Artigo de Ana Paula Rocha
"Imagine só essas mães". Esta frase não tem um autor específico, mas ao mesmo
tempo tem muitos. Assim que as manchetes de 27 de janeiro anunciavam os mortos
após um incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, o assunto se tornou frequente
entre pessoas do país todo. Certamente, em muitas das conversas, frases deste
tipo estavam presentes. A cada momento o número de vítimas aumentava, dando aos
poucos a dimensão do drama que as perdas representariam para cada envolvido.
Como não pensar nestas mães? Como não pensar na angústia e sofrimento destes
familiares? Passados pouco mais de três meses, as famílias dos 241 mortos têm
neste domingo (12) o primeiro Dia das Mães sem os jovens que perderam a vida na
tragédia.
Abordar estas mães não é fácil. É um tipo de entrevista que não
se aprende a fazer, que não se ensina em lugar algum. Fica valendo o critério
que vale para praticamente tudo na vida. Respeito e bom senso. As mães sofrem ao
contar suas histórias. Todas têm lembranças maravilhosas dos filhos. A gente
fica ouvindo e imaginando que na nossa família tem alguém parecido, fica
pensando que poderia ser com qualquer um. Repórter e cinegrafista enchem os
olhos d'água; a próxima pergunta fica perdida no silêncio ou na respiração
carregada do fim da última resposta.
As mães sofrem em lembrar, mas todas dizem: "há como esquecer? Eu não vou
esquecer", elas falam. Elas sofrem, mas a cada momento lembram que há mais de
200 outras mães com a mesma dor. Lembram que esta é a dor de qualquer mãe que
perdeu um filho. E acreditam que falar sobre isso, lembrar como os filhos eram
especiais para elas e explicar o que estão sentindo pode ajudar outras mães que
também sofrem. Das mulheres com as quais conversamos para produzir um material
especial para o Dia das Mães, nenhuma expressava raiva, rancor ou revolta na
fala. Mesmo assim, elas não admitem que a gravidade do que aconteceu seja
esquecida. É por isso também que elas se esforçam para falar: para que ninguém
esqueça.
A dor das mães é também a dos pais. Vemos o mesmo sofrimento e solidariedade
nos olhos deles: seja naquele que trouxe uma garrafa de água para as mães que
dariam entrevista e se fechou em um quarto na hora da gravação. O gesto e o
olhar dele para a mulher antes de fechar a porta resumiam a cumplicidade:
qualquer coisa, estou aqui do lado. São os mesmos sentimentos que vemos nos
olhos do pai que divide o quarto com a filha para ficar na cama antes ocupada
pelo irmão dela, e assim, não deixá-la sozinha. São os mesmos do pai que agora
deixa a vida que tinha antes de lado para carregar o peso de presidir uma
associação de familiares e tentar conciliar todas as angústias, ao mesmo tempo
em que procura meios de confortar a si e a sua família.
A brutalidade do que aconteceu em Santa Maria impressiona mesmo que já se saiba
de todos os detalhes possíveis da tragédia. Cada vez que se recorda o que
aconteceu, a sensação é de incredulidade. Na mesma proporção, nas três vezes em
que estive na cidade para a cobertura deste triste fato, me surpreendeu da mesma
maneira como podem essas mães e pais serem tão carinhosos.
fonte:http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/05/12/artigo-maes-de-santa-maria-conseguem-ser-doces-mesmo-em-meio-a-dor.htm
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