Artigo de Martha Rosenberg, no Alternet
Está chegando ao fim, para a indústria
farmacêutica mundial, a farra de lucros com alguns dos medicamentos mais
vendidos. Nos Estados Unidos, expiraram as patentes de comprimidos como
Lipitor, Seroquel, Zyprexa, Singulaire Concerta. Mas não se preocupe, Wall Street. A indústria
farmacêutica não vai desapontar suas expectativas de ganhos só porque pouca ou
nenhuma droga nova está surgindo e porque falhou na sua razão mesma de existir.
Eis aqui seis novas iniciativas do marketing farmacêutico que vão garantir que
as expectativas dos investidores continuem altas, par-e-passo com as
mensalidades dos seguros-saúde. O segredo? Reciclar drogas antigas e
descreditadas e explorar o marketing de doenças para vender algumas poucas novas
drogas.
1. Repaginando a
Ritalina
Agora que a indústria farmacêutica foi bem
sucedida ao conseguir que cinco milhões de
crianças de quatro
a oito milhoes de adultos fossem diagnosticados com Transtorno do Déficit de
Atenção com Hiperatividade (TDAH), está procurando novos mercados para as
drogas. Um novo uso da Ritalina (metilfenidato), a avó das drogas para TDAH,
poderia ser para tratar transtornos alimentares. Pesquisadores dizem que uma
mulher que sofreu de bulimia nervosa, transtorno bipolar I, dependência de
cocaína e álcool, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e
transtorno do pânico “conseguiu uma remissão
sustentada (por mais de um
ano)” quando o metilfenidato foi adicionado à sua lista de remédios.
Mas também existem as grávidas. Um novo
artigo sugere que tirar o metilfenidato durante a gravidez de uma mulher pode
“representar risco
significativo” e que, “em
todos os casos, as crianças se desenvolveram normalmente e nenhum efeito adverso
foi relatado,” apesar de terem sido expostas no útero. Sim, crianças podem
receber medicamentos para TDAH na mais tenra idade: ainda como fetos.
A indústria farmacêutica também está de olho
nos idosos, como um novo mercado para as drogas que tratam TDAH. O metilfenidato
pode “melhorar a função da caminhada nos mais velhos”, escreveram
pesquisadores recentemente. E
uma grande clínica patrocinada pela Escola de Saúde Pública Johns Hopkins
Bloomberg está a
caminho de descobrir se o
metilfenidato pode reduzir a apatia em pacientes com Alzheimer. É claro que
muitos pacientes com esse mal não têm apatia, mas agitação e agressividade;
estes serão excluídos.
2) Reposição hormonal
masculina
Mulheres acima de 40 anos
devem sentir um élan de justiça médica, diante do novo impulso para o tratamento
do “Baixo T” nos homens, uma “doença” recente que agora está sendo
agressivamente comercializada, incentivando a reposição de testosterona. Por
mais de 50 anos, as publicações médicas foram implacáveis em dizer às mulheres
que elas estavam “sobrevivendo aos seus ovários” (frase de propaganda real) e
que a única esperança para manter a aparência, o marido e a sanidade era a
reposição hormonal. Agora, são os homens que estão ouvindo que a decaída no
desempenho sexual e na energia, perda de massa muscular e ganho de peso os
colocam na mesma posição. A lacuna em ambas campanhas de marketing é o fato de
que pessoas não ficam velhas porque perdem hormônios; elas perdem hormônios
porque estão ficando velhas.
Muitos produtos de reposição de testosterona
têm sido aprovados
pela FDA [Food and Drug Administration, agência reguladora
da indústria farmacêutica nos Estados Unidos]: pílulas, injeções e adesivos a géis e soluções
para uso tópico. Em novembro, foi aprovado o primeiro produto de reposição de
testosterona feito para ser aplicado nas axilas, como um desodorante.
Os produtos de TRH (terapia de reposição
hormonal) masculinos também implicam riscos. Eles podem agravar problemas
benignos de próstata, causar
falha do coração, apneia, toxidade hepática e possivelmente estimular o câncer
de próstata, apesar de este permanecer como um risco teórico. Testosterona
injetada tem sido associada a embolias e reações alérgicas extremas (anafilaxia),
sendo que ambas podem ser fatais. Homens que tomam Propecia contra a perda de cabelo podem especialmente
desenvolver baixa testosterona, o que pode não ser reversível, pois reduz-se uma
enzima envolvida na síntese do hormônio.
3) Tratar dependentes de álcool
e drogas como doentes mentais que precisam de vacinas
Uma das poucas coisas boas
no alcoolismo e na adição às drogas é que eles podem ser tratados de graça.
Programas de doze passos como o dos Alcoólicos Anônimos utilizam grupos de apoio
em vez de drogas, pessoal treinado ou seguro-saúde – e funciona. Não surpreende
que as milhões de pessoas que se recuperam sem a ajuda da indústria farmacêutica
sejam o seu mais recente alvo, na tentativa de alavancar receitas. Cada vez
mais, as corporações estão pressionando clínicas de reabilitação e médicos a
imputar diagnósticos de doença mental a pacientes em recuperação, para vender
medicamentos caros.
Pior, Nora
Volkow, a chefe do Instituto
Nacional de Abuso de Drogas dos Estados Unidos, está conduzindo experimentos
cruéis em primatas na tentativa de desenvolver uma vacina para alcoolismo ou
dependência. Existe algum alcoólico ou viciado no mundo que tomaria uma dessas
vacinas? Ela não sabe que bebidas e drogas são divertidas (até determinado
momento…) e que ninguém quer parar com elas antes da festa acabar? Ela não sabe
que quando beber e usar drogas deixa de ser divertido, uma coisa chamada negação
se abate e os aditos novamente não vão tomar sua vacina?
Essas vacinas para vícios
serão vendidas a pessoas “em risco” de dependência com base em seu histórico
familiar e varreduras de seu cérebros, o que soa um pouco, digamos,
não-voluntário. E a comercialização de tratamentos precoces agressivos para
doenças que pessoas nem têm ainda (“pré-osteoporose”, “pré-diabetes”, “pré-asma”
e “pré-doenças mentais”) é um modelo de negócio infalível para a indústria
farmacêutica porque as pessoas nunca saberão sequer se vão precisar dessas
drogas – ou se precisam agora.
4) Patologizar a
insônia
A insônia tem sido uma mina
de ouro para a indústria dos medicamentos. Para encher os bolsos no mercado da
insônia, as corporações criaram subcategorias para o problema – crônica, aguda,
transitória, de início retardado e no meio-da-noite, assim como o despertar
cansado. Sua insônia é tão única quanto você! Tampouco é coincidência que as
medicações para “manter acordado” causem insônia e que as drogas para insônia,
em razão da ressaca, criem o mercado das drogas para manter acordado.
Agora a indústria está anunciando que a
insônia é na verdade um fator de “risco” para a depressão e que “tratar a insônia pode ajudar a tratar a
depressão”. O novo Manual de Diagnósticos e Estatística (DSM-5 [Diagnostic and Statistical Manual]) da Associação Norte-Americana de Psiquiatria que
saiu em maio [leia
mais a respeito, em
Outras Palavras] também acaba de patologizar o sono. Considerada a
bíblia dos tratamentos com drogas psiquiátricas, a última versão do DSM trouxe
uma revisão do modo como a insônia é diagnosticada e classificada. “Se o
distúrbio do sono é persistente e prejudica o funcionamento do corpo ao longo do
dia, ele deve ser reconhecido e tratado”, escrevem os autores em um artigo na
edição de dezembro da Journal of Clinical
Psychiatry [Revista de
Psiquiatria Clínica].
5) “Vender” doenças imunológicas
crônicas
A artrite reumatóide, artrite psoriática, a
espondilite anquilosante e a psoríase em placas são transtornos raros, mas você
não saberia disso pelos últimos esforços da indústria farmacêutica. Suas
condições autoimunes são cada vez mais tratadas com medicamentos frutos de
engenharia genética injetáveis como Humira, Remicide, Enbrel e Cimzia, que dão às corporações 20 mil dólares por
ano por paciente. Não causa espanto que uma recente campanha publicitária tente
convencer as pessoas com dores nas costas “que nunca passam” de que elas
realmente têm espondilite anquilosante. Não espanta que a propaganda da “AR”
(artrite reumatóide) esteja por todos os lugares e as de remédios para psoríase
em placas prometam “pele mais
clara” como se fossem cremes
de beleza. Em Chicago (EUA), propagandas de drogas caras e injetáveis apareceram
em jornais de universidades, como se fossem para a população em geral, não para
pessoas com doenças incomuns.
Como tais drogas, chamadas de inibidoras de
TNF, suprimem o sistema imunológico, elas atraem super infecções bactericidas e
fúnguicas, herpes e cânceres raros, estes principalmente em crianças. Eles estão
conectados com o crescimento de hospitalizações, reações alérgicas extremas e
eventos cardiovasculares, tudo o que a indústria farmacêutica tenta
minimizar. Bloqueadores de
TNF também são vendidos para o enfraquecimento dos ossos e asma, condições que
iriam raramente garantir seus riscos. Xolair, vendido para asma apesar dos
avisos da
FDA, recentemente foi muito
falado como um grande tratamento para a coceira
crônica.
6) A reciclagem do
Neurontin
A apreensão da droga Neurontin (gabapentin) não foi o melhor momento da indústria de
medicamentos. Uma repartição da Pfizer Inc. foi
declarada culpada, em
2008, por promover o remédio para o transtorno bipolar, dores, enxaquecas e para
afastar as drogas e o álcool, quando tinha sido aprovado apenas para neuralgia
pós-herpética, epilepsia e dor causada por herpes zoster. A multa foi de 430
milhões de dólares. Ops. A Pfizer realmente promoveu os usos ilegais enquanto
estava sob inquérito por atividades ilegais relacionadas ao Lipitor; e mais
tarde promoveu usos ilegais para uma droga similar, a Lyrica, enquanto estava
sob o acordo relacionado ao Neurontin! Ela parece, de fato,
incorrigível.
Para vender Neurontin, a Parke-Davis, da
Pfizer, lançou um elaborado “plano de publicação”, cujo objetivo era conseguir
peças de marketing disfarçadas de ciência, em revistas médicas. Em apenas três
anos, a Parke-Davis colocou 13 artigos escritos por
fantasmas em publicações de
medicina, promovendo usos que estão fora da bula para o Neurontin. Isso incluiu
um suplemento no prestigioso Cleveland Clinic Journal of
Medicine (Revista Clínica de
Medicina de Cleveland, tradução livre), que a empresa transformou em 43 mil
reimpressões disseminadas por seus representantes. “Veja, doutor, dizem aqui
que…”
E há ainda mais duplicidade. Em 2011, três
anos antes do acordo de 430 milhões de dólares, a tentativa da Pfizer chamada
STEPS (“Study of Neurontin: Titrate to Effect, Profile of Safety” — “Estudo da
Neurontin: dosagem efetiva, perfil de segurança”, tradução livre) foi denunciado por também ser publicidade, e não um estudo
científico; era uma ferramenta de vendas criada para inspirar os 772
investigadores que participavam do experimento a prescrever o
Neurontin.
Recentemente, os novos usos do remédio para
tosse
crônica, menopausa e insônia estão aparecendo na literatura científica. Por que
ninguém parece acreditar neles?
Tradução: Gabriela Leite
fonte:http://www.outraspalavras.net/2013/04/27/quem-resgatara-a-industria-farmaceutica/
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