Povos originários do Estado no norte do país são alvo de perseguição policial; mais de 6 mil estão presos sem provas.
Em março, Jiten Marandi foi libertado por uma resolução da Suprema Corte na Índia. Passou quase cinco anos na prisão, condenado à morte por um assassinato que não cometeu. Como Marandi, há milhares de indígenas na cadeia, quase todos sem receber assistência legal pública ou sem ver seu processo iniciado. A acusação é sempre a mesma: a de pertencer à guerrilha maoísta.
Alguns desses presos acumulam anos de prisão. O fato de a maioria ser extremamente pobre impede a contratação de um advogado privado e a falta de tradução dos documentos para as línguas nativas dificulta o acesso.
Grande parte dos acusados vive em Estados onde a população indígena é numerosa, como Chhattisgarh, Orissa e Jharkhand, vastas regiões ricas em minerais e bosques onde, ao mesmo tempo, operam a guerrilha e as forças do Estado. Outro ingrediente de tensão é o interesse de companhias de mineração de extrair imensas quantidades de ferro, carbono e bauxita nessas localidades.
Na Índia, 461 grupos étnicos são reconhecidos como indígenas, ou povos originários. Mais de 80 milhões, eles formam cerca de 8% da população, apesar de existirem diversos outros grupos que não são oficialmente reconhecidos pelo Estado indiano.
Alarmados diante desse quadro, artistas e intelectuais da Índia publicaram uma carta aberta em 6 de maio para pedir ao governo para que providencie “justiça imediata a imparcial” para os indígenas, ou adivasis (habitantes originários), na autoproclamada maior democracia do mundo. Os participantes pedem à Suprema Corte, ao governo nacional e aos governos estaduais a criação de uma comissão de juristas que julgue os casos e os solucione o mais breve possível.
Vítimas ou acusados?
De acordo com Gladson Dungdung, defensor de direitos humanos e escritor indígena, apenas em Jharkhand, presos como Marandi são por volta de seis mil. No Estado, famoso pela diversidade indígena, bem como por suas imensas reservas de carbono e de ferro, aconteceram algumas das operações contrainsurgentes mais famosas dos últimos anos.
Dungdung, que assina a carta, dá como exemplo a Operação Anaconda, realizada em agosto de 2011. À época, a polícia informou em comunicado oficial a captura de até 33 guerrilheiros no bosque de Saranda, no sul do Estado. “É interessante notar que 29 deles tinham menos de 35 anos”, explica. “A polícia não apresentou provas contra nenhum, bastou acusá-los de serem membros do Partido Comunista da Índia-Maoísta [a guerrilha]”. Somente com a afirmação policial, os prisioneiros foram acusados formalmente de violar a Lei de Prevenção de Atividades Ilegais, a Lei de Armas e a de Atividades Criminosas. Nenhum foi liberado.
Outro caso emblemático é o das estudantes Jasmani Soy, Magdali Mundu e Juliyani Purty. As três foram presas em 30 de outubro de 2010 depois de um enfrentamento entre a guerrilha e a polícia. Foram acusadas e posteriormente presas por seis meses, sem qualquer comprovação dos fatos, nem de suas idades – as três eram menores de idade e passaram semanas na prisão Khunti. A intervenção de suas escolas, professores e pais deteve a máquina oficial e elas puderam sair da prisão, demonstrando sua inocência.
Jiten Marandi, artista popular e reconhecido ativista contra a desapropriação territorial, teve a sorte de contar também com apoio. Personalidades locais como Arundhati Roy – escritora, novelista e ativista anti-globalização – levantaram a voz para ajudá-lo.
Mas os demais continuam presos, e não serão libertados prontamente porque, segundo explica Dungdung, “se dos milhares de presos [quase todos inocentes] libertam uns cinco mil, seria um duro golpe para o Estado. Por isso a polícia trata de se proteger” e sustenta suas acusações contra toda prova.
Terra ou liberdade?
Em Jahrkhand, com um território um pouco maior que o do Panamá, se produz atualmente um terço do carbono consumido na Índia (principal combustível para a geração de energia elétrica). Suas reservas de ferro e outros minerais preciosos levaram o governo estadual a assinar mais de 102 memorandos de entendimento com companhias de mineração nacionais e multinacionais. Esta abertura desatou expropriações violentas de grandes extensões de bosques e vales em territórios indígenas para fazer minas, fábricas de aço e geradoras de eletricidade.
Muitos ativistas que se opõem aos projetos foram acusados de naxalitas, como são conhecidos os insurgentes, e há processos pendentes. Além do caso Marandi, tem repercutido nos últimos meses a resistência em Nagri, uma pequena população de Jharkhand onde o governo “cedeu gratuitamente” as terras cultiváveis a instituições privadas de educação superior. Tudo sem o consentimento da população.
Em outubro do ano passado, Dayamani Barla, ativista e comunicadora indígena, ficou na prisão por dois meses. Famosa por sua oposição a uma fábrica de aço da ArcelorMittal, Barla foi acusada de participar de uma manifestação em Nagri. Contra ela, a polícia levantou uma dezena de acusações, como insubordinação e difamação, além de ser membro de um grupo insurgente que queimou uma estátua na frente da corte em Ranchi, a capital do Estado.
Na mesma manifestação, Dungdung foi agredido. Ele diz que nessa situação há pelo menos outros cinco mil indígenas, com acusações inventadas – sobretudo a de serem guerrilheiros – por se oporem às expropriações e aos projetos industriais em Jharkhand. Um deles é Kumar Chandra Mardi, líder dos despejados pela Bhushan Steel & Power Ltd, presos por dois meses; a polícia o acusa de atacar o gerente geral da empresa.
“O que vamos fazer?”, explicou Barla em uma conversa. “É nossa terra”. Seu caso, certamente, é peculiar: sua luta de resistência indígena é desvinculada de partidos e outras organizações. Ela já enfrentou mais de uma vez os grupos maoístas ao qual o governo a acusa de pertencer.
Entretanto, a carta aberta não recebeu resposta de nenhum escritório oficial. Jiten Marandi foi liberado das acusações, mas a polícia teria que decadastrar os cinco oficiais que o acusaram falsamente e fabricaram testemunhas, de forma que preferem apelar diante da Corte Suprema e inventar novos processos – já são três. Enquanto isso, a superlotação e a fome nas cadeias de Jharkhand crescem a cada semana, segundo avaliação de Dungung. E quando pergunto pelas execuções extrajudiciais, o defensor dos direitos humanos sorri tristemente. “Isto é ainda pior, senhor jornalista”.
Reportagem de Luis A. Gómez
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