A Pesquisa Nacional de Condições de Vida da Guatemala realizada em 2011 aponta que existem no país 850 mil e 937 meninas e meninos trabalhadores entre 7 e 17 anos. Dos mais de um milhão e 239 mil crianças menores de 14 anos que trabalham na América Central, 61,8% são guatemaltecas. Destas, a maioria é indígena, concentrada na faixa etária entre 10 e 14 anos. Esta pequena mão de obra é atualmente responsável por 20% do PIB nacional.
Focamos na Guatemala, lembrando o 12 de junho, Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, por ser este o país da América Latina onde os sindicatos e movimentos sociais têm sido proporcionalmente mais reprimidos, registrando uma média de 15 assassinatos anuais de sindicalistas para uma população inferior a 15 milhões. (A Colômbia ostenta 30 para uma população de 47 milhões).
Os graves e reiterados crimes contra os trabalhadores e suas lideranças fez a taxa de sindicalização despencar a inexpressivos 1,6%. Sem entidades fortes e representativas, direitos são desrespeitados e salários são arrochados. Faltando fiscalização e sobrando impunidade, crianças passam a ser uma alternativa para que as empresas rebaixem ainda mais as já miseráveis condições de trabalho.
A impunidade tem sido regra no país, grande exportador de alimentos por transnacionais, sobretudo estadunidenses, financiadoras e beneficiárias dos sucessivos governos títeres de Washington. Por mais que as agências internacionais de notícias invisibilizem, a realidade salta aos olhos. Os mesmos jornais guatemaltecos desta quarta-feira que mostram como o general reformado e ex-presidente José Efraín Ríos Montt, condenado a 80 anos de prisão por genocídio - deixou livremente na madrugada de terça-feira o hospital onde estava, após um tribunal ter anulado a sua sentença -, descrevem o falecimento de Elvis Dany Morales Pérez, de quatro meses, morto por “desnutrição severa aguda”. Outros dois bebês ficaram hospitalizados por padecerem do mesmo problema. As vítimas dialogam com a obra construída pelo mesmo regime que garante a impunidade ao genocida.
INFÂNCIA COMPROMETIDA
Conforme informações do Projeto Primeiro Aprendiz na América Central, o grau de exploração das crianças trabalhadoras guatemaltecas compromete o seu desenvolvimento físico, mental e moral, interferindo diretamente na escolarização, pois mais da metade delas acaba abandonando os estudos. Muitas delas inclusive são submetidas a “trabalho infantil nas piores formas”, “que é o trabalho perigoso que põe em risco o bem-estar”.
De acordo com a Convenção 187 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), não são abusos quaisquer. Sem nenhum apoio do Estado, boa parte destes menores acaba sendo vítima da escravidão, do tráfico de drogas, da exploração sexual e da pornografia. Além disso, a própria natureza das condições de trabalho expõe a saúde destes menores, que acabam se acidentando, ficando gravemente lesionados ou mutilados, quando não perdem a vida em serviço.
Mesmo nos jornais conservadores há fartura de exemplos de meninas que trabalham como domésticas em jornadas de mais de 12 horas desde os cinco anos. Meninas cuja única boneca que conhecem não lhes pertence. Pequenos seres, frágeis e débeis, que acabam sem infância, recrutadas para serem “responsáveis” por crianças da sua mesma idade.
“QUEDAS, QUEBRADURAS, CHOQUES ELÉTRICOS”
“Nas atividades agropecuárias são expostas ao calor, ao frio, à chuva e à radiação solar. Também se veem obrigadas a manejar substâncias tóxicas sem nenhuma proteção, ferramentas, e a trabalhar em longas, extensas e extenuantes jornadas, sendo atacadas por animais em áreas de risco”, denuncia o especialista Alejandro Zepeda. Com base em extensos estudos, Zepeda sustenta que “há milhares de casos de crianças que sofreram de discriminação racial, maus tratos e abusos sexuais”. “Outras estão expostas a riscos maiores, como as que trabalham na construção, sofrendo com as quedas, quebraduras e choques elétricos”, acrescentou.
Apesar do Código Penal guatemalteco apontar como delito o emprego de menores de idade em atividades laborais lesivas e perigosas que agridam sua saúde, segurança, integridade e dignidade, estatísticas do Centro Nacional de Análise e Documentação Judicial (Cenadoj) indicam que, por este crime – num país em que mais de 850 mil crianças trabalham - há apenas 31 processos em todo o país. Pior: dos nove casos em que foram emitidas sentenças, três ainda resultaram em absolvição. Os processos judiciais por esta atividade equivalem a insignificantes 0,003% do total das vítimas, o que acaba representando um estímulo ao infrator.
“Há áreas como San Juan Sacatepéquez e San Raymundo onde há muita exploração e trabalhos perigosos para as crianças, porém se tiramos o que estão fazendo, que é perigoso para eles, poderão morrer de desnutrição ou outro tipo de carências”, assinala Leonel Dubón, diretor do Refúgio da Criança.
O estudo “Exploração Sexual Comercial de Meninos, Meninas e Adolescentes”, de Maia Eugenia Villareal, aponta que pela fragilidade da legislação e da própria fiscalização do país, a maior parte dos delitos sequer chega a ser conhecido dos tribunais. Assim, esclarece, “na Guatemala prevalece o medo diante de um sistema jurídico-institucional que culpabiliza as vítimas, às revitimiza e as submete a longas e complexos processos”.
Reportagem de Leonardo Severo
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