01/07/2013

O transporte público gratuito é possível?

Ideia que serviu de estopim para os protestos que tomaram o país, o transporte público gratuito já foi adotado em diversas cidades de pequeno porte. A grande prova de fogo é atestar sua viabilidade nas metrópoles.


Protestos varreram várias das principais cidades do Brasil durante todo o mês de junho. A principal bandeira levantada pela multidão foi a queda nas tarifas de ônibus, que haviam subido em muitas capitais. Mas, segundo os organizadores dos protestos, o objetivo final era instaurar o passe livre — tornar gratuitos todos os meios de transportes públicos. Apesar do sucesso em reduzir a tarifa, quais são as chances reais de implantar a tarifa zero em cidades como Sao Paulo e Rio de Janeiro, que transportam milhões de passageiros por dia?
Experiências bem sucedidas — Cinco meses antes de os protestos estourarem no Brasil, a prefeitura de Tallinn, capital da Estônia, aboliu as tarifas de todo o transporte público que percorre a cidade. Segundo as regras implantadas, qualquer cidadão pode  viajar quantas vezes quiser, sem desembolsar nada, nas linhas de ônibus que cortam a cidade. Os habitantes de Tallinn começaram a se habituar com o novo tipo de transporte gratuito e a deixar os carros em casa — o número de automóveis nas ruas caiu 9% nos primeiros meses.
Tallinn não é a primeira cidade a instaurar o transporte público grátis de maneira irrestrita — é apenas a maior. Com mais de 420.000 habitantes, a capital trouxe à tona o debate sobre a possibilidade de cidades grandes darem espaço para o passe livre. Os motivos para esse tipo de iniciativa são vários, desde tornar o transporte mais acessível a todos até diminuir o uso de carros, reduzindo a poluição e o trânsito. A dúvida é se o projeto é sustentável financeiramente, pois o dinheiro que deixa de vir das tarifas tem de sair do orçamento da prefeitura ou de outra instância do poder público.
Grandes ideias, pequenas cidades — Em cidades menores, o modelo gratuito de transporte público tem se mostrado possível, com diversos exemplos pelo mundo. Em Colomiers, na França, por exemplo, os 33.000 habitantes não pagam nada para andar nas poucas linhas de ônibus da cidade — e isso desde a década da de 1970. Ao longo dos anos, outras doze áreas francesas copiaram o modelo (em Aubagne, ele ficou conhecido como Liberdade, Igualdade e Gratuidade). Isso é possível por causa do pequeno número de linhas que essas cidades têm, que praticamente não compensa o gasto para manter uma estrutura de cobrança de tarifas.
Nos Estados Unidos, o transporte também é gratuito em pequenas cidades como Bozeman, em Montana, e Commerce, na Califórnia. "Todos os sistemas de transporte gratuitos nos Estados Unidos estão ou em pequenas áreas rurais e urbanas ou em comunidades universitárias. É muito fácil para uma área urbana pequena com ônibus que só transportam um terço de sua capacidade máxima acomodar um aumento de 100% nos serviços de transporte", diz Joel Volinski, diretor do Centro Nacional de Pesquisa de Trânsito dos EUA na Universidade da Flórida do Sul, em entrevista ao o site de VEJA. Até o Brasil possui um exemplo: a cidade de Agudos não cobra pelo uso de seus ônibus desde 2003.
Meio termo — Cidades maiores costumam achar soluções de meio termo. Perth, na Austrália, com quase dois milhões de habitantes, instituiu ônibus gratuitos apenas em seu centro comercial. Isso acaba com o trânsito nessa área, mas no resto da cidade o transporte é pago. Outras cidades possuem apenas algumas linhas de ônibus gratuitas ou dias especiais em que o transporte não é cobrado, normalmente patrocinados por alguma empresa. É o que acontece em Londres, por exemplo, onde uma companhia de bebidas paga pelo metrô de todos os cidadãos na noite de ano-novo.
Ficou no papel — Nas grandes metrópoles, um sistema realmente abrangente de transporte gratuito nunca foi tentado, mas já foi planejado. A cidade de Nova York, por exemplo, já teve um projeto desenhado. Em 1965, o advogado Ted Kheel propôs a ideia de ônibus e metrôs gratuitos, bancada pelo aumento nas taxas de carros que trafegam por Manhattan. O projeto nunca foi adiante.
No Brasil, o próprio PT — que hoje é alvo dos protestos —, defendeu a ideia do passe livre em São Paulo. Durante o governo Luiza Erundina, no fim da década de 80, o partido propôs que o dinheiro necessário para a gratuidade do transporte saísse de um aumento no IPTU. O projeto não passou na Câmara Municipal.
Nos dois casos, os projetos esbarraram na dificuldade de arranjar verbas e na necessidade de aumentar impostos para financiar a empreitada. "É improvável que uma cidade grande com um sistema de transporte largamente utilizado torne seu uso gratuito. Pela simples razão de que essa política levará a uma utilização maior do serviço e a cidade precisará ampliar muito o número de veículos e operadores para responder à demanda. O sistema não apenas perderia a renda que estava recebendo, como também precisaria de mais dinheiro para pagar pela capacidade adicional", diz Joel Volinski. É justamente por causa dessas dificuldades que a tentativa de Tallinn tem chamado tanta atenção e está sendo observada de perto por diversas cidades ao redor do mundo.
Experimento europeu — Tallinn é a primeira capital europeia a tentar implantar um sistema gratuito de transportes. Desde janeiro deste ano, não cobra de seus habitantes pelo uso de ônibus e bondes. Os turistas e visitantes têm de pagar 1,60 euros — e é aí que mora o segredo do projeto.
Para ter acesso ao direito de usar o sistema de graça, as pessoas que moram na cidade devem mudar oficialmente seu domicílio para lá, o que faz com que boa parte de seus impostos sejam destinada para a prefeitura local. Segundo os governantes, a nova leva de dinheiro custeia boa parte dos 12 milhões de euros que o novo sistema deve tirar do orçamento público. O resto deve vir de um aumento no valor cobrado por vagas em estacionamentos públicos nas regiões centrais da cidade.
Em março do ano passado, antes de o projeto ser aceito, a cidade passou por um plebicito para decidir se alterava o sistema de transportes. Cerca de 20% dos eleitores locais participaram, e a proposta de gratuidade venceu por 75%.
Os críticos da proposta dizem que o sistema deve onerar os cofres públicos e não passa de oportunismo político, para ajudar o atual prefeito, Edgar Savisaar, a ganhar as próximas eleições. Uma parte dos usuários reclama da lotação dos novos ônibus, que estariam cheios de mendigos. Mas o público em geral parece não concordar. Após quatro meses de implantação, o uso de ônibus subiu 12,6% na cidade e o de carros caiu 9%.
Keila, uma pequena cidade de 10.000 habitantes situada a 30 quilômetros de Tallinn, foi a primeira a copiar o projeto — já em fevereiro deste ano. O governo da Estônia diz estar avaliando a iniciativa. Cidades como Vilnius, Riga e Helsinque, capitais de Lituânia, Letônia e Finlândia, já disseram estar acompanhando de perto os resultados do novo sistema de mobilidade urbana. Com todo mundo de olho, o resultado da experiência pode ser tanto um fracasso retumbante quanto significar uma nova era para o transporte nas grandes metrópoles.

Tallinn, Estônia

Número de habitantes: 420.000

Início do projeto: 2013

A cidade de Tallinn, capital da Estônia, adotou no começo deste ano o transporte público gratuito para todos os seus cidadãos — turistas ainda têm de pagar para usar os ônibus. O objetivo da prefeitura era aliviar o trânsito na cidade, antes que ele se tornasse tão pesado quanto em outras grandes capitais. Segundo os governantes, o dinheiro para pagar o projeto virá do imposto coletado de pessoas que habitavam a cidade mas ainda não tinham mudado seu endereço para lá. Agora, elas terão de mudar sua residência para ter o acesso gratuito aos ônibus.
Apesar de estar apenas nos primeiros meses, o projeto parece estar sendo bem-sucedido. O uso dos ônibus subiu 12% e o de carros caiu 10%. Alguns passageiros, no entanto, reclamam das linhas lotadas.

Hasselt, Bélgica

Número de habitantes: 74.000
Início do projeto: 1997
Fim do projeto: 2013
Na década de 1990, os governantes de Hassel realizaram um projeto para reordenar completamente o transporte na cidade, que incluía abrir mão de construir mais vias e dar mais espaço para pedestres e bicicletas. O maior objetivo, no entanto, era levar mais pessoas para o transporte público — que era pouco usado pela população. Com a implantação de um sistema de ônibus gratuitos, o número de usuários cresceu até dez vezes. Dessas viagens, 37% eram feitas por novos usuários.
O dinheiro para o novo sistema saiu do orçamento municipal. Segundo os governantes, a iniciativa foi muito bem sucedida e trouxe novos negócios para a cidade, o que dava conta dos gastos iniciais. Com o passar do tempo, no entanto, os custos foram aumentando — dos oito ônibus iniciais, a cidade passou a contar com 46. Em 2013, com o orçamento cada vez mais apertado e a crise econômica longe de terminar, o sistema gratuito foi abandonado. Hoje, o ônibus é de graça apenas para menores de 19 anos e idosos. O resto da população tem de pagar 0,60 euros.

Changning, na China

Número de habitantes: 53.000
Início do projeto: 2008
Com o objetivo de economizar energia, proteger o ambiente, uniformizar o sistema de transportes e aumentar o bem-estar da população, a cidade de Changning, na província de Hunan, decidiu parar de cobrar para que as pessoas usassem as três linhas de ônibus da cidade. O custo do projeto foi estimado em um milhão de dólares, valor  financiado por três fontes: o orçamento da cidade, receitas de publicidade nos ônibus e subsídios de combustível por parte do governo central.
Os usuários do sistema subiram de 11.400 por dia, em 2007, para 59.600 em 2010. Embora a população pareça apoiar o novo sistema de transporte público, os governantes dizem que não é possível aplicá-lo nas maiores cidades do país.

Perth, Austrália

Número de habitantes: 1.897.000
Início do projeto: 1989
A cidade instituiu uma zona de trânsito gratuito em seu centro comercial, onde todos que usam o transporte público circulam de graça. Os passageiros podem andar em qualquer ônibus ou trem sem pagar nada, quantas vezes que desejarem, desde que fiquem dentro desses limites — uma área de 4x2 quilômetros que abrange as principais ruas da cidade.
Ao implantar o projeto, a ideia da prefeitura foi reduzir os congestionamentos na região central, que, como toda cidade de médio e grande porte, estava rumando para a paralisia. Um dos meios encontrados para financiar a ideia foi aumentar o valor cobrado nos estacionamentos dessa região central.

Aubagne, França

População: 46.000
Início do projeto: 2009
O projeto de transporte público gratuito começou apenas pela cidade de Aubagne, a oeste de Marselha, mas hoje atinge outras doze cidades próximas, totalizando 100.000 habitantes. Antes da implantação, o valor pago pelos passageiros representava apenas 9% dos custos do transporte público, o que levou o governo a levantar a possibilidade de instalar a gratuidade.
O dinheiro para custear o sistema veio de um aumento na taxa que as grandes empresas pagam para realizar transportes dentro da cidade. Estudos com a população mostram que o uso do transporte mais que dobrou após a gratuidade, os congestionamentos diminuíram 10% e mais de 90% dos usuários estão satisfeitos com o sistema.
 

São Francisco, Estados Unidos

Número de habitantes: 800.000
Projeto nunca aplicado
A cidade não chegou a implantar o sistema porque, depois de um estudo aprofundado, concluiu que não teria condições de sustentar o transporte público gratuito. A pedido do prefeito na época, em 2008, foi realizada uma análise para determinar os custos e benefícios para a cidade se as tarifas do sistema de transporte de São Francisco, o oitavo maior dos Estados Unidos, fossem eliminadas.
Foi projetado um aumento entre 35 e 40% na circulação de passageiros e descobriu-se que a prefeitura pouparia 8,4 milhões de dólares em operações anuais de manutenção e reduziria em 91 empregos do setor de transporte. Por outro lado, a perda de receita em tarifas seria de 112 milhões de dólares anuais, mais 72 milhões para mais motoristas e outros 512 milhões para a compra de novos ônibus e trens necessários para suprir a demanda de novos passageiros.

Agudos, Brasil

Número de habitantes: 36.000
Início do projeto: 2003
Uma cidade pequena no interior de São Paulo, Agudos não cobra tarifas pelo uso dos 19 ônibus que circulam no local. Segundo a prefeitura, o número de usuários triplicou desde a implantação do sistema, que hoje transporta mais de 8.000 pessoas por dia.
O dinheiro para custear o projeto sai das contas municipais, mas, como a cidade é pequena, não afeta de grande maneira o orçamento.

Reportagem de Gabriela Loureiro e Guilherme Rosa

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