dependemos. Nessa visão de mundo distorcida, a Exxon é a salvadora, pois descobre, para nós, maneiras novas e criativas de manter níveis insustentáveis de consumo de energia.
No mundo real, está se tornando cada vez mais claro que o futuro da humanidade e do planeta dependem de manter os combustíveis fósseis onde eles estão. Isso irá requerer uma completa transformação nos sistemas econômicos e sociais que estão produzindo os métodos extremos de produção de energia.

Texto de Charlotte Wilson, no Zmag | Tradução: Vinícius Gomes

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