Em março deste ano, a
estudante de arquitetura Charline Carelli, de 22 anos, recebeu com um misto de
nervosismo e ansiedade a notícia de que um vereador de Balneário Camboriú, no
litoral de Santa Catarina, onde mora, propunha um projeto de lei para limitar a
circulação de bicicletas na cidade.
Ciclista assídua, a jovem catarinense decidiu protestar. Mas, em vez de
organizar uma manifestação nos moldes tradicionais, optou por verbalizar sua
revolta no mundo virtual, criando um abaixo-assinado online.
Em poucas semanas, veio a surpresa. O pleito coletou mais de 6 mil assinaturas,
mobilizando a comunidade local e enterrando de vez a restrição às magrelas.
Carelli faz parte de uma leva de milhares de brasileiros que encontrou na
internet uma nova forma de ativismo: as petições virtuais.
A iniciativa, que substitui as assinaturas físicas por cliques, vem ganhando
espaço no Brasil, impulsionada, entre outros fatores, pelo avanço na quantidade
de pessoas com acesso à rede, que já são mais de 100 milhões no país.
Os números comprovam a força do fenômeno como instrumento de pressão. Duas das
principais plataformas de petições online do mundo, a Avaaz e a Change, já
possuem versões em português e juntas contabilizam mais de 4,5 milhões de
usuários no país.
Além disso, o número de abaixo-assinados criados e firmados já cresce no Brasil
a taxas superiores às de outros países.
Nos últimos seis meses, por exemplo, a Avaaz, vertida para o português em 2007,
registrou um volume de petições encabeçadas por brasileiros duas vezes maior do
que no período imediatamente anterior. Com 3,7 milhões de membros, o Brasil
também é o país com o maior número de usuários do site, à frente da França,
Espanha e Estados Unidos.
Já o número de abaixo-assinados hospedados na Change, que desembarcou no país
em outubro do ano passado, cresce a uma taxa mensal de 35%, segundo seus
organizadores. No último mês, o país ultrapassou, em número de usuários, Índia,
México e Rússia. São 800 mil brasileiros cadastrados atualmente na plataforma.
Vocação política
Na opinião de Pedro
Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça e diretor da Avaaz no Brasil, as
recentes vitórias obtidas pelos usuários brasileiros - da neta que pediu um
encontro de sua avó doente com seu ídolo à aprovação da lei Ficha Limpa no
Congresso Nacional - este último com 2 milhões de assinaturas, físicas e
virtuais - não só revelam uma mudança nos mecanismos tradicionais de
mobilização social, como também fortalecem a democracia.
"Ao assinar e compartilhar uma petição online, o usuário está manifestando
sua vocação política entre seus amigos, o que amplia a discussão e fortalece o
ambiente democrático", disse Abramovay à BBC Brasil.
"Além disso, a internet encurtou a distância para que os pleitos da
população sejam atingidos. Se antigamente eram necessários intermediários, como
associações ou sindicatos, hoje qualquer um pode mobilizar seus pares de forma
muito mais rápida para fazer valer seus interesses".
"Não há dúvida de que essa nova forma de mobilização também tenha um
impacto político. Ainda que nessa área os resultados nem sempre sejam
positivos, como no abaixo-assinado que pedia a renúncia de Renan Calheiros da
presidência do Senado, a manifestação mostrou, acima de tudo, que os brasileiros
não são tolerantes com a corrupção".
Para ele, os abaixo-assinados não substituem, mas complementam as manifestações
públicas.
"A Avaaz, por exemplo, está presente em Brasília. Nosso trabalho é muito
mais fora do que dentro da internet. Dependendo da importância da petição de
nossos membros, nós acompanhamos a entrega simbólica aos envolvidos e
registramos de perto o desenrolar dos fatos. É errado pensar que a política
feita pela internet é menos política".
A afirmação vai na direção contrária de setores da sociedade que temem que os
abaixo-assinados online consolidem o chamado "ativismo de sofá",
termo cunhado para descrever mobilizações feitas na internet. Na avaliação
desses grupos, as manifestações virtuais enfraqueceriam as formas tradicionais
de protesto, consideradas mais bem sucedidas.
Vitórias e derrotas
Alheio às controvérsias,
os criadores dos abaixo-assinados colecionam muitas histórias de sucesso e
algumas derrotas.
Com uma inclinação mais política, a Avaaz, que se define como uma comunidade de
mobilização online e não apenas uma plataforma de petições, credita à pressão
de seus membros o veto parcial da presidente Dilma Rousseff ao Código Florestal
e a aprovação da lei da Ficha Limpa.
Porém, as petições que reivindicavam as renúncias de Renan Calheiros,
presidente do Senado, e de Marcos Feliciano, presidente da Câmara de Direitos
Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, com 1,6 milhão e 473 mil
assinaturas, respectivamente, não atingiram totalmente seus objetivos por ora,
apesar de entregues.
Já a Change, que diz não moderar as campanhas, permitindo, inclusive, petições
opostas, também colheu os louros de sua recém-inaugurada trajetória no Brasil.
Em janeiro deste ano, o produtor cultural Artur de Leos, de 30 anos, conseguiu
convencer o site de comparação de preços Buscapé a limar de suas buscas lojas
virtuais não recomendadas pelo Procon.
Fora do Brasil, após uma petição assinada por mais de 2 milhões de pessoas, a
Justiça da Flórida acusou formalmente o vigia comunitário que matou Trayvon
Martin, de 17 anos, ao confundi-lo com um assaltante. Martin, que era negro,
foi baleado quando saía de uma loja de conveniência, onde havia comprado balas.
"Nosso objetivo é ajudar a potencializar as campanhas de nossos membros,
sem determinar o que é relevante ou não", afirmou à BBC Brasil Graziela
Tanaka, diretora de campanhas da Change no Brasil.
Valor jurídico
Apesar de serem
consideradas instrumentos de pressão popular, as petições virtuais não têm
valor jurídico, segundo advogados especializados em direito digital consultados
pela BBC Brasil.
"Por ora, no entanto, não há garantia jurídica pois a lei não reconhece o
click", completa o Renato Ópice Blum, advogado e professor de Direito da
FGV-SP.
As petições online não têm o reconhecimento oficial, previsto por lei, que
abaixo-assinados convencionais têm e que permite que estes sejam submetidos à
apreciação de instâncias do Legislativo.
Atualmente, segundo o artigo 61 da Constituição, uma "iniciativa popular
pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados do projeto de lei
subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo
menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores
de cada um deles".
Na visão dos especialistas, o problema do abaixo-assinado online é a
impossibilidade de garantir a autenticidade e a ocorrência de duplicidade das
assinaturas.
Em sites como Avaaz ou Change, a adesão a uma causa usa o próprio e-mail
personalizado como forma de autenticação.
"Para evitar fraudes, seria necessário uma espécie de certificado digital,
um mecanismo que nós advogados usamos para protocolar petições, por
exemplo", diz a advogada Cristina Sleiman.
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